Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
Todos os textos aqui publicados podem ser utilizados desde que se mencione a sua origem.

11 de março de 2014

Privilégios de Desembargador



Painel do Salão Nobre do Museu dos Biscainhos, Braga.


« Em 3 de Agosto de 1795, a Rainha D. Maria I, fez saber por Carta de Privilégio de Desembargador, que Raimundo José de Sousa Henriques, Desembargador Aposentado no lugar ordinário da Relação e Casa do Porto, lhe representou que, com o dito lugar, lhe competiam os Privilégios de Desembargador, e por os haver de gozar, lhe pedia mandar passar Carta deles.
E visto o seu requerimento e documento junto, e por lhe fazer mercê, lhe mandei passar a presente Carta de Privilégios, conforme a Ordenação, cujo teor é o seguinte:
«O Regedor da Casa da Suplicação o Governador da Casa do Porto, o Escrivão da Puridade e a pessoa que servir de Presidente do Desembargo do Paço, o Chanceler-Mor do Desembargo do Paço, os Vedores da Nossa Fazenda e Desembargadores das ditas Casas, e a pessoa que connosco despacha as petições do Estado, Presidente e Deputados da Mesa da Consciência e Ordens, Escrivão da Chancelaria das Cortes que se intitula Vedor delas, Escrivão da Fazenda, não paguem em serviços pedidos, empréstimos fintas, talhas, nem outros quaisquer encargos que paguem os moradores dos lugares onde seus bens e fazendas estiverem, assim para Nós, como para as necessidades de Guerra, de servir nos Concelhos onde são moradores, não sendo ofícios de juiz, Vereadores, Procurador do Concelho, Almotacés, Depositário do Cofre dos Órfãos porque, nestes ofícios não haveria Privilégio algum».
«Que todos estes Privilégios, e especialmente pelos Decretos de 1681 e 24 de Abril de 1741 e outros quaisquer que por mim se acharem declarados os cumpram e guardem e os façam inteiramente cumprir e guardar ao dito Raimundo José de Sousa Henriques, aos seus criados, mordomos, amos e apaniguados e lavradores, como é declarado neste Privilégio, sem lhe ser posta dúvida ou embargo algum, porque assim o hei por bem e firmeza de tudo, e mandei dar esta Carta, passada pela Minha Chancelaria, com o selo pendente dela. Dada na Cidade de Lisboa, aos 7 dias do Mês de Setembro. A Rainha, Nossa Senhora, o mandou pelo Dr. José Alberto Leitão, do Conselho de Sua Magestade António Joaquim Serrão o fez no Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1795».

Registada nos Arquivos da Câmara Municipal de Tomar a 9 de Junho de 1797. Livro dos Registos Camarários de 1784 a 1802


Execução de Robespierre - Estampa de autor desconhecido, existente na Biblioteca Nacional de França.


Enquanto em Portugal decorria a vida pachorrenta e galante de painel de azulejo, em França acabava o Terror e a cabeça do chefe ia juntar-se às milhares que a guilhotina já tinha separado dos respectivos corpos.
Enquanto o Desembargador aposentado da Relação do Porto Raimundo José de Sousa, morador na sua quinta de Porto da Lage, pede à rainha Privilégio de Desembargador, a fim de ficar isento de impostos, juros e outros encargos, ele e todos os seus apaniguados, em França decorria uma revolução já lá iam seis anos. Tinham sido instituídos direitos sociais igualitários, direito de voto, organizados sindicatos e confiscadas terras à nobreza e ao clero, ideais jacobinos que tinham sido impostos em ambiente de violência e perseguição, pelo que este período foi sugestivamente denominado de O Terror. Porém, à data da concessão do Privilégio já governa O Directório, que pretende uma República moderada que acabe com as instituições do Antigo Regime mas limite a participação política. Mas não irá durar muito, instabilidade interna e ameaças externas levarão ao 18 do Brumário (9.11.1799). Napoleão aproxima-se.
 Indiferente a estas mudanças, a vida em Portugal e em Porto da Lage  continua a correr em azul, como os azulejos. Só a rainha se apercebe que o mundo está mesmo a transformar-se, e com ele o seu doce Reino, e endoidece.(MFM)