Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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13 de janeiro de 2013

Vida de cão Tuga

Vida de cão I

A doidice colectiva que anda a varrer este país nos últimos dias (que só pode ser  explicada como uma manobra de evasão para fugir da realidade, os psicólogos dirão) em que, por motivos absolutamente trágicos que nem me atrevo a repeti-los, tal o horror que sinto, é protagonista um cão em processo de abate, não tem melhor descrição que a de Daniel de Oliveira.

Além de concordar inteiramente com ele (o que é quase inédito) acrescento mais: nasci, cresci, vivo e espero viver sempre com a companhia daqueles fiéis e queridos amigos, alguns dos quais vi partir para lhes quebrar o sofrimento, outros porque a sua vida era incompatível com a nossa (para prevenir situações como a da notícia), e não me considero menos sensível do que as vozes histéricas que conseguiram arrastar atrás de si milhares de generosos impulsivos que se comoveram com esta particular  vida de cão. Mas isto da sensibilidade é coisa discutível. O que não se discute é que eu tenho, e felizmente a maioria sensata também tem,  uma coisa que lhes falta: humanidade.
 
 
Vida de cão II
 
Outra maluqueira de massas, esta sim já a posso classificar de rídicula (se tenho que explicar porque é que a outra não é rídicula, meu caro leitor, decididamente não nos entendemos) é aquela de sacrificar uma pobre coitada só porque ela fala com os dentes cerrados e quer juntar dinheiro para comprar uma mala Chanel, o seu desejo de 2013!
As pensantes almas nacionais, as modernas, as que andam nas redes sociais, indignaram-se, acharam uma afronta! Queriam que ela, qual miss universo, pugnasse pela paz no mundo ou, mais  patrioticamente, pelo fim da troika?
Nada a fazer, isto está-nos no sangue, quem não vive "com o credo na boca" de acordo com a religião do momento, fogueira com ele!
A desgraçada lá se arrastou ao santo ofício, perdão, à TV, ajoelhou, fez a sua contrição, jurou e trejurou que sabia que havia pobrezinhos, que a família dela tinha baixado muito de nível de vida, que só ganhava 700€, que a chanel pronto, tá bem, era uma fantasia, enfim, perdoável, não concretizável, que tudo estava descontextualizado. Prometeu que ia ajudar toda a gente que lhe pedisse,  no mundo da moda (vou aproveitar e vou-lhe pedir/exigir  umas dicas, toma que tavas a pedi-las, já que pecaste, agora pagas) e finalmente (como se esperava, abjurou a sua fé, que a rapariga é fraca e a tortura horrível)  contextualizando, desejou para 2013 uma vida melhor para os portugueses, que os jovens arranjem emprego, etc, etc (a oração toda).
 
E agora, estão satisfeitos? Tudo hipocritamente consertadinho, à vontade do tuga? 
 

As idades do mar





Retirado de http://www.gulbenkian.pt/object160article_id3787langId1.h 
Sou uma planta de sequeiro, de longínquas planícies douradas que aspiram, sequiosas, por água, para frutificar e  crescer.
Por isso o mar, aquela mole imensa de água inútil, sempre me foi um corpo estranho. Quando o procurei conhecer, e tentei, tirando o prazer físico do mergulho nas suas ondas,  reconheço que não ficámos amigos.
Não me transmite tranquilidade nem acalma, não me faz rir nem sequer companhia e, quando conversamos, só me consegue angustiar.
E no entanto, sendo-me estranho, não me é indiferente pois provoca-me emoções, desagradáveis, mas emoções. Penso que não será indiferente a ninguém.
A exposição que está a acabar na Gulbenkian  mostra-nos, de um modo peculiar, como estes 7/10 do nosso globo terrestre agem sobre a humanidade, sob o olhar de pintores de várias correntes estéticas.
E, mais uma vez, perante a mestria da pintura, nalguns quadros e pintores mais do que noutros, naturalmente, senti a voracidade daquele espaço enigmático que oprime, sufoca e pode levar à vertigem os nossos pobres seres insignificantes. Mas não foi só isso que senti. E fiquei com esperança.
Talvez, um dia, eu consiga sentir, através dos meus próprios olhos, o que vi através dos de outros, a bonança libertadora das águas luminosas do mar.