Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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28 de maio de 2012

Casamento em Porto da Lage e outras cenas

                                           


Por volta de 1780, Raimundo José de Sousa Henriques, desembargador, proprietário em Porto da Lage, indo já pelos seus cinquenta anos,casa com a jovem Anna Theresa Dorotheia de Sequeira e Silva natural da vila de Paialvo. O casal terá uma dúzia de filhos, pouco mais ou menos, durante os vinte anos do casamento que terminará com a morte do cônjuge no inicio do sec.XIX. Ela ainda permanecerá nesta vida até depois de 1830.
Da felicidade da dupla nada se sabe, pelo menos a autora destas linhas não sabe, mas como tem essa liberdade imagina que se terão aturado na saúde e na doença, na alegria e na tristeza e na riqueza (a pobreza prevista no latinório não se aplicaria neste caso),no sossego e na Graça de Deus, ela mais do que ele, naturalmente. Naturalmente, porque é da natureza das mulheres a propensão para "aturar" e, no caso de marido velho e daquele tempo, devia mesmo de ter que se "aturar muito", a gota, o catarro, a surdez, a capacidade para fazer filhos anualmente e a incapacidade de compreender os trabalhos acrescidos pelo facto, tudo acrescentado com a embirrice, a caturrice da rotina, a prisão a hábitos velhos e as correntes de ar, ah pois, importantíssimo, as correntes de ar! A pobre devia estar tão farta de janelas rachadas, portas empenadas, tectos gotejantes e de andar sempre enrolada em mantas que ainda o defunto não tinha arrefecido já ela tinha mudado de casa. Sim, que não há como um homem para se agarrar a quatro paredes nem que estas ameacem desabar há quatro gerações, só para não ter que fazer mudanças! Mas enfim, o saldo acabou por ser positivo. Ela teve, pelo menos, o último terço da sua vida para recuperar!

Mas, não foi este o único  casamento exemplar que vos trouxe, outros o foram senão tão felizes, pelo menos mais, muito mais, emotivos. Quiçá, mesmo capazes das mais extremas paixões.

É o caso daquele, está bem, é estrangeiro, mas cá também os terá havido (não desesperemos com a nostalgia do "lá fora" que neste aspecto não ficamos a dever nada a povo nenhum), daquele, dizia, retratado pelo pintor e gravador inglês William Hogarth (1697-1764).

William Hogarth que se celebrizou (postumamente) por fazer das suas pinturas uma crítica social à sua época, satiriza em vários quadros um casamento por interesse celebrado na upper class britânica.

        Le Marriage à la mode.

Em 1743 o pintor fez seis quadros,  cujo conjunto intitulou  Le Marriage à la mode  (anos depois passado a gravura), que retratam a tragédia (o drama, o horror, acrescentaria um conhecido comentador dos nossos dias se isto se passasse em vídeo) de um casamento combinado entre os pais dos noivos. A sequência dos quadros conta-nos a história da vida de um casal da alta sociedade, desde o dia em que foi efectuado o contrato de casamento até à sua revogação, no caso, pela morte de ambos. Pelo meio é-nos revelada a vida depravada dos noivos, que quando não se ignoram ou agridem, se divertem com os respectivos amantes. 


1- No primeiro quadro o Conde de Squanderfield, aristocrata arruinado, e um  comerciante abastado, pai de uma bela e casadoira menina, combinam o casamento dos dois filhos. De reparar que estes, já aqui, se encontram de costas voltadas um para o outro, enquanto ela é confortada pelo advogado, o qual responde pelo sugestivo nome de Silvertongue e virá a  desempenhar papel principal no desenrolar, e no finalizar, de toda a novela.
Ajuste de casamento

2- Dias depois do casamento, realça o entusiasmo conjugal e a arrumação do lar, no segundo quadro.


Poucos dias depois



3- A relação entre os dois é de tal qualidade, que o visconde, a dada altura, acompanhado de uma jovem prostituta, procura a cura para a sífilis junto de um pseudo-médico que lhe prescreve as pílulas que tem na mão.



A visita ao charlatão

4- O velho conde morre, o título passa para o jovem casal, que vive como compete à sua estirpe e é moda ao tempo. Logo ao acordar a condessa recebe visitas corteses nos seus aposentos, entre elas o que se adivinha seu amante, o tal advogado Silvertongue.


Pela manhã

5- À dissoluta vida segue-se o moralizante castigo: O conde encontra a condessa com o tal da "língua de prata", que acaba por o matar e fugir (lá vai ele pela janela fora em belos trajes) enquanto a condessa pede perdão ao marido esvaído em sangue...


Morte do conde

6- ...e se suicida depois.

Suicídio da condessa

E digam lá se, apesar de tudo se passar na fleumática Inglaterra,  isto não pede letra de fado?

[Ai credo, até a criancinha agarrada à mãe, minha rica filha!]

Para quem quiser saber mais, ver este blog e  este