Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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25 de maio de 2012

Antepassados


 Eu, que faço parte daquele grupo de homens e mulheres que, segundo ele “ experimenta o fascínio pelo passado que carrega no seu próprio corpo e pela memória simbólica que também vive”, presto, ao  professor José Mattoso, a minha homenagem e apresento-lhe a minha grande admiração
Apodero-me das suas palavras, porque ainda não encontrei outras que definam melhor o que penso e o que procuro fazer:
«Outrora praticava-se a genealogia principalmente para demonstrar glórias familiares. Fazia parte dos processos de preservação do património simbólico e da defesa do status alcançado. Exaltavam-se os grandes e ocultavam-se as “ovelhas ranhosas”, cantavam-se os feitos gloriosos e escondiam-se as bastardias e opróbios, acentuavam-se os cargos e honrarias e omitiam-se os ofícios subalternos. Ainda há quem, ingenuamente, continue a praticá-la assim. Mas a opinião pública não perdoa. Não acusa a ingenuidade mas o ridículo. Hoje não se pode ocultar nada. Sabe-se que nem a honra nem a vergonha se herdam, e que só o mérito próprio tem algum valor no mercado social. E para quem pensa um pouco e não está obcecado pelo sucesso, depressa descobre que a luta pela vida, mesmo quando reprovada pela sociedade, tem sempre alguma coisa de admirável. Demonstra sempre o mistério do seu indomável recomeço. Demonstra também que, se a transmissão da posse e do poder é ilusória, não o é de todo a transmissão do ser. Devemos sempre alguma coisa aos nossos antepassados. Devemos o que começámos a ser, por muito que seja nosso aquilo que nos tornámos.
Reconstituir a cadeia dos antepassados é, portanto, ao mesmo tempo, fazer o reconhecimento ou tomar consciência da nossa herança genética e cultural, e prestar homenagem àqueles a quem a devemos. É uma forma de reconhecer a vida que os mortos não deixaram nunca de semear à sua maneira. É o modo moderno de venerar os mortos, na esperança de que eles nos tragam a prosperidade, como faziam, com os seus milenários rituais, as sociedades antigas».

In prefácio de “Dos Leais de Sintra a Colares aos da Região Oeste” de Luís Filipe Marques da Gama, edição da Câmara Municipal de Óbidos.