Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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8 de setembro de 2015

Fruta da Época (de outras épocas) I


Juan de Espinoza (1629-1688)


                                                               ELEIÇÕES EM TOMAR

Por fins da década de 1860, segundo tradição oral, ao serem marcadas novas eleições, o Capitão-Mor do Pintado, cargo já extinto mas pelo qual ainda era designado J. Delgado da Silva (?), morador na dita povoação, dirigiu-se a casa de Plácido Esteves de Brito de Meio e Castro Gameiro - meu avô materno, senhor da quinta dos Ganados, onde habitava, e da Pesqueira e de casa e avultados bens em Alpedrinha (Fundão), mais tarde vendidos para comprar em Tomar as quintas da Granja e das Avessadas - ambos influentes políticos e caciques eleitorais na freguesia dos Casais a fim de com ele estudar o assunto.
Este termo cacique tem ultimamente sido bastante desprestigiado, sem motivo aparente, pois a sua necessidade é evidente e se os seus processos nem sempre são os mais ortodoxos, tem de se considerar a época, os usos e costumes, a cultura local, as pessoas.
Pretendia o Capitão-Mor fazer um pacto eleitoral com o seu antagonista político a fim de não levantar problemas a qualquer deles nem criar na freguesia dissídios ou reacender paixões.
A sua proposta era dividirem território e politicamente a freguesia em duas zonas, ficando os eleitores residentes na zona situada a nascente da estrada Tomar-Cabaças para Plácido de Brito, como era geralmente designado, e a zona poente para o Capitão-Mor.
Plácido de Brito, plácido de nome e de feitio, achando a proposta equitativa com ela concordou e o resultado daquelas eleições na freguesia logo aí ficou resolvido e arrumado.
O tempo passa, a data das eleições aproxima-se e Plácido de Brito, sossegado e confiante, não procura os eleitores, não lhes fala, não se mexe. Quando o faz logo numa das povoações, a Venda Nova que á época ficava toda na sua zona, mas junto à estrada divisória, os eleitores lhe dizem que têm muita pena mas já estão comprometidos com o Capitão-Mor.
Furioso com a traição regressa a casa e sua Mulher lembra-lhe que tem uma forma de resolver o assunto sem prejuízo de maior. Tirar ao Capitão-Mor, mesmo que já estejam comprometidos, os eleitores de uma das suas aldeias e que o Casal Novo, completamente cercado pela sua quinta da Pesqueira, era fácil. Bastava ameaçá-los com não os deixar levar água da sua fonte da Romeira, esplendida nascente da referida propriedade que nunca secara e que eles, praticamente, utilizavam durante todo o verão, e que passaria a acoimar-lhes os gados que entrassem na quinta, o que era quotidiano, pois os caminhos de que tinham de se servir atravessam a propriedade e não têm vedações laterais.
Munido com tão fortes argumentos vai falar com os homens do Casal Novo que têm de concordar em lhe dar os seus votos.
O Capitão-Mor não se deu, porém, por achado e nas vésperas das eleições manda-lhe um recado convidando-o para irem todos juntos para Tomar e que os esperava à Venda Nova. Plácido de Brito, convicto que semelhante convite era para fazer crer aos tomarenses que toda a freguesia votava com ele, responde-lhe que não esperasse, pois iria sozinho com os seus partidários.
E assim fez. Mas, já se sabe, Plácido de Brito tarde e a más horas partiu, com o seu bando, para Tomar. Nesta, já então linda cidade, termina a primeira chamada, decorre o intervalo prescrito pela lei e inicia-se a segunda chamada (Casais é das primeiras freguesias) e Plácido de Brito sem chegar. Os seus correligionários, que lhe conhecem o feitio, estão aflitos, receiam que não chegue a tempo e espreitam Corredoura abaixo para Além da Ponte; vai começar a chamada de Carregueiros quando um suspiro de alívio lhes sacode o peito, ei-Io que chega.
Subindo a Corredoura a cavalo, com o seu criado de confiança também a cavalo (ostentando na lapela da jaqueta o escudete da Casa, como ainda hoje se vê nos coletes dos campinos das grandes Casas agrícolas do Ribatejo) e seguido do "rebanho" dos eleitores, Plácido de Brito vai radiante, recebendo os cumprimentos e vendo a alegria estampada no rosto dos correligionários, com aquele íntimo prazer de se ver admirado e popular, como tanto apreciava.

(Vasco da Costa Salema, Coisas e Loisas de Tomar, Empresa Editora Cidade de Tomar, 1993)