Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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15 de dezembro de 2017

Escolas de Primeiras Letras IV





E a República chega, cheia de vontade de acabar com o analfabetismo, o insuficiente número de escolas primárias e a deficiente preparação dos professores (tudo preocupações novas, como já vimos)! E assim, antes mesmo de publicar qualquer legislação sobre novas medidas (o novo Ministério da Instrução Pública, que desta vez veio para ficar, só é criado em 7 de Julho de 1913), o decreto de 8 de Outubro de 1910 trata de expulsar as Ordens religiosas do ensino e a doutrina católica das escolas do Estado, medidas que devem ter posto, de imediato, metade das criancinhas portuguesas a saber ler e papaguear A Egreja e a Questão Social  do Dr. Afonso Costa!
Bom, mas como o furor revolucionário não podia trazer só asneiras, também no mesmo decreto, se dá fim às praxes e privilégios da Universidade de Coimbra, passando, entre outras medidas, o uso de capa e batina a ser facultativo e os estudantes universitários a depender da justiça comum.






Mas a República traz, de facto, uma ideologia pedagógica e um sistema educativo inovador, impondo um ensino primário elementar gratuito e obrigatório de três anos, precedido de outro, complementar, de 2 anos (passando em 1919 os cinco anos a ser obrigatórios) e antecedido do ensino infantil para as crianças entre os quatro e os seis anos. Pena é que a implementação destas políticas fosse escassa, não abrangendo todo o país, ou fazendo-o, não obtivesse resultados muito satisfatórios.                 





Entre a República e o Estado Novo vigorou o que se designa Ditadura Nacional, já com a presença  de Salazar mas, assim chamado, por não haver legitimidade Constitucional. Formalidades. Foi nesta época, em 1928, criada a Escola Primária em Porto da Lage. A sua primeira professora foi uma senhora de Cem Soldos de nome Maria José Mourão. Era nora do primeiro lojista e taberneiro de Porto da Lage, Faustino dos Santos, casada com um filho deste, de quem enviuvou muito nova, continuando a viver com os sogros. Consta que era uma mulher muito do seu tempo, culta e cosmopolita, a única que lia jornais, fumava  e discutia de igual para igual com os homens. À noite, lá ia ela para o Grémio, depois do jantar, nos Invernos gelados dos anos trinta, de escalfeta na mão, ou esta seria transportada pela criada?, não me lembro bem da história que não importa para o caso, trocar impressões sobre o assunto do dia, com os senhores informados da terra. A sua atitude liberta (consta que recusou vários casamentos por considerar os candidatos uns labregos) não seria muito da simpatia das suas conterrâneas e, diz-se, foi devido a intrigas que acabou por ter que deixar, muito contrariada, o lugar em Porto da Lage, tendo ido leccionar para Carvalhos de Figueiredo, escola onde permaneceu muitos anos e acabou a sua vida profissional.


E o Estado Novo entra em acção. É durante este período, que, finalmente, se atinge a completa alfabetização das crianças portuguesas as quais, em 1960, já se encontravam praticamente todas escolarizadas, como podemos ver nos quadros abaixo.




Quadros retirados daqui 

Sobre essa época as pessoas da minha geração e mais velhas lembram-se de salas de aula como esta (que, no caso de Porto da Lage, ficava num edifício tipo   Plano dos_Centenários), que tinha na parede do quadro, em frente, uma cruz, a fotografia do "sr. Presidente do Conselho" sempre constante, e outra, que variou ao longo dos anos, a dos presidentes, a mim calhou-me a de Américo Thomaz, sentado, de grande fita traçada sobre o uniforme branco de almirante. Fundamentais, eram o quadro preto, que se alcançava através de um estrado, e os mapas: o do corpo humano, o de Portugal, com montanhas rios e seus afluentes, províncias e distritos, e o outro, o do "Portugal Insular e Ultramarino".

A mobília consistia na mesa da professora e nas carteiras, as minhas de dois lugares, nas quais encaixavam os tinteiros, que eu nunca vi pois já eram anacrónicos no meu tempo, então já se usavam as "canetas de tinta permanente", e essas mesmas, para mim, só no dia das "provas", pois as minhas professoras, todas modernaças, autorizavam as esferográficas no dia-a-dia.



























Aprendemos todos a ler por um livro icónico, o qual, juntamente com o da 3.ª classe, ainda  hoje se edita e vende, como pãesinhos quentes, tal a nostalgia que, parece, suscitam.







O ensino durante esse longo período, embora com uma matriz comum, terá variado ao longo dos anos e das zonas do então Portugal. Eu, por exemplo, só aprendi o Hino de Portugal, depois de ter aprendido outro ....Angola é nossa ..., e por isso esta é uma das poucas coisas da minha vida de que muito me orgulho, aprendi a escrever e ler português numa terra que o respeita e onde ainda hoje é adoptado tal qual como então! Também não me lembro de ter rezado nas aulas, mesmo em Porto da Lage. E, também aqui, tive uma professora, D.Branca Amendoeira, que não nos "deu" "O Estado da Índia" que constava do programa, porque "aquilo já não é nosso, para quê perder tempo", novidade que, contada à minha avó, feroz defensora do "Portugal do Minho a Timor", muito a escandalizou e a fez declarar "não esperar uma coisa dessas daquela senhora", o que me fez pensar no caso e passar a ver aquilo que seria apenas uma coisa a menos para aprender, como algo grave e transgressor, que nunca mais esqueci.
Outra coisa que revela o sentido prático desta senhora, além de nos deixar usar esferográfica, como já disse, foi não nos ensinar as "linhas de caminho de ferro", por "já não sair nos exames" o que me fez sentir, depois,  sempre um pouco inferiorizada face aos meus contemporâneos, pois impediu -me de fazer coro com eles, quando lamuriavam das coisas inúteis que o fascismo os obrigara a aprender, e eu, desse mal, não me poder queixar, na totalidade.

A escolaridade obrigatória era então ainda de quatro anos, só no ano seguinte passou a seis, fazíamos exame no final, os de Porto da Lage eram em Tomar, e, quem prosseguia os estudos, fazia exame de admissão ao liceu ou às escolas técnicas. Pessoas previdentes, os meus avós mandaram-me fazer os dois. Os documentos necessários para as respectivas candidaturas, que a minha avó teria de providenciar, estão descriminados abaixo, pela mão da própria D. Branca.









[Os jovens abaixo dos quarenta anos que leem isto, ou porque tropeçaram neste blog ou porque o fazem por obrigação  (atenção à herança!), fiquem sabendo o que era o papel selado (não descortinei a razão da meia-folha), que terminou em 1986. Quando acabou, sentiu-se tanto a sua falta que, ainda durante muito tempo, se mandava fazer tudo o que era requerimento ou carta oficial, no "papel azul de vinte e cinco linhas", seu parente pobre. Hábito entranhado, que ainda perdura em algumas das antigas colónias.]







A escolaridade obrigatória de seis anos que entrou em vigor em 1967 só foi alargada para nove anos em plena Democracia, em 1992.Actualmente, desde 2015, a "escolaridade obrigatória cessa" quando o aluno perfaz 18 anos ou completa o 12.º ano. 
Mais de duzentos anos passados depois que o Marquês se lembrou de chamar ao Estado a obrigação de educar os portugueses, esse ainda não é assunto pacifico nem pacificado. Vai governo e entra governo, se há assunto que os entretém é a educação! É pecha velha, há sempre alguma coisa a desfazer, há sempre alguém que transporta uma novidade! Mas, malgré tout, os portugueses conseguiram, passando através dos pingos de tanta inovação e desinovação, graças também aos professores, esses seres conservadores e inertes que persistem em ensinar o que lhes ensinaram, os portugueses, dizia, conseguiram ficar, finalmente, ao nível dos outros povos, o que significa que quando este povo percebe a razão de ser das coisas e vê que elas lhe trazem benefícios, vai atrás delas!(MFM)



Para quem se interessou por estes pequenos apontamentos sobre antiqualhas da história da educação em Portugal, recomendo este artigo e mais este  e esta página do blog restos de colecção, sem esquecer os livros que mencionei aqui 

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