Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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30 de abril de 2013

Recordações da Nossa Aldeia

 

Dulcinda Mota Teixeira é uma figura em qualquer parte do mundo. Porto da Lage não sabe a sorte que tem em a possuir. Onde mais existem dulcindas destas, de boina ou panamá na cabeça, montadas nos seus triciclos, pedalando  as compras para casa, verdadeiros repositórios do passado e forças de intervenção no presente? Ah, é verdade, e de oitenta anos? A vitalidade, a memória e a raiva desta mulher é tudo o que a gente deseja para quando for grande! O respeito pelo passado e a capacidade de (ainda) se indignar é algo que eu, cheia de vergonha, declaro já aqui serem objecto da minha grande inveja! Amar o passado virado para a frente é tão pouco habitual infelizmente!
Foi um momento de triunfo (consegui!), ouvi-la outro dia ao telefone – a narrativa está pronta, passe por cá quando quiser a buscá-la. A “narrativa” era o texto que eu lhe vinha pedindo há perto de três anos que escrevesse, onde contasse a todos o que me contava quando nos encontrávamos, sobre Porto da Lage e a família. Achava que não havia razão para isso, “ninguém ia ligar nenhuma”, ninguém estava interessado. Depois do Blog começar disse-lhe que agora já havia onde publicar, não lhe prometia grande público mas, pelo menos, meia dúzia de interessados iriam lê-la. Que não tinha tempo. No Verão passado fez-me sinal, parei o carro e atirou-me – Já comprei o caderno. O caderno? Pois, para começar a escrever aquilo! E começa quando? Isso agora! Para já não, está muito calor! Graças a Deus o Inverno foi longo e permitiu a produção do que se segue. Trata-se de facto de uma narrativa, como lhe chama a autora, bastante resumida (não posso deixar de lembrar o prazer, cheio de pormenores, de ouvir presencialmente a Dulcinda) da história de Porto da Lage  do século XX, com especial ênfase para a década da sua juventude – os anos cinquenta. Dulcinda Teixeira conta de memória o que viveu e o que ouviu dizer, é possível que, como acontece sempre nestes casos, os factos não se tenham passado exactamente assim contados pelas bocas de outros intervenientes. É uma inevitabilidade! Mas também, como acontece nas nossas casas e famílias, talvez estas situações de “desacordo” sirvam para promover mais discussão e avivar mais memórias.
Começo hoje a publicar o texto que a Dulcinda me entregou manuscrito Recordações da Nossa Aldeia, espero tê-lo respeitado integralmente (MFM):


Recordações da Nossa Aldeia

por Dulcinda Mota Teixeira

« Nos últimos tempos têm aparecido pessoas que gostam de ter conhecimento sobre as suas raízes».
                                                                                 I
                                                                         A Origem
Os Mota e os Sousa Rosa
A pequena aldeia onde nasci há oitenta anos - 1932, é uma povoação relativamente nova.
Era uma simples quinta com dois cursos de água; a ribeira que nasce perto da Serra de Aire e o ribeiro que vem de uma povoação chamada Longra.
Quando da chegada do comboio em 1864 começou a ser povoada por famílias que aqui compraram terrenos e construíram as suas casas.
Porto da Lage nos finais do século 19 era habitado por duas ou três famílias: Mota, Sousa Rosa, Santos Faustino e, um pouco mais tarde, Mendes Godinho.
Manuel Sousa Rosa veio da freguesia de Assentis já com família constituída, tivera sete filhos, quatro homens e três mulheres. Augusto Mota veio ainda novo para o lugar do Paço da Comenda e mais tarde veio a casar com uma filha de Manuel Sousa Rosa. Este casal deu à terra oito filhos, perderam uma filha jovem vítima de epidemia que dizimou grande parte da população portuguesa
A geração dos meados do sec.19 não se casou entre si mas a geração a seguir casaram-se entre si, quase todos primos em 1.º grau. Cinco casais eram primos entre si, outros cinco homens casaram com senhoras não primas. A povoação era constituída por Motas e Sousas Rosas. A juventude nascida nos finais do século 19 era tudo primos entre si
Era um tempo em que todos éramos primos e primas, tios e tias. Quase todos eram compadres por casamentos e baptizados. Uns com mais dinheiro, outros com menos.
Entre estes jovens houve um que foi mobilizado para a guerra, foi para França, teve a infelicidade de ser molestado com gases na célebre batalha de La Lys na região da Flandres
Também havia cunhadas e irmãs, uma das cunhadas que se julgava mais civilizada no meio, não perdoava nada às cunhadas Mota. Quando da separação do marido, cortou relações com as que ficaram do lado deste. Esta Gracinda Teixeira era irmã do meu pai. Não era nada meiga para as sobrinhas!
Os homens eram quase todos agricultores, cultivavam as terras que produziam azeite, figos, cereais, batata e legumes para consumo próprio. Tinham trabalhadores assalariados. Só dois pegavam na enxada para virar a terra – António Rosa Mota (da Quinta) e João Mota (dos Olivais) os dois homens mais modestos e honestos de Porto da Lage, nunca sobre eles se ouviu a menor leviandade, ao contrário de todos os outros.

Alguns pretenderam estabelecer-se com serviços de transportes para localidades vizinhas, outros para levar peixe e vendedeiras para mais longe – Sertã. Contam as netas de Manuel de Sousa Rosa (filho) que o avô quando ia em serviço, de carroça, a caminho de Tomar num local junto à Quinta da Anunciada, quando quis trocar de um carro para outro, em andamento, falhou o salto, sendo atropelado mortalmente por outra carroça. Até lhe chamavam o Manuel das carroças. Deixou três filhos pequenos mas a viúva foi mulher que não baixou os braços, ficou sempre conhecida por "tia Viúva".
Quando em 1928 começou a funcionar o ramal Lamarosa-Tomar a empresa das carroças morreu. Só Manuel Augusto Mota ficou com as descargas de vagões que traziam mercadorias para o armazém da União Fabril.
A filha mais velha do primeiro Mota (tia Anita) também se iniciou com a restauração, servindo refeições a quem por ali trabalhava e não tinha ainda família. Era viúva desde muito cedo, tinha um modesto estabelecimento de mercearias e vinhos, taberna -Vinhos e Petiscos- e com facilidade mostrava os seus dotes culinários ...                             (continua)

28 de abril de 2013

Sapatos com tachos e outros preconceitos





Quando eu era adolescente, um dos passatempos, meu e dos meus irmãos, para matarmos a grande neura do “passeio dos tristes” de carro das tardes de domingo, era elegermos a “maison” mais feia que encontrássemos pela beira da estrada. Era a época áurea em que os nossos primeiros emigrantes dos novos tempos construíam, com o mealheiro das Franças e Araganças conseguido com o seu sofrido suor, e ajuda da florescente indústria dos materiais de construção civil, as casas coloridas, azulejadas e de surpreendentes traços arquitectónicos que estarreciam e eram alvo da chacota das auto-supostas pessoas de bom gosto. Durante muito tempo, acho mesmo que sempre, ocupou o podium das nossas escolhas, uma casinha em Alburitel, mesmo no meio da povoação, ligeiramente abaixo do nível da estrada, de murosinho baixo afastado alguns metros da habitação por um pequeno jardim, revestida a azulejos, com ombreiras de portas e janelas pespontadas a conchas do mar. Conchas das mais variadas formas, desde a clássica vieira ao robusto búzio, todas bordejando o estreito passadiço central que conduzia a entrada da rua à porta da casa, os pequenos canteiros, a fonte de cimento e, como não podia deixar de ser, os frontões do portãosinho. Completava a aparência geral da casa e contribuía irremediavelmente para o seu carisma, uma árvore-da-borracha que fora forçada a entrelaçar-se por locais precisos da fachada realçando sempre as omnipresentes carapaças de moluscos. Um dia, o meu irmão J.J encontrou numa revista uma fotografia da nossa vítima, estávamos cheios de razão, “aquele aborto” constituía um exemplo, e por isso fora fotografada, da “desvirtuação da paisagem” e de utilizar uma estética (?) nada condizente com os valores arquitectónicos portugueses e com os materiais locais. Sentimo-nos recompensados e acompanhados. Tínhamos um gosto erudito e a verdade era só uma! Éramos jovens. Estamos desculpados, nada que a idade não tenha curado.

Tentei, há tempos, voltar a ver a tal casinha. Não a encontrei. Ou procurei mal ou os donos não resistiram à crítica e descaracterizaram-na. A ser assim foi pena. Lembro-me dela quando vejo as decorações de Gaudi (é bem certo que a ignorância é a mãe do preconceito) e embora todo aquele excesso decorativo do artista não me sensibilize por aí além, era também isso que me incomodava na casinha de Alburitel. Quem sabe como seria considerada no futuro? As ousadias do catalão também foram, um dia,  acusadas de aberrações!

Todas estas minhas reminiscências e contrição sobre a maison de Alburitel vieram a propósito de Joana Vasconcelos . Também é uma obra e uma artista controversa. Gostei da exposição, as obras “ligam” bem com o interior do palácio. Resta a discussão “da moda” sobre se “a artista da moda” é artista ou não é artista. Há lá peças criativas que revelam e despertam emoções, digo eu, pronto está dito, mas outras? Palavra que não me apetecia nada ter um cão ou uma lagartixa daquelas, de loiça, mal enjorcadas dentro de uma fatiota de crochet cor-de-rosa cá por casa! Por mais que olhe para aquilo, e olho com toda a boa vontade e esforço, não consigo ver para além da piroseira da renda sobre o vidrado  da bicharada. Reconheço que nada daquilo lembrava ao careca! Força criativa e imprevisibilidade não lhe faltam! Mas mede-se assim a arte?  A pôr as coisas às avessas só por que sim? Pode ser. Andy Warhol também tem disso e é glorificado! Meto os dois no mesmo saco (de crochet de seda, evidentemente) com todo o respeito, mas não me comovem.Sorry.

Agora o que eu acho é que a rapariga anda em más companhias! Mostrasse-se  ela, nem precisava de mudar de fato, os que usa encaixam-se perfeitamente, em vez de ser com o PR e figuras do governo, com a sublime esquerda moralizadora e esteta, dona da verdade, e seria, já, elevada, sei lá, a Saramago das artes plásticas, pelo menos. E aí, como com ele, deixaria de haver duas opiniões, publicáveis, claro.

26 de abril de 2013

As freguesias de Beselga e Madalena


De acordo com novas disposições legais, ver aqui, as freguesias da Madalena (de que Porto da Lage faz parte) e a da Beselga passam a ser uma única.  Tratou-se de uma reforma administrativa que se deveu, ao que parece, à necessidade de diminuir custos do Estado e, argumento extraordinário, atendendo a que o outro é ordinário, ao facto de a antiga organização "ser muito antiga", imagine-se que "há mais de cento e cinquenta anos" que aquela vigorava! Como é possível? Não foi dito que o antigo sistema era (?) obsoleto, que já não(?) justificava as necessidades das populações actuais, que era demasiado dispendioso(?) para os resultados que apresentava, não senhor, nada disto foi referido até porque nada foi estudado, nem precisava de o ser. Bastava começar pelo fim e concluir: é antigo, logo, muda-se! Corolário mágico capaz de convencer qualquer português! E se houver resistências, isso só demonstra que a reforma é mesmo imprescindivel, como eu ouvi da boca de um excelso governante, pois "há que acabar com os interesses instalados". Mesmo que seja o interesse comum!
Enfim, haja paciência e Deus Nosso Senhor se lembre de nós porque daqui a pouco já nem nós próprios nos lembramos!
Bom, mas lá que é verdade que todas estas velharias das freguesias, em especial estas duas agora unificadas a que "a nossa terra" pertence, têm mais de 150 anos, é verdade! Senão vejamos:



No Isento de Tomar , território composto pelo actuais concelhos de Tomar e Ferreira do Zêzere, com excepção das vilas de Asseiceira e Paialvo, e incluindo a Igreja de Santiago de Santarém com os seus bens,  à época dos Templários e depois dos Freires de Cristo, a autoridade eclesiástica provinha directamente do Papa. Era uma área de Nullius Dioccesis, o Bispo das suas igrejas era o bispo de Roma, não havia intervenção directa de nenhum outro bispo do território nacional. O Isento era assim uma Vigararia, com sede na igreja de Santa Maria do Olival (convento, Bailio e Panteão da Ordem), sendo o vigário nomeado pelo Prior da Ordem. Com as descobertas, o limite de intervenção da Vigararia alargou-se, passando a abranger todo o território Ultramarino durante mais de dois séculos. A criação do Bispado do Funchal consiste na primeira “baixa”da Vigararia de Santa Maria do Olival, a qual perde todo o poder além do Isento com a Restauração (o que os Filipes espanhóis tinham conservado foi perdido em 1640).
Quanto ao Isento propriamente dito, este mantém-se até 1882, altura em que a jurisdição da Igreja Católica dentro deste território é dividida entre o Patriarcado de Lisboa e o Bispado de Coimbra. Mas Tomar mantém durante muitos anos a esperança de voltar a alcançar o antigo prestígio.  Ainda em 1965, Amorim Rosa defende no livro História de Tomar, que serve de referência a este pequeno resumo, que seja criada proximamente a Diocese de Tomar. Nos anos setenta é criada, sim, a Diocese de Santarém, de que o concelho de Tomar passa a fazer parte!
Nos fins do sec.XIV havia em todo o Isento apenas a Igreja de Santa Maria do Olival e seis capelas rurais, a saber, além rio: Santa Maria das Areias, Santa Maria da Serra, Santa Maria dos Casais e Santa Maria das Olaias e aquém rio: Santa Maria Madalena e Santa Maria da Sabacheira.  Estas capelas tinham capelães itinerantes, residentes na sede da Ordem e que se deslocavam para dar missa e baptizar nas capelas que tinham pia baptismal, sendo que apenas em 1503 esta circunstância se verificou em todas as capelas.
No reinado de D.João III, exactamente no regulamento de 4 de Março de 1530, procede-se à reforma e reorganização paroquial do Isento sendo criadas várias paróquias, com rendimentos próprios e pároco residente,  entre elas a de Santa Maria Madalena na freguesia de Marmeleiro e Cem Soldos.
Eram os seguintes os limites daquela freguesia segundo o dito regulamento e a “tradução” que consta no livro “História de Tomar” :
“Começa  à Cruz de S. Martinho, que esta onde a Cerca do Convento volve de norte contra suI, e dai segue pela estrada que vai da Vila de Tomar para Alcobaça  e passa pela ponte do Ribeiro do Cerzedo e vai seguindo a dita estrada ate onde o termo de Tomar parte com o de Torres Novas, partindo sempre da banda do norte com a Freguesia de S. Miguel de Carreguei ros, e dai vai contra suI, partindo sempre com o termo da Vila de Torres Novas, ate onde começa partir com o termo da Vila de Asseiceira, como parte com o termo da Vila de Tomar, ate a Foz da Beselga, onde entra no Rio de Tomar, e dai volve pelo dito Rio acima, partindo com ele com a Freguesia de S.Pedro da Beberriqueira ate ao Casal de Goncalo Mendes, nesta Freguesia, e começa a partir com a limitação que ficou à Frequesia Matriz de Santa Maria do Olival depois que se fizeram as Freguesias das Capelas que dela se apartaram, e do dito Casal se vai a Fonte Formosa e dai se vai a Cumiada, atravessando o Ribeiro de Juncais pela dita Cumiada ate a Ermida de S. Miquel do CaniçaI, que é desta Freguesia da Madalena, e da dita Ermida se vai pela estrada ate a Cruz de S. Martinho, onde começa”.
Ainda segundo Amorim Rosa, “nesta Freguesia existiam os seguintes Templos, além da Igreja Paroquial:
O Mosteiro de Nossa Senhora da Anunciada da Ordem de S. Francisco dos Descalços, onde se chama Cerzedo.
Capela de S. Miguel, entre os Caniçais e o Carvalhal Pequeno.
Capela de S. Sebastião, na aldeia de Cem Soldos.
Capela de Santa Marta, na aldeia do Marmeleiro.
Capela de Santa Ana, na Quinta de Miguel do Vale*.
Capela de S. Pedro Apóstolo, junto da Ribeira da Beselga, no caminho que vai para Torres Novas e Paialvo.
Capela de Santa Margarida, no limite da Comenda de Cem Soldos.
Capela de Estevinha Vaz, junto aos moinhos da Capela na Ribeira da Beselga".
Na Freguesia havia  em 1570,  33 lugares sendo de todos o maior Cem Soldos com 70 fogos (cerca de 300 habitantes). Seguindo-se-lhe o Marmeleiro com 22 fogos. O total da Freguesia era de 196 fogos, ou sejam cerca de 800 habitantes.
Das outras paróquias criadas consta a de S.Miguel de Porrais (Carregueiros) da qual fazem parte as futuras paróquias (só criadas no sec.XVIII) de Pedreira e S.Silvestre da Beselga que tinha ao todo 106 fogos, ou seja 430 habitantes, sendo que S.Silvestre tinha 3 fogos. Existiam, no entanto, já então os templos de S.Silvestre e S.Lourenço que passaram depois a integrar a freguesia de Beselga.
 Em 1712, já esta última freguesia estava instituída segundo a A Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, obra em três volumes do Padre António Carvalho da Costa (toda a obra neste endereço ). Vejamos como as duas freguesias estão aqui descritas:

Assim pois, a Freguesia da Beselga teria em 1712 os lugares de Ponte, Francos, S.Lourenço, Carregueira, Vale do Calvo, Casas, Basselos, Fonte da Longra e Assamassa, nos quais viviam oitenta vizinhos. Na  da Madalena havia os lugares de Beselga (?), Paço, Gaios, Porto de Mendo, Cem Soldos ("onde está o sacrário por estar a matriz em lugar despovoado"), Caniçal, Boa Vista, Carvalhal Grande, Casaes da Madalena, S.Miguel, Carvalhal Pequeno, Marmeleiro, Capela, Maxial, Charneca, Val de Cabrito e Caldelas. Moravam em todas elas um total de 350 vizinhos. Sobre esta última freguesia acrescenta o autor ser "das melhores e mais opulentas do termo de Tomar, abundantissima de pão (leia-se trigo), vinho e azeite e mimosa de frutas e excelentissimas águas". (MFM)                                               

(continua)

                      



* Em 9 de Outubro de 1696 meus oitavos avós Joana Francisca de Matos e José Nunes, do Marmeleiro, casam nesta ermida.

Bibliografia:
Costa, Padre António Carvalho da, Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, Lisboa,  1712
Rosa, Amorim, História de Tomar 2.ª edição, Tomar, ed. Fábricas Mendes Godinho, 1988


23 de abril de 2013

Rega as tuas plantas



Carlos Reis(1863, 1940), Geraneos e Malva-rosa
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Ricardo Reis

    

19 de abril de 2013

Obras da Ordem de Cristo?





.... Nas minhas lembranças e conjecturas, muito abundantes nesta já minha longa existência, surgiu a curiosidade: quem e quando foi construído o açude, quem executou a abertura da levada e respectiva azenha; a origem dos muros e motas que têm início um pouco aquém da povoação de Além da Ribeira e terminam, com algumas interrupções, na ponte conhecida por ponte de pedra da estrada nacional que vai a Tomar; quem levantou os muros que canalizam o ribeiro da Longra pelas duas margens por uns cem metros; e quem terá plantado o majestoso olival. Nos confins das terras que foram pertences da Quinta da Belida, existe uma grandiosa mina talhada a picão num maciço rochoso no sopé duma pequena elevação. Observando a sua dimensão e a natureza da rocha por onde foi minada, leva-nos a crer que foi um trabalho de longos anos. Em 1950, a água que dela brota foi represada no interior e trazida para Porto da Lage.
A autoria desta obra não terá sido dos proprietários da Quinta da Belida que antecederam o seu trisavô e meu bisavô.
O Portalegence João Maria de Sousa, ilustre médico nosso conhecido pela excelente obra que nos deixou, diz que toda a margem esquerda da ribeira da Bezelga era domínio dos frades de Cristo, que é como quem diz, da ordem de Cristo e que eles eram os donos dos rios e dos ventos… Palavras de um republicano “empedernido”. (Ilidio Mota Teixeira)

16 de abril de 2013

Localização da Estalagem




Como já vimos a  Estalagem de Porto da Lage ficava à beira da Estrada Real, mas onde?
No levantamento topográfico,  datado de cerca de 1862,destinado à construção da linha férrea (futura linha do norte) a que tive acesso, observa-se entre os 120 Km e 121Km, o que é designado como "caminho de Coimbra", o qual, depois da descida de Paialvo, passa a coincidir com a linha férrea projectada mas, de seguida, faz  uma curva com um ângulo de, talvez, 100  graus em direcção à ribeira da Beselga e depois, novamente outra curva para a esquerda, ao lado direito da qual se encontra o desenho de um edificado (o único) composto por dois rectângulos  contíguos mais um, mais pequeno, "nas traseiras"  e por outra figura ainda, agora da forma de um trapézio,  um pouco separada. Atendendo a que não se tem noticia de aquela área ter sido habitada a não ser por um moinho e pela tal estalagem e,  naquela época apenas lá viver a família do " Dr. Sousa" cuja casa  não é visível por não se encontrar na área topografada, aquelas "casas",  talvez já então em ruínas, poderão bem ser a antiga estalagem. Ficavam "encostadas" à estrada real e parecem demasiado grandes para serem apenas palheiros ou casas de arrumos de lavoura.
Uma vez, em conversa, Isaurinha Sousa Rosa contou-me que, há muitos anos na ocasião de um  pedido de licenciamento para obras na sua casa, os serviços da Câmara de Tomar lhe disseram que a sua era a casa mais antiga de Porto da Lage que já teria servido para "guardar pessoas e animais de passagem".
A ser assim  seria no local abaixo, e nos pateos e alpendres que ainda se podem observar, que se localizou a "nossa" estalagem?  É verdade que fica em frente da linha férrea e numa curva. Será? (MFM)

Seria aqui a estalagem?



Mas a doutrina divide-se! 

.....Sobre a estalagem ou albergue, posso acrescentar algo: essa casa ainda existe, fica em frente à estação de caminho-de-ferro. Pelas suas características, não tenho dúvida que ali funcionou a estalagem ou albergue: uma parte da casa, de construção muito antiga e de cércea muito baixa, apresenta-se-nos com uma arquitectura interna típica de serviços; o rés-do-chão é todo amplo, as duas portas de entrada são de tamanhos e dimensões diferentes, existe uma outra sala mais pequena na zona de trás, um pátio calcetado, e ainda tem um poço e um muro de vedação. Se não ruiu, existe ainda um alpendre que seria para recolha de animais. (Ilidio Mota Teixeira)




Ou aqui?


14 de abril de 2013

Carruagens Perigosas e Casamentos em Perigo

Sarah Afonso, Casamento na Aldeia (1949), Lisboa, CAM


[acerca de] ... alguns episódios gaudiosos dos transportadores de viajantes entre Porto da Lage e Tomar, focando o nosso tio  Manuel Augusto que bem conheci durante dezenas de anos. Os animais que adquiria nas feiras de gado eram sempre dos mais baratos ou tinham defeito, como dar coices, muito bravios, ou, pior ainda, já velhos e pouco cuidados. Para vencerem o topo da ladeira de Cem Soldos, necessitavam do auxílio e os que tinham melhor aptidão para o exercer eram os passageiros que viajavam na boleia a preço reduzido.
Até ao final da década de 1940, a mesma carruagem que transportou os passageiros que se apeavam do comboio em Porto da Lage e queriam seguir para Tomar, transportava os noivos à Igreja de Cem Soldos para a cerimónia religiosa. Puxavam-na duas muares de terceira ou quarta escolha. Quando o carroceiro as chicoteava para trotarem, respondiam com coices.(Ilidio Mota Teixeira)

11 de abril de 2013


        Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas









Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'











Namoro no Portão





Desejo a vocês
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com os amigos
Viver sem inimigos
Filme na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Ouvir uma palavra amável
Ver a banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir não
Nem nunca, nem jamais
Nem adeus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de amor
Tomar banho de cachoeira
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas com alegria
Uma tarde amena
Calçar um chinelo velho
Tocar violão para alguém
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu
Carlos Drummond de Andrade









10 de abril de 2013

Gente de Porto da Lage II


Há uns tempos publiquei um post http://portodalage.blogspot.pt/2013/03/hermenegildo.html , uma historieta ficcionada baseada no ouvir dizer . Ilidio Mota Teixeira vem agora, com a autoridade que o testemunho pessoal lhe dá, repor a verdade dos factos.


As casas referidas localizavam-se onde agora se vê, à direita na fotografia, o armazém de grande portâo avermelhado (actual
oficina mecânica).


«....A causa do acidente do bom homem Hermenegildo, da família dos Narcisos à qual pertence a minha avó paterna, foi devido à grande carência visual de que sofria. Aconteceu ao fim da tarde e princípio da noite dum Domingo do mês de Novembro ou Dezembro do ano de 1941. Tinha ido visitar a irmã Luciana que morava a curta distância da ponte. No fim da visita, a irmã acompanhou-o com uma luz até ao portão da casa. O bom homem Hermenegildo encaminhou-se para a ponte para a atravessar e seguir para sua casa que outrora fora o Paço da Comenda da Beselga. O princípio da noite era escuro e mais escuro era para quem tinha pouca visão. Falhou a entrada da ponte, tropeçou no pequeno muro que encostava à ponte, mergulhou no espaço e terá caído de cabeça sobre as lajes que cobrem o leito da ribeira, que nesse mês e ano ainda não corria. A irmã Luciana que se apercebeu do acidente, deu o alarme. Levaram-no para casa dela onde faleceu nessa noite.
A casa onde nascera, bem como as duas irmãs e um irmão, ainda estava de pé nesse mesmo terreno da casa da irmã Luciana e do irmão, há muito falecido. Foi uma das primeiras casas construídas no sítio de Porto da Lage. Era a casa da tia Margarida, que faleceu com 101 ou 102 anos. Dizia que havia trabalhado nas obras para a construção da linha de caminho-de-ferro, que viria a ser a linha do norte....»(Ilidio Mota Teixeira)

8 de abril de 2013

Gente de Porto da Lage I


Casal Risota



....outro [acidente] aconteceu no ribeiro da Longra, a curta distância da foz, no local onde está uma ponte em lajes que dá acesso à várzea. A assinalar a morte das duas pessoas, um casal, existiu uma cruz de ferro que servia para testar a pontaria da rapaziada da escola que lhe ficava em frente....



"A ponte em lages que dá acesso à Várzea", em frente ao local onde se situava a antiga escola e se encontra agora a
urbanização mostrada na fotografia em baixo.



... Ouvi contar como aconteceu: noite de Inverno muita escura, o casal Risota e um filho, pessoas muito modestas, regressavam a casa, ao Paço da Comenda, depois de um dia de mercado em Tomar. Conduziam uma pequena carroça atrelada a uma muar. Percorrida a estrada dos Olivais, não tinham outra alternativa, vislumbraram na escuridão da noite a zona da estrada que os levaria a casa, totalmente submersa pela água da ribeira e do ribeiro que transbordara dos leitos e inundara a várzea e uma parte do olival. Inconscientemente, avançaram. Quando se aperceberam que a altura da água aumentava em relação à estrada, quiseram retroceder. Não tinham qualquer referência da localização da estrada. Na manobra de inversão, a pequena carroça caiu no ribeiro, ficou presa entre os muros que o canalizam com o animal atrelado. O casal Risota, marido e mulher, foram arrastados pelas águas caudalosas. O filho(1), rapaz ainda jovem e ágil, saltou para cima do muro do ribeiro e foi pedir socorro. Vieram gentes com lanternas e correram as proximidades. No dia seguinte, os dois corpos do casal foram encontrados, retidos por umas silvas, para além do local do acidente. (Ilídio Mota Teixeira*)

Teria sido por aqui que se deu a tragédia
 (1) De acordo com testemunho de Dulcinda Mota Teixeira este acidente teria ocorrido em 1928, pois este rapaz teria 14 anos aquando deste acontecimento, sendo que, ainda segundo Dulcinda, que consultou a campa no Cemitério de Cem Soldos, aquele teria nascido em 1914.


*Nasci no sítio de Porto da Lage a 8 de Novembro de 1930. Registaram-me na conservatória de Tomar com o nome de Ilídio Mota Teixeira. Minha mãe, Ana Mota Rosa, filha de Soledade de Sousa Rosa, natural da freguesia de Assentiz, era neta e afilhada por baptismo dos nossos avós [Ana e Manuel de Sousa Rosa], assim se apresenta este portalegense que me dá a honta de colaborar no blog. Aguardem por mais contributos.

6 de abril de 2013

Em Cima da Mesa




A" narrativa" do "em cima da mesa" "faz sentido" ou "é incontornável" e "expectável"?

Não sei, sinceramente, o que é pior:
 1. "o cenário dramático em que estamos envolvidos", com "as mudanças de protagonistas que se   avizinham";
 2. o discurso mediático "em presença" sincopado e de uma pobreza vocabular miserável que já me obrigou a ouvir "pôr em cima da mesa" em uma hora, mais do que aguenta um empregado de restaurante em 40 anos de trabalho;
3. esta minha desgraçada garganta que não me deixa fugir daqui (essa de desligar a televisão é só simples de dizer, adiante ...).
 
Esta minha profunda, visceral mesmo, fúria contra o lugar comum faz-me levantar os olhos ao céu e rogar a todos os deuses, de todos os tempos, e aos seus ministros e heróis,e a todas as forças, mesmo do menos bem, do mal não digo,  que, sem ironia, ponham em cima das suas mesas a possibilidade de tornar pecado, mortar sim, mortal, a gente ser agredida com a terminologia jornalistico-snob-urbana que para além de reduzir a língua portuguesa à mais ínfima espécie, torna os jovens pobres imbecis que, coitados, pouco mais que grunhem, incapazes de perceber as gerações mais velhas.
Cá vão algumas das ditas, para que possam lá pôr em cima o que entenderem de útil para o fim em vista:




Com a minha homenagem às respeitosas mesas, daquele lugar comum necessário e merecedor de consideração que é o dia de todos os dias, mesas burguesas de naperon, do campismo proletário das sardinhas de verão e dos sitios onde se produz
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4 de abril de 2013

Sinais





Sinal triste, mesmo trágico, foi esta casa sempre (e o sempre já vai longo) para mim. Passava por aqui e as paredes e ombreiras nuas enegrecidas pela passagem do fogo, sugeriam-me vidas subitamente acometidas pela adversidade, gente feliz a quem o azar brusco interrompera a esperança e quebrara o alento para recomeçar. Razões para estas minhas fantasias residiam, talvez, em ter ouvido que a casa era nova quando ardeu e em verificar a imponência da estrutura restante que, apesar de danificada, parecia facilmente reparável. Mais tarde, vi-a já de telhado arranjado e vidros postos, pouco mais ou menos como se apresenta na figura mas em novo. Porém, o ar desgraçado mantinha-se, como se um destino funesto se tivesse apoderado da essência do edifício e o obrigasse, através das imensas janelas ogivais, a transmitir uma imperecível melancolia. E lá está ela, vê-se, eterna testemunha de que, às vezes, as obras dos homens, mais do que eles pois são mais duradoiras, perpetuam as marcas de sofrimento de quem as fez nascer.(MFM)


Em memória de A.M. “a melhor pessoa do mundo e a quem mais desgraças aconteceram, mesmo depois de morto”, como muito bem o ouvi definir. Eterna recordação de um adulto adorável presente na minha infância.