Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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29 de agosto de 2013

Recordar é Matar Saudades 4

                                                Comunhão do ano de 1944

Vou recordar o ano de 1944. As crianças dessa data eram: Marília Reis, Maria do Rosário Vasconcelos, Maria de Lurdes Nunes, Maria do Rosário Batista, Maria Helena Leonardo, Maria Filomena Narciso, Dulcinda Teixeira, penso que a Silvina e a Celeste Sousa também iam no grupo.
Rapazes: Henrique João, Henrique António, Mário Reis.
Ora este ranchinho ia todos os dias à tarde para Cem Soldos, quase 3 km, para a doutrina com o Prior.
Nesse ano havia um menino de Cem Soldos com sete anos, de nome António Mourão Corte Real que ia fazer a primeira comunhão.
A mãe do menino quis fazer a festa toda à sua custa. Ao aproximar-se o dia grande havia ensaios com a criançada. A senhora, mãe do menino, mandou vir não sei de onde alguns fatos de anjo para dar mais solenidade à festa.
Dois ou três dias antes havia montes e braçadas de verduras de mato para engalanar as portas e arcos da velha igreja de S. Sebastião (finais do sec. XVI) e atapetar as ruas da aldeia para passar a procissão (faz lembrar o João Villaret).
 Eram homens e rapazes com escadas para colocar as grinaldas verdes e as colchas adamascadas das famílias ricas de Cem Soldos. A igreja ficou muito bonita.
No dia da festa os pais do menino Corte Real serviram o pequeno-almoço depois da comunhão a todas as crianças presentes. Mais tarde, não sei a que horas, serviram o almoço: sopa e carne não sei de quê, muitos meninos e meninas comeram que se regalaram mas outros (eu) não apreciaram muito o banquete.

 retirado daqui
À tarde formou-se a procissão, os anjinhos de asas brancas, as raparigas da JACF, os seminaristas do seminário de Tomar, os homens da Confraria de capas vermelhas, o Prior e mais um ou dois padres, debaixo do pálio.
Foguetes e mais foguetes, uma menina a chorar por causa dos foguetes, etc.
Ora aconteceu que com os fatos de anjo de asas brancas veio um fato de S. João Batista destinado a um rapazinho filho de uma professora da terra.
O nosso Augustito Carmona da Mota nessa data teria 5 anos e a avó Conceição Carmona mandou, para o seu neto vestir, um fato de anjo de asas brancas. Quando as senhoras de Cem Soldos começaram a vestir os anjinhos, o filho da professora negou-se a vestir o fato de S. João Batista. As senhoras, então, resolveram, sem pedir opinião à mãe, vestir o Motinha de São João. O fato de anjo que era para o neto da D. Conceição Carmona vestiram-no a outra criança.


A D. Maria José Carmona da Mota quando viu o filho vestido de São João não fez escândalo porque era uma senhora. Chorou, protestou, desabafou com o marido: “ o meu filho ia vestido de palhaço”.
A festa acabou ao fim da tarde, julgo que era dia de Corpo de Deus. Nunca mais esqueci os pormenores deste dia.
Hoje ainda lá está a igreja com algumas alterações no altar, assim como em todas as igrejas depois do Concilio Vaticano II. O menino Corte Real faleceu novo, assim como os pais. A herdeira do menino vendeu a moradia cinzenta, no adro. Dos que em 1944 assistiram à festa já quase todos partiram e das crianças do grupo de Porto da Lage já partiram 2 raparigas e o resto estão com 75, 76, 77 e 80 anos.
Recordar é matar saudades.
9-07-2013 (Dulcinda Mota Teixeira)