Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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23 de fevereiro de 2015

Viagem de Recreio



Alfredo Keil (1850-1907)- Estrada com vista de Thomar


Em 11 de Abril de 1897 a Companhia Real dos Caminhos de Ferro organizou uma excursão, como já então se dizia, de Lisboa a Tomar, a preços reduzidos, a fim de os lisboetas virem admirar as "belezas naturais e os monumentos históricos" da "nossa formosa cidade". É claro que a viagem de comboio se realizou até à Estação de Payalvo (a de Tomar só passou a funcionar em 1928) e daqui, os excursionistas alfacinhas terão seguido, por estrada, em carruagens ou nos famosos chars-a-bancs. Esta última parte do percurso é que, pelas descrições da época, deixava muito a desejar. Quem sabe se, fazendo eco das impressões colhidas por aqueles viajantes, no dia 23 de Maio seguinte, uma notícia no jornal A Verdade lastima,  numa tão pungente e gongórica prosa, o estado da estrada,  que não resisto a transcrevê-la "aquela estrada de Payalvo é tudo quanto há de mais estúpido e aborrecido no mundo. No Verão nuvens de pó compactas invadem-nos os pulmões, os olhos, as narinas, e polvilham-nos o fato e os cabelos de forma a parecer que vimos de alguma folgança de entrudo quando chegamos a este oásis que se chama Tomar. No Inverno torna-se aquela via intransitável, formada por uma série ininterrupta de covas, covinhas, covões, alguns de vastidão de valas comuns onde caberiam à vontade as ossadas dos inventores daquele leito de martírio, onde os ossos se desconjuntam e as lesões se desenvolvem mercê do susto continuado em que vem sempre o mísero passageiro que o destino atira para dentro de uma diligência durante uma longa hora de jornada..."
E Alfredo Keil que, com certeza, também chegou a Tomar via estação de Paialvo, que terá ele achado da estrada? O pintor, fotógrafo, poeta, coleccionador de arte e compositor (autor de A Portuguesa - o nosso Hino Nacional) ter-se-à inspirado na outra (a da vala comum) para pintar esta, bucólica, plana, solitária? (MFM)



Jornal A Verdade 4.04.1897
Jornal A Verdade 21.05.1891


Jornal A Verdade, 20.12.1891
Jornal A Verdade 21.08.1898

Notícias  retiradas daqui. (vale a pena visitar este site)

21 de fevereiro de 2015

Actos vergonhosos e indecentes, falta de polícia e administrador sincero.


Já aqui tínhamos falado nos desacatos entre cocheiros  dos veículos que, nos primórdios da estação de Paialvo, transportavam pessoas e mercadorias a partir desta. As duas empresas de transportes, pertencentes a Francisco Pereira da Silva Sardo e António Pereira Campeão Sobrinho, disputavam os clientes entre si, parece que nem sempre da forma mais pacífica, para além de os acomodarem dentro dos chars -a - bancs  pouco meigamente. Que o diga a criada do sr. Januário da Silva, espoliada da bagagem da família e em vias de ser enfiada num carro contra sua vontade; episódio que exaltou, muito justamente, o seu patrão, o qual só não chegou a vias de facto com o importuno do condutor, graças à intervenção heróica do sr. Joaquim da Cortiça. Pessoa que a posteridade  esqueceu, muito injustamente, acho eu, pois, ao que se viu, conseguia  pôr ordem naqueles despautérios ao contrário da polícia que, coitada, se devia ver sem rumo, com aquela chefia!? Figura genuína e intemporal, este administrador, pagavam-lhe para ser administrador, não para  se ralar! Será que o governador civil partilhava a mesma doutrina? (MFM)


Jornal Emancipação 23.03.1879


Jornal Emancipação 5.04.1879

Jornal Emancipação 1.06.1879



               Imagens enviada  por lm, retiradas daqui.

20 de fevereiro de 2015

Quando as vacinas eram abençoadas

Acho que vem a  propósito da actual polémica internacional sobre vacinação das crianças, que, por cá, parece não gerar ainda grandes transtornos, ver como se passavam as coisas em épocas em que não era certa, muito pelo contrário, a sobrevivência infantil. 
Nos anos vinte, e nas décadas seguintes do século passado tinha-se esperança num futuro melhor e mais saudável, que passava pela total confiança no avanço da ciência e pelas curas das doenças que as descobertas "dos sábios" proporcionariam. A vacinação era, então, um imperativo que urgia divulgar. Tudo era a favor, a morte estava presente, não havia tempo a divagações!
Neste blog, encontrei as imagens que aqui deixo e os eloquentes versos:
"A mãe sorri libertada duma grande inquietação" 
Mudam-se os tempos ....



17 de fevereiro de 2015

Viagem ao passado

Viagem ao passado -Tomar em 1879       
É tarde mas ainda há tempo, toca a arranjar um par! Não é preciso levar os fatos, eles alugam lá, e nem é caro.  
 







Traz esporas não é cavaleiro


Azulejos de Maria Keil, 1955- Luta de Galos , Colecção Particular



À meia noite
se ergue o francês                      
levanta-se de noite
mais de uma vez
sabe da hora
não sabe do mês
traz esporas ´
não é cavaleiro
toca alvorada
não é corneteiro
tem uma serra
não é carpinteiro
tem picão não é pedreiro
tem uma foice
não é ceifeiro
cava na terra
não acha dinheiro
passeia na praça
 não é estudante
canta na missa
sem ser sacristão
sabe da hora
mas da morte não.

(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)

15 de fevereiro de 2015

O Ciclone


O Ciclone de 15 de Fevereiro de 1941 foi o "terramoto de 1755" das gerações dos nossos pais. A maior catástrofe natural do sec.XX ficou na memória de todos os que a viveram. Contaram depois, aos filhos e netos, a aflição e o temor pela sobrevivência, os feridos e, nalguns casos, os mortos encontrados, e, sempre, a completa destruição, que o temporal deixou ficar. Observaram-se estragos a nível de habitações,  fábricas, florestas (mais de metade do pinhal de Leiria foi arrancado) e de embarcações afundadas nos portos (devido à súbita subida do nível do mar). Os danos materiais atingiram prejuízos avaliados em um milhão de contos ( metade do orçamento de estado da época), valor com correspondência actual a cerca de 5 mil milhões de euros. 
E, em Porto da Lage, como foi?



Imagem enviada  por lm, retirada daqui.

14 de fevereiro de 2015

Amanhã é domingo



Maria Keil, ilustração de livro infantil


Amanhã é domingo
pés ao caminho                         
galo assado
quartilho de vinho
lá vem o francês
que pica na rês
a rês é mansa
vai para França
se ela voltar
torna a picar
pica na burra
a burra é de barro
pica no barro
o jarro é fino
pica no sino
o sino é de oiro
pica no toiro
o toiro é bravo
pica no fidalgo
o fidalgo é valente
mete três homens
na cova de um dente                       
   (continuação das poesias populares co(a)ntadas pela da tia Alice)

12 de fevereiro de 2015

Ver o comboio passar por um óculo.


Ai estes Republicanos! Que mal é que tinha os cem praças de Infantaria "e a respectiva múzica"irem  ver el-rei passar no comboio, ao Entroncamento?!
Já é serem mauzinhos!  Porque é que a soldadesca não poderia ir distrair-se a  passear um bocadinho de comboio (ver coisas, sei lá, ir às compras, curtir o Entroncamento by night, dar um pésinho de dança) depois de andar 7 Km a pé pa'lá e antes de andar outros tantos pa' cá?! 


Jornal a Verdade de 13-12-1893-Imagem enviada por lm

Carruagem Real

9 de fevereiro de 2015

A Escola em Porto da Lage I

João Pereira da Motta


Mário Laranjeiro fez um comentário muito pertinente e justo, em A Escola em Porto da Lage.  Mas, ele que  me perdoe, de tudo o que disse o que mais me prendeu e traz agora aqui, é a referência a João Pereira da Mota. Quem ainda o recorda, lembra-o como um homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal. 
“Dizia que só se devia levar azeitonas pequenas e pão duro” para a merenda nas fazendas porque “as carnudas e pão mole eram apetitosos e obrigavam a comer mais”, contam-me também “vi-o uma vez, no lagar, atirar-se para debaixo de uma talha, maior do que ele, que se desequilibrou, em vez de fugir como os outros; em jeitos de ficar esmagado debaixo dela, parecia que preferia morrer a perder uns litros de azeite”. Para os netos, o seu amor ao trabalho, só suplantado pelo amor a Deus, ainda hoje faz recomendar aos amigos, enfastiados e de mal com a vida, “que endireitem pregos”, pois era o que o avô fazia quando não lhe era possível, devido a qualquer diluvio portalegense, sair para cuidar das terras e mesmo debaixo de telha também já não arranjava nada para fazer. Pegava então na velha lata, onde, preventivamente, guardara os pregos usados e aleijados que ia encontrando, munia-se do devido martelo e lá se punha, contrariado, a descansar, endireitando os pregos para estarem prontos a servir, de futuro.

Gostava de ler e escrever, escrevia diariamente na sua agenda e lia, aos domingos depois da missa, o “Cidade de Tomar” e os “Século” dos dias atrasados, que o irmão Henrique lhe mandava. Aprendera na escola da Madalena para onde se dirigira a pé, em menino, todos os dias durante quatro anos. Presava o saber como a coisa mais importante que alguém podia adquirir, lembrando que já o seu pai Augusto dizia que era preferível ter menos uma oliveira e dar letras aos filhos, e até as raparigas mandara à escola. Por isso, João Pereira da Mota quisera que a sua terra, Porto da Lage, tivesse uma escola. E arranjara de propósito um terreno para isso. Como não possuía terras em lugar adequado ao efeito, eram nos confins dos Olivais, ou nos Gaios e nas Sobreiras, e ele queria que fosse em Porto da Lage, conseguiu aquele terreno por troca com um familiar e ofereceu-o à Câmara para que nele fosse construída a escola. Como as homenagens não lhe importavam para nada, até o incomodariam, nem na época, nem depois, houve alguma vez menção oficial ao caso e, sem registos públicos, nunca mais ninguém se lembrou que Porto da Lage devia a escola aquele homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal. (MFM)


5 de fevereiro de 2015

Pelo Infinito Fora



                                     
Picasso, Cavalo e Personagens, 1936

                                   

                                        O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
                                         Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo.
                                     É comigo, com Deus, com o sentido -eu da palavra Infinito...


                                                              Pra frente meto esporas!
                                          Sinto esporas, sou o próprio cavalo em que monto.
                                    Porque eu, com minha vontade em me consubstanciar com Deus,
                                         posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa.

                                                                    (Álvaro de Campos)

Ao meu pai, que faria hoje 92 anos (MFM)

2 de fevereiro de 2015

Notícias de Porto da Lage


Lembram-se do extraordinário relato que Ilídio Mota Teixeira nos fez sobre a inauguração da fonte que, brilhantemente, ilustra este blog? Pois chegou-nos agora a respectiva notícia que saiu, na época, na imprensa local, a qual agradeço a lm que a enviou por mail. Repare-se na magnífica prosa, de autor desconhecido. Repare-se igualmente na alusão ao lançamento da primeira pedra "para a capela de N.ªS.ª da Assunção". Quem nos sabe dizer alguma coisa sobre isto? Ilídio, lembra-se? (MFM)









1 de fevereiro de 2015

O Regicídio





Em Portugal, se calhar mais do que noutros sítios, está bem estabelecido o anexim “dos fracos não reza a história”. E tomo aqui “por fracos” todos os que não têm poder, sobretudo o poder de estabelecer as regras, políticas, de pensamento, dos costumes, do que se veste, come e cozinha (agora na berra!),  enfim, para continuar a falar linguagem que se entenda, todos “os que não estão na mó de cima”, traduzindo em contemporaneidade, pois as mós já não se usam, os “que não estão na crista da onda” que é coisa mais surfisticamente entendível.
  Esta forma cobarde de ver as coisas (quem ignora e despreza “os fracos” senão os cobardes?) faz-nos, no que diz respeito à nossa História (que é ao que venho agora), ser ignorantes, injustos, intolerantes, o que, muito resumidamente, só nos define como muito pouco democráticos (estou a ser delicada).
Considero um crime, e não sou nada original nisto, matar-se alguém. Considero um crime bárbaro matar-se uma pessoa, já para não falar no jovem filho inocente, repito, uma pessoa boa, competente, patriota, mas, mais do que isso, que não tinha feito mal a ninguém, só porque era rei, e rei num país democrático e onde havia total liberdade, liberdade como não houve até 1974. Considero uma vergonha que, até hoje, este crime não tenha sido condenado pelos poderes instituídos, os quais, até nas cerimónias do centenário do acontecimento, fugiram de se fazer representar alegando “ser assunto político” do qual se queriam manter neutros!
Poderes que se apressam a solidarizar e a estar pomposamente presentes em tudo o que, pelo mundo fora, é visto como atentado à vida humana!
Talvez eu tenha estado distraída mas, até esta tarde, não vi nem ouvi nenhum dos chamados media de referência, aludir a que se passa hoje mais um aniversário do Regicídio.

Como outro dia  achei por bem mostrar aqui a minha indignação pela morte de doze pessoas por cujo trabalho eu não tinha qualquer apreço, mais justificadamente o faço pela morte de dois portugueses que tiveram uma morte cruel e injustificada e continuam, retroactivamente, a ser vítimas de processos injustos e a não serem merecidamente respeitados.(MFM)

Nota: Eu não sou monárquica, muito francamente nem sequer percebo como se pode ser tal coisa, mas o que é que isso tem a ver com o que escrevi atrás?