Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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19 de abril de 2016

Uma questão de sapatos

A propósito de um programa de televisão que acabo de ver*, que pretendia, como sempre, concluir com a existência do racismo em Portugal, lembrei-me, como me lembro sempre mas parece que sou só eu, como é fácil justificar o pecado da menorização do próximo com o pormenor ridículo da pigmentação da pele. Espezinha, humilha, explora, no limite escraviza, quem tem poder para isso. Poder que as condições históricas do momento concedem e que, naturalmente vão variando com os tempos- a mó de cima vai alternando. Portugueses de meados de XX passavam fome e andavam descalços  em  Portugal, pelo que demandaram as franças onde eram porteiras e pedreiros e, por isso, eram vítimas de racismo por parte dos franceses,  enquanto outros portugueses exploravam  as colónias onde negros passavam fome e andavam descalços e, por isso, eram vítimas de racismo por parte dos portugueses. Outros portugueses, bem nascidos e bem pensantes, viajavam até Paris para arejar as cabeças oprimidas pelo obscurantismo da Pátria, envergonhando-se da bestialidade dos compatriotas que lavavam os vidros das montras e se empoleiravam nos andaimes dos "bâtiments", fugindo de falar português para não serem confundido e, por isso, tornavam vítimas de racismo duplamente outros portugueses (?). Hoje, os filhos daqueles também já rumam às franças por necessidade e os paisinhos deitam as mãos aos cabelos por os seus meninos, coitadinhos, serem obrigados a "ir para fora", enquanto hordas de angolanos escurinhos entram pelas lojas da Avenida da Liberdade e saem carregados de sacos a pernoitar no Ritz. A mó de cima é agora outra. Já não há portugueses rurais e de pé descalço, continua a haver africanos com fome e inúmeras doenças mas deixou de ser problema nosso, os subúrbios das grandes cidades  abarrotam de gente que trabalha nas mais desvairadas horas, se transporta de metro e deixa os filhos sozinhos o dia todo, o que faz com que o tuga bem comportado se recuse a enfiar "nos transportes públicos" por estes não terem "qualidade" e terem de chegar a horas aos empregos "superstressantes", pelo que precisam de comprar carro novo amiudamente,  e tenha que meter os filhos, quando os tem, no colégio tal, para não os misturar com os miúdos dos bairros sociais. Não, os portugueses não são racistas, seriam quanto muito castistas, de castas, se tivessem uma cultura que lhes permitisse permanecer numa casta algumas gerações ou para sempre como os hindus, mas não, os portugueses são "camadistas" vivem em camadas aspirando sempre a ascender à camada de cima. (MFM)

Eu sou a  que tem sapatos mas, lembro-me bem, muito contra a minha vontade.


* ontem dia 18/04