Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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27 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 2

                                                                          O Padre Nicolau                   (continuação)


Eu era garota quando um dia indo eu e uma rapariga a atravessar uma propriedade de meus pais – Casal Negro – o Prior passou por nós na sua montada. Deu os bons dias e perguntou-me:
- Olha lá, de quem é esta fazenda?
Eu, um pouco tímida respondi – É dos meus pais.
Vim a saber mais tarde que ele pensava que eu respondia – É minha!
Lembro-me que quando os jovens resolviam contrair matrimónio iam ao domingo à missa e procuravam o prior para dar início ao processo. Uma ocasião, talvez há setenta anos, um rapaz que pretendia casar foi ter com o prior. Às primeiras perguntas do questionário o padre percebeu que o pretendente ao casamento não estava sóbrio. Disse-lhe:
- Olhe sr. João, para a semana venha cá outra vez mas não vá à taberna do Cartaxo, venha primeiro falar comigo.
Aqui nesta região quando as mães tinham os bebés em casa eram acompanhadas por uma mulher curiosa que ajudava ao parto. Essa mulher é que por norma levava a criança ao colo à Igreja para batizar. Ia o pai, o padrinho, a madrinha e mais quem queria ir. Durante o batismo era sempre a parteira que segurava a criança. Ora tinha acontecido que em determinado batizado essa mesma senhora parteira tinha posto na boca de um bebé um pedacinho de coscorão (massa frita). O bebé engasgou-se. O Prior sabia da estória e quando estava a decorrer o ritual do batismo doutra criança o neófito começou a chorar e não se calava. O prior então lembrou-se do outro e disse:
- …se lhe dessem um bocadinho de coscorão ….?
Outra vez ouvi eu o Prior a comentar o estado em que uma noiva levava as unhas para o altar: “…parecia que tinha andado a cavar com as mãos antes de ir para a Igreja”.
Quando eu e o meu marido namorávamos, durante a colheita da azeitona o Manuel tirou uns dias de férias (na tropa) e veio à Fonte da Longra passar uns dias. Dirigiu-se ao olival onde o pai andava a ajudar a colheita. O Manuel teve o cuidado de por umas luvas para trabalhar melhor. O meu sogro era muito amigo do Prior. Sabendo o Prior que o amigo andava perto da povoação e vindo ele da capela de celebrar missa encaminhou-se para ir ao encontro do amigo. O Manuel quando percebeu que o prior ia ao encontro deles tirou logo as luvas. Mas mesmo assim o Prior viu as luvas a serem retiradas das mãos.
Passados dois ou três dias o prior passou por Porto da Lage e ao cruzar-se com uma prima minha que ia de luvas informou-a de que tinha passado a um olival e andava um homem a apanhar azeitona de luvas. Claro que nomeou quem era o homem. A minha prima assim que pode veio contar-me a estória das luvas.
O padre Nicolau não gostava de casamentos por procuração nem de casamentos com noivos demasiado jovens. Quando lhe aparecia um casamento por procuração em que a rapariga nem sequer conhecia o futuro marido punha todas as dificuldades.
Na época de 40 a 45 as saias das mulheres e raparigas usavam-se por cima do joelho, o prior não suportava tal moda. Na paróquia havia um pequeno ramo da Juventude Agrária Católica Feminina (JACF), quando o grupo se reunia para a celebração da eucaristia ou outras atividades, todas vestiam a saia azul escura e a blusa azul clara. Houve um ano em que a JACF quis festejar o dia do padroeiro S. Sebastião, o prior concordou que faria a festa mas com a condição que quem usava a saia curta teria que descer a bainha. Não sei se desceram, eu nessa época teria nove ou dez anos.(Dulcinda Mota Teixeira)                              

                                                                                       (continua)