Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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7 de novembro de 2016

VI Arte de Bem Cavalgar em Toda a Sela




Tínhamos um garrano fêmea que servira para meu irmão se transportar, todos os dias, a Tomar, onde frequentava uma escola comercial. Quando esta utilização o tornou desnecessário, o animal passou a ser usado, unicamente, para puxar ao engenho que tirava água do poço para regar a horta ou encher um tanque grande onde a roupa era lavada semanalmente. Para qualquer outra utilidade, era impróprio, era esquivo.
Por esta data três irmãos haviam saído de casa, na direcção do Norte. Ficara a mais velha, eu e mais duas e a vida continuava até que foi necessário encher o tanque com água para a minha irmã lavar a roupa. É necessário ir ao estábulo que fica um pouco distante, trazer a égua com a coleira enfiada no pescoço e engatá-la ao engenho. Não havia ninguém nessa hora capaz de executar este serviço.     Fui eu fazê-lo. Fui ao local onde o estábulo se situava. O carroceiro que tratava os outros animais desprendeu a égua da manjedoura, enfiou-lhe a coleira no pescoço e, para a dominar, pôs-lhe a cabeçada com freio. Preparava-me para a levar pela mão quando ele, com o devido cuidado, pega em mim e coloca-me no dorso, entrega-me as rédeas, prepara melhor o freio e…aí vou eu com o animal a passo até ao engenho. Ordem cumprida e primeira lição, sem mestre, da arte de bem cavalgar…sem sela. Desse dia em diante não precisei mais de ajuda. Passei a cavalgar com albardão e estribos a galopar por matos e caminhos, a fazer recados de meus pais a Tomar, às feiras de gado em Santa Cita e no Entroncamento.


Também fui uma vez a Ferreira do Zêzere. Foi a maior distância que eu percorri em um só dia, no total de cerca de 50km ida e vinda. Iniciei a viagem de manhã cedo e cheguei horas depois. Para quê esta ida a Ferreira do Zêzere? O governo nesse ano publicou um edital a intimar os possuidores de animais cavalares e muares, que deviam apresentar-se com eles, marcando a data e período do dia, na vila de Ferreira do Zêzere. A meu pai era impossível ir. Não tinha meio de transporte para se deslocar; o animal era impróprio para ser atrelado a qualquer veículo. Solução: “amanhã, domingo, levas a égua a Ferreira do Zêzere, à inspecção. Está lá o tio Manel Augusto! Passas a Tomar! Depois de Tomar passas ao Pintado” estava a indicar-me o caminho, “depois do Pintado tens uma estrada à direita que diz: Ferreira do Zêzere. Segues por aí.”. 
Ordem dada sem mais qualquer recomendação. 






Nesse domingo de Outubro ou Novembro de 1941, levantei-me mais cedo que o habitual, vesti o fato domingueiro, casaco e calças compridas provenientes de algum fato de adulto já usado, aparelho a égua com o albardão e a cabeçada e aí vou eu a galope ou a passo acelerado a caminho de Ferreira do Zêzere, seguindo as simples indicações de meu pai. 
Terei chegado pela uma hora da tarde. Encontrei, no recinto da concentração, o carroceiro do meu tio com a carroça e as bestas que ele havia conduzido. Algum tempo depois aparece meu tio, que meu pai me recomendara, a ordenar o regresso a casa. Os nossos animais não foram mobilizados! No regresso, a caminhada foi vagarosa, a passo lento.


O meu convívio com este animal durante cerca de quatro anos fez nascer em mim uma atracção natural por esta espécie, e que ainda perdura. Acontecia algumas vezes, presenciar a passagem de grupos de cavalaria do exército em digressão pelos caminhos dos pinhais circunvizinhos da povoação. Para mim eram os melhores cavalos do mundo!... (IMT)