Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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19 de março de 2015

Dia do Pai


"Dia 19 de Março comemora-se em Portugal o Dia do PaiCelebra-se no dia de São José, marido de Nossa Senhora, mãe de Jesus."


Augusto Pereira da Motta, 16.08.1858 - 27.01.1915

Augusto Pereira da Motta, que foi buscar o nome ao padrinho Augusto Rodrigues, de Paialvo, nasceu no Paço da Comenda, filho de António Pereira da Motta, também do Paço e de Joaquina de Jesus Ferreira, da Beselga, freguesia de Assentis, Aos 25 anos, solteiro proprietário, reza o assento, casa-se com Maria José, quase a completar 19 anos, empregada na lida de sua casa, moradora na Quinta da Belida. Como se terão conhecido, o que os terá levado ao casamento? Ele ter-se-à encantado com os olhos claros dela, ele já usaria aquele chapéu e ela achou-lhe graça?

Já estou a ver o filme todo: [era Março, o primeiro domingo de bom tempo, a Primavera de 1883 anunciava-se, cheirava a alfazema e à terra lavrada que começava a ser preparada para a batata e o milho (espero que o Borda d'Água esteja certo) e Augusto flanava de fato domingueiro, com os amigos, fazendo tempo cá em baixo, à espera para subir a ladeira e assistir à missa. De súbito reparou numa das raparigas do grupo que se aproximava, vindo das Sobreiras. Já a conhecia, como ela saberia quem ele era, todos se conheciam na terra, mas há um dia, o dia e hora exactos, em que se repara. E a subida da ladeira e a missa já foram diferentes, a primeira mais acelerada do que o costume, a segunda com a atenção mais focada do que nos ofícios anteriores. Desta vez, já tinha a vista fixa num objecto, não andava à cata desta ou daquela. Mas tivera pouca sorte à saída da capela, perdera-a de vista na confusão da saída e só a tornara a vislumbrar já ela ia longe, confundida entre outras. O mais certo, agora, era só voltar a vê-la no domingo seguinte.Que ela morava na quinta, não cirandava por ali, não ia à fonte nem à venda. Mas já magicava um plano. Na 4.ª feira, à vinda da estação na carroça com mercadoria que lá ia levantar, havia de  passar pela quinta, até lá cogitaria um pretexto para o fazer. Chegado o dia, afinal, nem tinha sido preciso apresentar a desculpa preparada, ela estava sozinha no tanque, perto só uma serva semeava na horta.Nem pais nem irmãos à vista.A conversa fora sobre coisa nenhuma mas, quanto a ele, chegara para se fazer entender. O que ele não pode saber é que não partira a tempo de a sua carroça não ser vista, ao longe, pelo pai dela que regressava do extremo da quinta. Perguntada, Maria José respondera quem fora o visitante, sim, mas acrescentara que não dissera ao que viera.  O pai não insistira mas ficara a pensar no caso. Ou muito se enganava ou o que o figurão queria estava ali à sua frente, a ver se o aviava com respostas rápidas. Impunha-se estar atento e, para já, não espantar a caça. Que ela era boa menina e nunca lhe dera preocupações, mas sabia-se lá os estragos que a lábia do outro não fizera já na cabeça dela? Que, conversa, tinha ele, e não só para as mulheres, enrolava qualquer desprevenido que se fiasse nele, não era em vão que lhe chamavam o cigano. Mas que empregasse o palavrório nos negócios, se lhe fazia bom proveito, e lhe largasse a porta de casa. Para que raio lhe havia de dar, vir-lhe desencaminhar a rapariga! E, enfurecido com o rumo que os pensamentos estavam a levar tratou de despachar a filha e de se encontrar sozinho com a companheira, a fim de desabafar, porque não é bom manter um homem ideias negras muito tempo a trabalhar dentro da memória. Mas a mulher deu pouca importância à coisa, que eram fantasias dele, que deixasse estar a rapariga que ainda nem se apercebera que havia homens no mundo, que ela, mãe, não dera por nada, e se não dera era porque não havia. E, se fosse, o que é que tinha? Queria ele a filha para freira? não queria! Se não fosse este era outro, e o rapaz nem era dos piores. Vinha de boa gente, tinha de seu, o que é que ele queria mais? Era aldrabão? Que ela soubesse não roubava nada a ninguém, tinha talento para falar, pois então! Burro era quem se deixava levar, ora essa, que se acautelassem, ele não obrigava ninguém! Manuel estava perplexo com o pragmatismo da mulher! Então já um homem não deve avaliar o génio do genro que quer para a filha? Que tinha de seu?! Tinha o que a família da mãe lhe deixara que, esses sim, eram gente trabalhadora e honrada. Que o pai enquanto não gastara tudo o que era dele não descansara, o filho tinha a quem sair, que conhecera o António Mota, que Deus já lá tinha, sempre folgado e com a mania que era fidalgo. - Gente muito pouco amiga de vergar as costas, convence-te disso, mulher. Vê lá se é isso que queres para a tua filha. Vê lá se depois dos sacrifícios de toda a vida que tu e eu fizemos, queres que uma parte vá parar à mão de malandros. Pensa bem, porque enquanto eu viver e se fizer nesta casa o que eu mandar, gente daquela laia não põe cá os pés! A mulher achou por bem mudar de estratégia, conhecia até onde podia contrariar o marido. Quando ele tocava no sagrado trabalho e nos sacrifícios, era escusado. Homem da terra, para ele o único trabalho honrado era o da lavoura. Desconfiava de quem não trouxesse enxada ou foice na mão. Deus lhe perdoasse, que é até com os padres embirrava para já não falar dos doutorzecos, como ele dizia, filhos de lavradores como ele, que, depois de gastarem anos em Coimbra, continuavam preguiçosamente a viver da casa paterna sem lhes acrescentar nada, antes a delapidá-la. Acalmou portanto o marido, convencendo-o que aquela era uma conversa no ar, sem fundamentos. Estavam para ali a divagar e a zangarem-se, sem razão nenhuma.
Mas havia razão, como Manuel Sousa Rosa intuíra, Augusto não desistiu e o namoro pegou. Perante as dificuldades levantadas, que a mãe dela, quando se convenceu que as desconfianças do marido tinham fundamento, cerrou de tal modo fileiras que ele nem vê-la quanto mais falar-lhe, Augusto não hesitou e resolveu ir entender-se com o futuro sogro. Foi encontra-lo à beira do ribeiro, a cortar canas para estacar o feijão e veio de lá, liminarmente, corrido. Interrompera-o ainda nem a meio chegara do seu discurso preparadissimo. Sim senhor, acreditava que as intenções dele eram boas, melhor fora que não. A enxada que ele estava a ver, ali, nas mãos dele, já o teriam rachado se suspeitasse outra coisa, mas a filha não estava para casar, era muito nova. E, quando chegasse a ocasião, ele, seu pai, lhe arranjaria marido conveniente. O que era marido conveniente, pois ele atrevia-se a contestá -lo? Mostrava bem o desavergonhado que era. Pois ia dizer-lhe quem não era nem seria nunca conveniente! – Estava mesmo agora a pô-lo daqui para fora, saia já da minha frente!
E Augusto saíra, mais zangado do que triste. Tinha a certeza de conseguir a Maria, era uma questão de tempo. Não costumava ter dúvidas, quando se lhe metia uma coisa na cabeça. Começavam era a aborrecê-lo os trabalhos para o conseguir. E, embora tivesse previsto que a conversa com o pai dela não viesse a ser suave, porque estas matérias nunca eram fáceis e porque no seu caso, não percebia porquê, o sogro não gostava dele, nunca imaginara que as coisas correriam assim. Diabos levassem o velho, com que raiva o espantara dali para fora! Mas à medida que se ia afastando do local onde se dera o encontro, ia-lhe passando a zanga e começava a achar graça à exaltação do homem. Como se agigantara aquela estatura baixa, embora entroncada, e como os olhos esverdeados tinham faiscado quando lhe perguntara qual seria o marido conveniente para a filha? Até lhe dava vontade de rir. Bom, já lhe estava a voltar a boa disposição. Não conseguia ficar irritado muito tempo. Ia dali para casa falar com a mãe, ela havia de se lembrar de algum parente lá de Assentis que se desse bem com a família da sua Maria e que interferisse a seu favor. Tudo havia de correr bem. Mais logo trataria de lhe mandar recado para se encontrarem, já há dois dias que a não via, estava a ficar com saudades do sorriso dela...]
 ...Bom, por mim o filme acabou, não vejo mais, adivinho que se segue a pepineira habitual, contrariedades, choradeiras, ameaças, o costume, até ao apogeu final. Os noivos levaram a sua avante, os factos comprovam-no. A 10 de Outubro do mesmo ano casaram-se na Igreja de Santa Maria Madalena. Foram testemunhas José Lopes Larangeira, "feitor do senhor marquês de Thomar" e um tal Dom Jorge Arcos, negociante, natural do México, representado por João de Sousa Rosa, tio da nubente e "outras muitas pessoas que presentes estavam". A cerimónia deve ter sido "importante", como se dizia então, ou porque o pai da noiva não quis ficar mal visto e se encheu de brios ou porque Augusto Mota, afinal, não estaria assim tão mal de finanças.
Os filhos sucederam-se, o primeiro, Manuel, que ainda nasceu no Paço, local em que os pais ficaram a morar, Ana, que nasceu na Quinta da Belida, em casa dos avós, seguindo-se os outros já em Porto da Lage, onde Augusto construiu uma casa para a família viver, pois a mulher não teria aguentado continuar a habitar na casa do Paço devido ao cheiro do negócio de curtumes a que o marido se dedicava: Soledade (cujos netos estão, a maioria, na diáspora)que veio a casar com o primo António Sousa Rosa, João, Maria, Maria da Conceição, António, Henrique e mais dois, falecidos ainda crianças.
Todos os filhos ficaram a viver em Porto da Lage, alguns casando com primos direitos maternos, contribuindo não só para o povoamento da terra mas também para o seu desenvolvimento económico e social. A agricultura, o comércio, a industria, conheceram um grande incremento em Porto da Lage graças aos filhos de Augusto Pereira da Motta. Será, por isso, justo e oportuno lembrá-lo neste "dia do pai" (MFM)


Imagem cedida por H.C.M

P.S-Augusto Pereira da Motta tinha três irmãos que continuaram a viver no Paço: Ana (n.1857) casada com Agostinho Ferreira (pais de Maria, Henrique, Augusto, Manuel, Joaquim, António e Agostinho - os poetas), Henrique (n.1861) terá casado tarde e não terá tido filhos e Manuel (n.1864) casado com Ana Rosa (pais de Maria, João, Georgina e Augusto). Ao contrário de Porto da Lage, em que já não moram descendentes de Augusto, sei que no Paço ainda vivem descendentes dos seus irmãos. Para eles as saudações desta prima.(MFM)