Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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9 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras I




Panfleto anunciando o modo de apresentar denúncias e se fazer pagar por
elas, 2 de Agosto de 1771.



Em 1777 morre D. José e o Marquês de Pombal cai, isso mesmo, cai do esplendoroso cargo para onde se tinha auto erguido. E já vai tarde, mesmo muito tarde, digo eu que não gosto de tiranos de espécie nenhuma, por mais laureados de “bom estadistas” que sejam. Não há cá reorganização pós-terramoto, “Região Demarcada do Vinho do Porto”, retirada aos ingleses de privilégios mal negociados previamente, nem estímulo à indústria que valham os métodos esconsos de governar, a tortura, a carnificina e a crueldade em geral, motivadas pelo rancor, pelo ressentimento e pelo nepotismo. Para aqueles que consideram a morte dos Távolas e a expulsão de Jesuítas como “ajustes de contas” entre poderosos, aceitando os factos como forma do Marquês se afirmar e de retirar o país da “ nefasta influência” do ensino retrógrado da Companhia de Jesus, direi, quanto a este último ponto que, atrasado ou não, era o único ensino consistente que existia que não foi possível, por absoluta falta de gente preparada, substituir, e nos lançou ainda em pior situação e mais completa ignorância. Quanto ao resto, a vergasta do Marquês estendeu-se muito além dos poderosos, colectivamente, os povos, como os de Vila Real de Santo António e da Trafaria sentiram  morte pelo fogo e, individualmente, a arraia-miúda era posta a baloiçar, sem apelo, diariamente, nas forcas improvisadas, que as prisões só tinham lugar para fazer apodrecer a gente grande.

[permita-se-me, a propósito, declarar que, não fora o grande transtorno que me causaria haver agora trapalhadas na rotunda, pois transito por lá todos os dias, e passaria a ter 16 elementos (consta que tem 15) aquele grupo que pugna pela retirada de estátuas de figuras de que não gostam, e lá iríamos nós clamar por “deitar abaixo o Marquês”, coisa que, sem qualquer obstáculo, seria imediatamente ouvida e levada a cabo pelas instâncias próprias. Ou então não, também tenho que pensar no interesse nacional, pois para onde é que o povo iria depois pendurar-se para comemorar os futebóis? Estou num dilema, depois resolvo, vou deixar o caso para a minha aposentação - ah, ah, ah! (desculpem, private joke).]



Yang girl reading, Jean-Honoré Fragonard, c. 1770

Com D.Maria I é aumentado o número de cadeiras de Primeiras Letras e são criadas as primeiras “escolas de meninas” (dezoito em Lisboa que só foram plenamente concretizadas em 1815) mas a dificuldade em recrutar mestres era crescente. Os nomeados eram poucos e alguns recusavam-se a sair de Lisboa, um edital publicado pela mesa Censória de 15 de Março de 1780 declara “ já passados seis meses,  que este Tribunal fez público em Listas impressas, que se espalharão por todo o reino, o incomparável beneficio que S.Magestade por sua Real Rezolução  de dezasseis de Agosto do ano passado, fez aos seus vassalos, creando hum prudente numero de professore de Filosofia Racional, Rhetorica, Língua Grega  e Grammatica Latina e de mestres de ler escrever e contar; E constando no mesmo Tribunal que muitos dos sobreditos professores e mestres não tem tirado as suas cartas, quando o devião fazer sem perda de tempo e conduzirem-se às suas respectivas terras, para as quais forão nomeados, no que tem prejudicado gravissimamente ao Publico, achando-se a mocidade sem professores e  mestres que a ensine: manda a Real Meza que todos os professores e mestres que se achão providos e nomeados para os sobreditos empregos, dentro no tempo de sessenta dias, contados da data deste, venhão tirar as cartas, para se hirem apresentar nos lugares que lhes forão destinados e que não o fazendo se darão por vagas as suas cadeiras e escolas para serem nellas providos outros professores e mestres”.






Decide-se, então, recorrer às ordens religiosas para angariar mestres. No fim do ano de 1779 ‘foram citados os prelados Maiores de quazi todas as Religiões [ordens religiosas] para nomearem doze até quinze de seus súbditos para Professores régios de ler e escrever”.  
Mas os pobres dos frades parece que não tinham grande vocação para aturar meninos “nam sabião nada do que lhes mandavão ensinar e não tinhão paciencia nem geito para semelhantes empregos” e alguns recusavam-se a ponto de os superiores terem de empenhar a santa obediência para os obrigar.
O presbítero Bento José de Sousa Farinha (1740-1820) também mestre, é um feroz crítico desta medida e do funcionamento das escolas em geral. Diz ele que “a mocidade” que pretendia saber ler “ se via obrigada a sahir da sua terra ou do seu lugar por calmas e frios. Para ir buscar o fradinho Leigo que está no Convento fora do povoado e longe delle”, o qual fradinho “nunca teve curiosidade de aprender nem paciencia para isso, e agora hum dia lhe nam aparece, outro lhe troca a doutrina em conversação, outro o manda a recados, e negócios mais do seu interesse”. Também o ensino da escrita e da ortografia se ressentiriam da ignorância de tal género de mestre, o qual, “alem de nam saber nada de Ortografia, e Lingoagem portugueza, nunca soube escrever nem aparar hua penna”, já que a caligrafia seria cultivada desde há pouco tempo no nosso país e quem nela fosse perito não iria “fazer se frade leigo” ou professor régio, havendo falta de bons calígrafos “noutros empregos mais proveitosos e descansados”. O ensino da aritmética, seria igualmente descurado. O professor não aprendera nunca ou já lhe esquecera a tabuada. Facto ainda agravado pela sua situação de religioso, visto que “ pelo seu voto de pobreza tem horror a contas, conhecimento e valor das moedas”
 Também o ensino do catecismo era, surpreendentemente votado ao desprezo. Sousa Farinha refere que o frade diz aos meninos que não é pregador e remete-os “ para os Sermões da sua Igreja trocando lhe por elles esta importantíssima lição, que he na verdade a de q’ a Mocidade anda mais pobre e necessitada remetendo-se os pais aos professores e estes aos parhocos, e os parhocos aos Pais e aos Professores” ficando os povos neste “jogo de empurra”, “numa fatal secura e esterilidade de doutrina, cheios de suprestiçoens e torpes erros de magica, e outras abuzões semelhantes.”

[e nós, neste fatídico sec.XXI a pensar que tínhamos inaugurado este discurso “do empurra”]

Tal situação era possível, segundo Sousa Farinha, pelo facto de não existir qualquer controlo real sobre o sistema de ensino. Escrevendo, em 1784, ainda sob a jurisdição da Real Mesa Censória, perguntava “ que cuidados” e “sentido” tinha ela posto sobre “a rezidencia, actividade, e zelo dos professores nas suas Aulas, e sobre a freqoencia, aplicação e progresso dos Discipulos? Quantas Aulas tem estado fechadas anos e anos, pagando se sempre por inteiro aos Professores? Quantos destes foram logo desde o principio reputados e havidos por inábeis, e por isso ninguém quis aprender com eles mas todavia conservados.”
E Sousa Farinha critica igualmente as instalações das escolas  “Tem a nossa Mocidade as suas escolas por tavernas,  por loges de barbeiros, por escritórios de escrivães e escreventes e até por cazas de jogo público continuo”.




O funcionamento deste sistema de ensino, inovador e inédito no mundo, não estava a começar lá de modo muito auspicioso. Não havia professores, começava por não haver candidatos pois, apesar dos requisitos serem mínimos, havia pouca gente habilitada e, aqueles que o estavam preferiam outras profissões mais bem remuneradas ou davam as suas próprias aulas particulares, por vezes clandestinas. Porém, havendo candidatos, nem sempre ocorriam as provas exigidas para os examinar por falta de quem o fizesse e quando, finalmente, havia um professor pronto, habilitado e provido num lugar, este, se lhe desse na cabeça, não se apresentava!

[Isto de ser Ministério de Educação, ou quem suas vezes fizer, chame-se Real Mesa Censória ou Junta da Directoria dos Estudos e Escolas, que passou a ser depois, nunca deve ter sido tarefa fácil!]

Mas o mau funcionamento não se devia só aos docentes, não! Então, como agora, sempre os dois outros lados do triângulo presentes a aguçar o dentinho para pôr areia na engrenagem!
Ora vejamos: Em 1792, Jerónimo Soares Barbosa, visitador das escolas de Coimbra, apresenta a “infrequência e negligência dos discípulos” como causa do seu “atrasamento”, segundo aquele, os pais encarariam a escola como um meio de terem os filhos ocupados sem se preocuparem com o aproveitamento [as coisas que se detectavam por aquelas épocas, credo!] Outros pais, pelo contrário, desejariam ver os filhos instruídos, mas, não sendo obrigados a pagar, era-lhes indiferente o número de anos que estivessem na escola. Havia também os pais que só mandavam à escola os filhos nos dias em que não lhes fizessem falta em casa para os ajudar.
 Por todos estes motivos, conclui o visitador, se verificava “a pouca aplicação da mocidade os poucos progressos que nela se notam depois de cinco, seis, sete, e mais anos de estudo nas escolas da comarca”. (MFM)

                                                                                                                           (continua)

7 de dezembro de 2017

As Escolas de Primeiras Letras



 O Alvará Régio de 28 de Junho de 1759 ao mesmo tempo que extinguia os estabelecimentos regulados pelos Jesuítas, criava as primeiras escolas gratuitas de Gramática Latina, de Grego e de Retórica.
Portugal foi, desta forma, dizem historiadores de educação, o primeiro país ocidental a organizar o ensino do Estado. O que não nos trouxe vantagem nenhuma prática mas confirma o nosso eterno papel para estar sempre “à frente” na arquitectura das coisas. Então, para fazer leis vanguardistas ninguém nos ganha, agora e sempre, o Senhor seja louvado!





Pombal, no sentido de toda a sua política, também centralizou e estatizou a política educativa, criando, no que diz respeito aos estudos menores, uma rede de escolas de Primeiras Letras (de ler, escrever e contar) distribuída pelo Continente, Ilhas, e as possessões de América, Ásia e África. Todos os professores, incluindo os das instituições de carácter institucional e os de estabelecimentos pertencentes à igreja católica tinham que ser examinados porque todos “ensinavam vassalos do rei”. Os mestres das escolas públicas, as "escolas régias", eram qualificados e nomeados mediante concurso público, os de ensino particular teriam de ter uma licença após exame realizado pela Real Mesa Censória, sob pena de sofrerem grandes multas e de cinco anos de degredo para Angola em caso de reincidência. Deixavam de ter papel no recrutamento e pagamento de professores os municípios que até aí instituíam os partidos a que aqueles se candidatavam.

Mas não se pense que a “oferta educativa” era universal, longe disso. A carta da Lei de 6 de Novembro de 1772 que tinha anexa a localização regional de cada estabelecimento, refere expressamente ser “impraticável “ uma rede nacional que “fosse de igual comodidade a todos os Povos, e a todos, e a cada hum dos particulares delles”. Aquela “oferta” tinha em conta o destino profissional e escolar dos futuros utentes.
Em primeiro lugar, dizia-se no preâmbulo da Carta, cumpria levar em conta que nem todos os súbditos se destinariam aos Estudos Maiores, isto é, à universidade. Do universo escolarizável haveria, desde logo, de excluir “os que são necessariamente empregados nos serviços rústicos, e nas Artes Fabris, que ministrarão o sustento dos povos e constituem os braços e mãos do Corpo Político”. A estes bastariam as “Instrucções dos Parocos”, isto é, explicação oral do catecismo, para os adultos e para as crianças, aos domingos e Dias Santos. A maior parte da população portuguesa permaneceria, pois, no interior de uma cultura oral e não escolar.
As outras pessoas hábeis para os estudos” teriam, por sua vez,“ os diversos destinos, que fazem uma grande desigualdade nas suas respectivas aplicações”. Sendo assim, a Carta admite bastar a alguns “que se contenhão nos exercícios de ler, escrever, e contar”. Outros que se reduzam “à precisa instrução da Língua latina”, de tal modo,” que somente se fará necessário habilitar-se para a Filologia o menor numero de outros Mancebos, que aspirão ás applícações daquelas Faculdades Académicas, que fazem figurar Homens nos Estados”. Estava desenhada a pirâmide pretendida!









O mapa anexo à Carta de Lei, instituía um total de 837 “professores e mestres”, aos quais foram juntados mais 88 em 1773. Deste total, 479 eram reservados a mestres de “ler, escrever e contar”, dos quais 107 se destinavam a Lisboa e “cabeças de comarca” e os restantes a outras localidades. Os “professores” eram os Professores Régios de Filosofia Racional, Retórica, Língua Grega e Gramática Latina.


As obrigações dos mestres de ler, escrever e contar consistiam, basicamente, no ensino da caligrafia (“a forma dos caracteres“) e da ortografia (as regras gerais da orthographia portugueza), bem como nos rudimentos da sintaxe, “para que os seus discípulos possão escrever correcta e ordenadamente”, e, no mínimo, “as quatro espécies de Aríthemetica simples”, ou seja, as quatro operações, para além da educação religiosa e social.
                                                                                                                                         (Continua)


Bibliografia:
Carvalho, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986.
Fernandes, Rogério, Os Caminhos do ABC-Sociedade Portuguesa e Ensino das Primeiras Letras, Porto Editora, Porto, 1994

3 de dezembro de 2017

Até um dia, com muitas saudades.





Dr. Matos, antigo professor CNA (recorte de foto
grafia retirada da página do facebook da AaaCNA)


Saudosista - Pessoa que tem um gosto exagerado por coisas ou momentos do passado; quem prefere valorizar coisas que já não existem. Sinónimo de passadista, caturra.
 (in dicionário on-line da língua portuguesa)

Que vos parece se eu, aqui, neste momento e neste preciso blog, declarar que não sou saudosista, dando por bom que saudosista é mesmo aquilo que diz lá em cima? Parece-vos estranho, achavam mesmo que eu era passadista e caturra? Pois não sou, ou serei só de certo modo. E não é que eu ache alguma coisa de mal em ter-se um gosto exagerado por coisas ou momentos do passado ou em valorizar coisas que já não existem.
Neste blog esforço-me por manter vivas coisas ou momentos do passado e em valorizar coisas que já não existem. Não significa que goste dessas coisas exageradamente ou sequer que, no limite, goste delas, significa que lhes dou valor, porque existiram independentemente dos meus gostos e valores pessoais, e que procuro que não caiam no esquecimento. E isto aplico-o tanto a este microcosmos a que, sabe-se lá porquê, me venho dedicando, como ao meu país e ao resto do mundo, na medida em que as minhas fracas possibilidades o permitam. Considero minha obrigação, enquanto ser minimamente vocacionado para entender a história, contribuir para, modestamente, não deixar morrer na cabeça dos meus concidadãos mais distraídos a memória de todos nós.
A mesma preocupação não tenho quanto à minha memória privada, aí não, não tenho especial culto do passado, sobretudo da adolescência. Por razões de estrita deferência e lealdade familiar colocaram-me, os meus avós, desnecessariamente num colégio particular, que lhes levou cabedais, que não sei até que ponto prejudicaram a economia doméstica, e não acrescentou nada à minha formação.
O colégio, que terá tido o seu período áureo, não discuto isso, era, no meu tempo, uma coisa anacrónica, comparativamente com o liceu que já então existia em Tomar. Não consigo arranjar para os sete anos que lá passei mais do que este verbo: passar. Passou o tempo, cresci, vivi o tempo que as raparigas dez ou vinte anos mais velhas que eu lá tinham vivido, e sobrevivi.  No rewards no regrets. Nada que deixasse saudades.
Não posso, no entanto, ser injusta. Os professores deixaram-me a imagem, de modo geral, de gente de muita cultura. Teriam as suas falhas, já aqui falei num, uma figura, outro, de filosofia, uma desgraça pedagógica, uma meada embaraçadissima onde era impossível encontrar-se o fio que nos levasse à matéria necessária aos exames, mas que contava as histórias mais mirabolantes e absurdas, a propósito de tudo e de nada, deixando instalar o caos nas aulas de tal forma se embrenhava no seu próprio discurso avassalador e entusiasmante, para quem o seguia. Era um poço de sabedoria, assim lhe prestássemos atenção! Eles sabiam tudo, de português a história, passando pelas línguas estrangeiras, toda a gente se pronunciava. Na universidade fiquei estupefacta com os pontapés na gramática e ignorância de alguns professores quando se ultrapassava o estrito conhecimento cientifico da sua cadeira. No colégio isso seria impensável. Com excepções, também assisti a nódoas, tive um professor de Matemática que, coisa inaudita e que nunca vi antes nem depois e muita aula de Matemática tive, dava Matemática por cábulas e ditava-as. Agarrava do seu papelinho, punha-se à frente do quadro e lia, às vezes fazia o favor de pôr no quadro coisas que copiava do papelinho. Eram mesmo papelinhos, semelhantes a guardanapos de papel. Coitado, a criatura estava ali por engano e não fazia ideia de coisa nenhuma, parece que era de Biologia ou Química, mas, ao que se ouvia dizer, mesmo na sua área era mausinho. Este senhor, que além do resto era autoritário, chato e irritadiço, um velho portanto, deveria ser um rapaz novo na época, digo eu agora pois, anos mais tarde, encontrei-o presidente de um Instituto Politécnico deste nosso amado Portugal. Não resisti a contar isto aqui.Ai este país de opereta!
Mas também tive o melhor professor de Matemática que é possível alguém ter tido. Daqueles que nos fazem apaixonar por aquela bela ciência! A gente explorava as funções, trigonométricas, exponenciais, logarítmicas, os seus domínios e contradomínios com o entusiasmo que Bartolomeu Dias não teve a passar o Cabo e com igual trunfo! E a análise combinatória e a Geometria analítica! Tudo era tão leve e apreensível! E um dia em que o teste correu mal a toda a gente e eu o encontrei na rua no dia seguinte, em que não tínhamos aula:  - O que é que vos aconteceu? Eh pá, nem dormi depois de ver os pontos! Ainda estava com esperança no seu! Mas até você! – E logo eu, sem piedade: - A culpa não pode ser nossa, não íamos errar todos!- Pois tem razão, não pode, não pode, tenho que ver o que falhou! Arrependi-me logo, tive pena dele- Deixe setor, a culpa não é sua! Riu-se – Decida-se, alguém tem de pagar por isto!
A sua alcunha era o 3cm, por causa da pouca altura, já se vê, mas para nós ele era carinhosamente o três, o maior, o mais humano, preocupado e melhor pedagogo com que me deparei.
Tenho saudades suas setore, vou ter sempre.
Soube hoje que morreu no passado dia 24 de Novembro. (MFM)


2 de dezembro de 2017

Teias que se desfazem














As teias que nos construíram e nos agarravam para sempre,
 ainda há tão pouco tempo,
 a pouco e pouco vão-nos largando,
dando lugar a outras, desconhecidas
mas igualmente fortes

noutro lugar, noutro momento (MFM)

25 de setembro de 2017

Acabou o Arraial!


A semana passada, quando queria descarregar o vídeo abaixo, enganei-me e publiquei-o aqui. Só cá ficou por breves instantes, quando me apercebi do erro apaguei a postagem.
Os meus afectos particulares, aquilo que me interessa, aparte o relacionado directamente com "Porto da Lage," poucas vezes aqui têm aparecido.Mas, mal sabia eu como o meu engano podia ser premonitório.
João Ferreira Rosa morreu ontem. Era um grande fadista que eu admiro desde que me lembro.Mas era mais, era o inteireza em pessoa e chega. Pessoas daquelas de quem vale a pena gostar. 
Afinal,  digo-o com toda a humildade, e muita tristeza, é uma honra "postar" neste blog  João Ferreira Rosa! (MFM)





19 de setembro de 2017

Em Tempo de Eleições




Mateus José Alves, bacharel formado em Coimbra, ocupava despreocupadamente as suas manhãs passeando de caleche até S.João da Foz e as suas noites jogando bilhar no Clube enquanto discutia as vantagens da união ibérica e a pouca qualidade do parlamento português, quando o amor o assaltou. Pedida a menina ao cioso pai e ouvida a inesperada recusa, o infeliz Mateus percebeu, então, que não tinha modo de vida. Ser o filho regalado do sr. Macário Alves - merceeiro da cidade do Porto – que era também  mesário da ordem terceira de S.Francisco, tesoureiro do hospital do Carmo, de que era exclusivo fornecedor, irmão benfeitor da venerável ordem do terço, etc, etc, não o habilitava afinal a aspirar à mão da filha de um proprietário de Cabeceiras de Basto que protestava não a entregar a filho de especieiro, mas sim a alguém distinto que tivesse carreira que o engrandecesse.
Em vistas disso, tanto magicou o desconsolado amante à procura de carreira que o engrandecesse aos olhos do esperado futuro sogro, cotejando as suas habilitações com algo a que pudesse aspirar, que se achou capaz de ser deputado. Procurou, assim, no pai, as influências necessárias, o qual logo tratou de as arranjar, organizando lá em casa reunião com seis das principais predominâncias do ciclo eleitoral. Reunião que decorreu como segue (MFM).

« — Mateus, estes senhores vão arranjar votos para ti, com a condição de tu lá em Lisboa lhes arranjares umas coisitas que eles querem do governo.
— Tudo que humanamente se puder fazer —disse o bacharel. — Diga cada um dos meus nobres amigos o que pretende.
O mais grave dos seis, falou assim:
— Eu queria que o sr. doutor arranjasse uma comenda, ou uma coisa assim para meu primo António, que tem a loja da esquina da praça de Carlos Alberto, e já na outra eleição andei a trabalhar pelos históricos, ou que diabo são, e por fim de contas a comenda não veio.
— Conte seu primo António com a comenda; e V. Ex.a não quer nada? — disse o candidato.
— Eu só queria que o sr. doutor dissesse lá ao governo que mandasse cortar as árvoreque plantaram na praça e me tiram a vista à minha casa.
— Serão cortadas as árvores.
— Eu — disse o segundo — tenho um filho formado a comer-me há doze anos as meninas dos olhos, e queria que o sr. doutor lhe arranjasse um despacho para delegado.
— Pode dizer a seu filho que está despachado.
Falou o terceiro:
— Queria eu que V. Ex. fizesse com que a estrada em vez de passar em Guinfães, fizesse uma curva por trás da igreja de Ranhados, que me ia passar mesmo à porta.
— Nada mais fácil. Terá V. Ex.ª a estrada à porta. E o meu amigo que quer?
— Eu queria que se botasse a terra o conselho de saúde, sendo possível.
— É possível: logo que eu chegue a Lisboa o conselho de saúde há-de cair para nunca mais se  levantar.
O quinto disse que tinha uma questão de grande importância no supremo tribunal, depois que a perdera em todas as instâncias. O bacharel teve a paciência de escutar os direitos do demandista e lavrou logo o acórdão.
Finalmente, o sexto eleitor pediu a bagatela de um caminho de ferro a Mirandela, por Murça, onde ele tinha uma herdade e parentela que nunca vira por falta de comunicações.
Maravilhou-se Mateus da parcimónia das pretensões e animou-os a exigirem mais alguma cousa. Tomou assentos na sua carteira, e deu um abraço em cada um, quando todos à uma lhe disseram:
 — Está deputado o sr. dr. Mateus.

                                                                       ……….


                                                                        .........

A candidatura de Mateus José Alves foi um triunfo!
À hora em que o humilde cronista das glórias do bacharel Mateus escreve estas linhas, estouram em Campanhã, onde Macário tem uma fábrica de curtumes, centenares de foguetes, e tilintam vertiginosas as sinetas da igreja. Consta-me que na tenda de Macário todos mataram o bicho gratuitamente. Agora, resta-nos ver sair um Pombal detrás de uma ancoreta de jeropiga!»


Camilo Castelo Branco, Cenas Inocentes da Comédia Humana, 1863

22 de agosto de 2017

A Fonte



A Fonte, símbolo orgulhoso deste blog, remoçou! Estamos felizes com a sua nova juventude, que a conserve por muitos e bons!

Pois estava ela pouco mais ou menos (talvez mais para menos) como a nossa ilustre "capa" indica quando a alma caritativa, não sei se da Junta se da Câmara, resolveu pô-la bonita. Fez bem quem o decidiu, ora digam lá:



(Desculpem, mas a habilidade mais o imenso parqueamento automóvel à volta não permitiu melhor que isto.)


Eu confesso que aquele friso azul ribatejano é too much typicall cá para o meu gosto, e, talvez não reproduza exactamente o que era a fonte (ver foto abaixo dos anos 80 e outra mais recente) 





mas enfim, ninguém é perfeito e o saldo é positivo! Veja-se a extraordinária melhoria do lado interior (abaixo como era antes): foram arranjadas as lajes e  recolocado algures (talvez no chão) o inestético contador da água, 




deixando finalmente visível  a quadra que é, também, nosso apanágio:


E tudo em redor devidamente limpo, o pitoresco jardinzinho com os seus banquinhos caiados e o acesso à ribeira transitável. Gostei!



 Só um reparo, sr. Presidente (da Junta ou da Câmara, não sei qual o responsável pela obra) a História não se apaga, o passado permanece, prova é a existência da fonte. E depois, dar realce à data e às letras das placas posteriores e fazer por ignorar esta - Ao governo de Carmona Porto da Lage agradece - , não dará demasiado nas vistas e suscitará curiosidade? A demagogia tem o seu reverso, é prova de inteligência lembrarmos-nos disso. (MFM)




19 de julho de 2017

Ermida de Sta Margarida




Imagem de Sta Margarida existente na capela dos mesmo nome,
situada na localidade dos Gaios, Freguesia da Madalena, Tomar.


Amorim Rosa, na sua "História de Tomar" refere, ao enumerar as capelas existentes na Freguesia da Madalena em 1570, a "Ermida de Sta Margarida nos Gaios, termo da Comenda do Paúl".
Nas minhas pesquisas de baptizados e casamentos na Madalena, os registos mais antigos destes eventos realizados naquela ermida, que encontrei,  remetem-nos para 24 de Janeiro de 1654 e 5 de Setembro de 1657, ver abaixo,  o que não será de espantar pois aqueles Sacramentos eram celebrados habitualmente na Igreja Matriz e só sob "licença do Sr. Prelado" (como é dito no segundo casamento) eram excepcionalmente realizados fora daquela.
Nada sabemos sobre o edifício ou edifícios onde funcionou a capela  até àquele construído por volta dos anos 30 do século 20 o qual foi substituído pelo actual na década de oitenta do mesmo século. Segundo me disseram antigos paroquianos que, por sua vez, o ouviram a seus avós, a ermida que antecedeu a dos anos trinta era tão pequena e tão baixa que um homem em pé alcançava facilmente o tecto com uma mão, estendendo um braço. De igual modo ignoramos que tipo de imagens existiram ao longo dos anos no interior das diversas construções, embora todos se lembrem, desde sempre, da que representa o orago da capela, ninguém sabe exactamente a sua origem, correndo, no entanto, que teria sido, a última senhora da quinta que, tendo ficado viúva e deixado a quinta, a teria oferecido à capela. 
A ser esta oferta verdadeira não se conhece, no entanto, de que se senhora ou quinta se trata. Por aqui existiram a quinta da Belida e a de Porto da Lage e, nesta última, senhoras viúvas poderiam ter sido a do Desembargador Raimundo de Sousa, por volta de 1830, ou a mulher de João Manuel de Sousa, no final do sec.XIX, as quais foram, respectivamente, avó e mãe do célebre Dr. Sousa. A favor desta tese estará o facto de a  Quinta de Porto da Lage possuir no inicio do sec. XIX um oratório, onde teriam casado alguns filhos do Desembargador, o qual teria naturalmente algumas alfaias religiosas nas quais se incluiria a imagem de Santa Margarida. Será?
Nas pesquisas que efectuei na Biblioteca de Tomar nada encontrei sobre esta ou outras situações similares que digam respeito a inventário religioso do concelho. A própria imagem de Santa Margarida é ignorada e a que aqui consta foi tirada, com a qualidade visível, pela autora destas linhas que, debalde, procurou outra. Perdoe-se-me a ousadia e a imodéstia à conta da boa vontade e do serviço público que presto. Se, espero que não, um dia destes a santa desaparecer do altar e, simultâneamente, uma nova imagem setecentista surgir por aí num antiquário, pode ser que alguém, por acaso, vislumbre leves parecenças com esta e vá saber porquê. (MFM)



30 de maio de 2017

Rapazinhos de há cem anos



                                                                   



E lá foram eles! Os nossos pobres  jovens compatriotas de há cem anos! Como escreveu o General Gomes da Costa:
Devemos todos inclinar-nos cheios de respeito e cheios de admiração diante deste pobre ‘gambúzio’, que meteram num navio com uma arma às costas, sem lhe dizerem para onde ia; que colocaram numa trincheira diante do ‘boche’, sem lhe dizerem por que se batia; que passou meses queimado pelo sol do fogo, enregelado pela neve, atascado em lama, encharcado, tiritando com frio, encolhido num buraco enquanto as granadas lhe estoiram em redor; carregando à baioneta quando o ‘boche’ avança e que, com uma perna partida, ou o crânio amachucado por uma bala, estendido no catre da ambulância, ao ver-nos, tinha uma alegria imensa no olhar, murmurando: - O nosso giniral! Aí vem o nosso giniral! - Oh meu giniral, agora ganhei a Cruz de Guerra? Pois não?” 

Todo o país, todas as famílias, têm histórias destes desgraçados, que  voltaram ou não, com ou sem Cruz de Guerra! 
Descobri um espantoso site que, graças ao trabalho árduo e generoso de meia dúzia de dedicados, apresenta a biografia de quase todos os que fizeram parte do Corpo Expedicionário Português e escolhi quatro de entre milhares. Todos eles nascidos na Madalena, todos embarcados no mesmo dia, 19 de Janeiro de 1917, em Lisboa para destino desconhecido, "sem lhes dizerem para onde iam", mas nem todos regressados, Faustino, do Porto Mendo, ficou, para sempre, nos campos da Bélgica.
António Ferreira e Francisco Sousa Rosa eram primos direitos do meu avô, um pelo lado paterno, outro materno. Juntos terão partilhado brincadeiras e trabalhos de infância entre o Paço e Porto da Lage, no tempo da sua inocência. E terão  contado e ouvido contar, depois, pela vida fora, os infortúnios,  os pesares, e mesmo as bravatas, criadas pelo medo e pela solidão, de rapazinhos ignorantes, de armas às costas, vítimas  das  incompreensíveis brincadeiras e caprichos dos poderosos. (MFM)











25 de maio de 2017

O dia da volta




Que dia melhor para voltar a estar convosco do que este - O Dia da Espiga!?
Desejo a  todos um ano folgado de um gordo ramalhete pleno de espigas, ramo de oliveira e bem colorido com papoilas e malmequeres. (MFM)

8 de janeiro de 2017

Obrigada Dr. Mário Soares.


Obrigada




Pela coragem, pelo amor à liberdade e pelo exemplo daquela qualidade tão pouco portuguesa que é a demonstração do amor à vida!

24 de dezembro de 2016

Natal

Neste tempo de incertezas, ou de certezas cada vez mais assustadoras, resta-nos a esperança e a memória, do que vivemos ou do que ansiámos ter vivido. 
Que se cumpra o BEM que aguardamos há dois mil anos é a prece habitual da época, mas nunca, como hoje, ela foi tão necessária. Junto-me assim, com toda a humildade, à oração comum e rogo para que consigamos permanecer unidos nos valores fraternos e solidários da nossa civilização e repudiemos o medo como o nosso pior inimigo.
No aconchego e inocência que a quadra suscita, não consegui arranjar nada mais eloquente do que o pequeno texto de Ilídio que aqui reponho. Que ele vos transporte à magia da vossa infância ou aos idílicos Natais com que alguma vez sonharam!

Um Bom Natal para todos. O melhor ano de 2017! M.F.M


....Natal quando o menino Jesus entra aqui em casa pela chaminé e vem deixar nos sapatos que lá deixamos uma simples peça de roupa ou um tosco brinquedo. 


Neste tempo as minhas duas irmãs mais velhas fazem uns doces de abóbora com farinha e outros de massa de pão distendida. 

Depois de fritos à lareira são polvilhados com algum açúcar e canela. Estas “iguarias” são preparadas na noite que antecede o dia de Natal. 





Na manhã seguinte é dia santificado vamos todos à missa menos o meu pai, que por norma, nunca vai a alguma. É oficiada na igreja de S. Silvestre, às nove horas, que fica perto se formos por atalhos.
Quando a missa termina, o padre dá o menino a beijar no pezinho. As pessoas vão em fila, um por um, dão o beijinho no pé do menino que o sacerdote limpa com um paninho impregnado de álcool e depositam uma moeda, nem todos, numa bandeja pousada numa mesa. Dizem as pessoas mais velhas para iludir os inocentes infantis que o dinheiro oferecido se destina à compra das prendas que o menino fará para vir depositar no sapatinho, no próximo Natal.
Não compreendo que haja todos os anos um menino Jesus. Os meninos só nascem uma vez. Perguntei à minha mãe mas não me respondeu(IMT)

25 de novembro de 2016

Miguel Cervantes em Tomar


Miguel de Cervantes Saavedra (1547,1616), autor de D.Quixote, considerado o primeiro romance moderno,  cujas celebrações do quarto centenário de morte têm decorrido durante este ano, passou dois anos da sua intensa vida, em Portugal entre 1581 e 1583,   Terá, aliás, começado a viagem pelo nosso país, precisamente em Tomar, segundo nos conta M. Rodrigues de Carvalho neste pequeno artigo, abaixo identificado, publicado em 1983.




14 de novembro de 2016

Porto da Lage e a onda laranja


Nota Prévia: Os factos abaixo referidos como ocorrentes em Porto da Lage foram-me contados; como não os fui confirmar junto dos protagonistas,esta,pode ser, eventualmente, uma narrativa ficcionada, o que, em vernáculo, quer dizer que vos posso estar a impingir, embora não propositadamente, uma grande aldrabice. Nada,porém, me deixaria mais feliz,pois provaria que a terra do meu avô continua a ser habitada por gente civilizada, respeitadora do próximo e das leis do país. Levar-me-ia, também, a pedir, para além de  desculpa aos visados, a sua compreensão e a de todos os outros, para esta minha tentativa atabalhoada de mostrar que não há nada  que se passe no Universo que não se passe também nas nossas pequenas vidinhas. (MFM) 



Os americanos (do EUA), condenados a escolherem entre um burgesso malcriadão e uma senhora com boas maneiras, escolheram o primeiro.

Como diria o portuguesíssimo Raul Solnado: Gostos!
Eu, cá por mim, concordo, até porque a respeito de gostos americanos percebo pouco e do que conheço, francamente,não tenho lá grande opinião. A diferença entre os dois candidatos, tirando a que saltava à vista, que reconheço ser alcançável ao longe, via-se muito mal ao perto. Mas isso digo eu que reconheço as minhas limitações oftálmicas. Porque, sendo desempoeirado e jovem, independente da idade cronológica, o pessoal bem pensante não precisa de óculos, pelo que se   fiou no que viu, viu o que quis e concluiu e julgou como é seu costume e como sempre. Porém, os americanos, coitados, já agora que-tinham-que-ser-eles-a-votar não é? são capazes de ter olhado com mais atenção, verificado que a senhora não valia o esforço de se portarem bem e resolveram abandalhar tudo, assim estilo, o que é que a gente tem a perder, é prá desgraça é prá desgraça. E pronto, o orange sempre é o new black e a ver vamos,esperemos que não como o cego.
Mas não foi para isto que eu cá vim.  O que me aqui trás são as interpretações/conclusões deste grande episódio ocorrido no país mais poderoso deste nosso belo e único planeta e compará-las com, calculem lá, compará-las com o que se passa na nossa rua,quer dizer, com a nossa querida PL. 
Voltando ao energúmeno, o homem, percorrendo direitinho todos os passos e regras a que era institucionalmente obrigado, lá foi ganhando tudo e a todos e no fim, declarado vencedor. Acabou, está feito, é o presidente. 
Os analistas, comentadores, gente que gosta de falar e mais de se ouvir and so on, afligidos com esta da coisa não encaixar com coisa nenhuma e muito menos com as suas doutas previsões, toca de arranjar justificações entre as quais destaco a impreparação da larga maioria dos eleitores da criatura. Segundo eles, aquela foi eleita por gente, coitada temos muita pena, mas que não sabe o que faz e não sabe porque é rural,  é velha e pouco instruída. 
Eu, que não me choco com a vitória do homem (dos americanos do norte, e, já agora, também do sul, francamente já espero tudo) fico aterrada com observações destas! Iguais às do nosso ditador de serviço durante quarenta anos, quando considerava os portugueses incapazes  de viver em democracia, às dos regimes totalitários inimigos do que chamam democracia burguesa e até de incontestados e incensados revolucionários domésticos, e cito um, no caso uma delas, heroína da República Ana de Castro Osório, que considerava que a maioria das mulheres portuguesas não estava suficientemente educada para votar em consciência pois sendo maioritariamente analfabetas, politicamente incultas, dominadas pelo obscurantismo do preconceito e influenciadas pelo conservadorismo religioso, o seu voto seria contrário e prejudicial à República. E ia mais longe, considerando a maioria dos maridos, republicanos entenda-se, muito permissivos pois permitiam[repare-se no permitiam] que as mulheres continuassem a praticar a religião católica sem entraves e a educar os filhos nessas crenças!  (1)
Para além de preconceituosas e nada democráticas, aquelas afirmações carecem de ser provadas, pois não se afigura real que estes velhos, ignorantes e rurais tenham surgido na América apenas nos últimos oito anos e não tenham impedido a última eleição sabe-se em quem (pelo contrário, muitos condados que elegeram Obama, votaram agora republicano) e, por outro lado, cá no burgo assistiu-se à insistente eleição para presidente da Câmara em um condenado pela justiça, precisamente num concelho cuja população é, maioritariamente, superiormente instruída.
Mas, centremos-nos, finalmente, em Porto da Lage. Já aqui falei neste assunto  há três anos e, aparentemente, continua tudo na mesma. A Associação Cultural e Recreativa de Porto da Lage (salvo erro é este o nome oficial) herdeira do Grémio e do Clube que lhe sucedeu, de tão cara e nostálgica memória aos portalegenses que viveram os períodos de ouro daquela colectividade, está fechada há anos. A última direcção eleita, cujo mandato cessou há muito (ao que ouço dizer), para além de não abrir as instalações e não promover iniciativas (o que posso testemunhar) também não promove eleições (também oiço dizer). Há, ou havia há três anos, interessados em candidatar-se à direcção, os comentários do post anterior provam-no, mas eleições nem vê-las, ao que me dizem. 
Segundo pessoa neutra no processo me informou, a  direcção cessante não promove eleições porque "já sabe quem vai ganhar" e não quer que essas pessoas "para lá vão, pois não inspiram confiança no sentido de acautelarem a preservação das instalações, dos equipamentos e mobiliário e, sobretudo, do espólio", quer dizer, não põem em causa qualquer programa ou estratégia futura dos candidatos, temem simplesmente pelo  comportamento  físico deles, em suma, têm medo não que estraguem, mas que destruam tudo! 
A serem verdadeiras, quer as afirmações daquela direcção quer as suas apreciações acerca dos candidatos à mesma, estes não passam de uns verdadeiros selvagens (conclusão e léxico de minha autoria)! 

Tratam-se, porém, de selvagens sócios da Associação (de outro modo não aspirariam a serem candidatos), pelo que, dispensando-me de perguntar como atingiram tal posição (também me contaram não ser fácil ser aceite como sócio), a menos que os estatutos prevejam a inelegibilidade de pessoas abaixo de um determinado grau civilizacional (o que não me espantaria dada a sensatez e cautela dos portalegenses mas que seria inédito, até as constituições mais avançadas, a dos E.U.A. por exemplo, dispensam essa restrição), pois, a menos que isso aconteça só estou a ver uma forma de impedir seres destruidores de cadeiras e frigoríficos de fazerem parte da futura direcção da Associação: Não votar neles!
Qualquer outra escolha é  anti-democrática, retrógrada e conducente a excessos, pior que deixar partir portas por desleixo e ignorância, é proporcionar que elas sejam partidas à pedrada por revolta nascida da injustiça.
Considerar que selvagens vão ganhar eleições e por isso impedi-las é desconsiderar uma maioria que os apoia e que lá terá as suas razões.Temos o direito de impedir essa maioria de votar? Quem somos nós para menorizar alguém no seu direito individual de escolher? Democracia é mais do que uma palavra e, com todos os seus defeitos, temos muito que aprender com a América.

A ser verdade tudo isto que me contaram, apelo à distinta direcção cessante, que desconheço, que ponha os olhos naquela grande nação, promova eleições e aguarde serenamente. Os grunhos, de modo geral e em conformidade com a ordem natural das coisas, nunca vencem. Mas se, também aqui, o mundo resolver desgovernar-se e ganharem, se a América e o resto do mundo aguentam, o que é que Porto da Lage tem a menos que eles? (MFM)




(1) Ana de Castro Osório defendia o voto apenas para as mulheres instruídas, economicamente independentes e politicamente esclarecidas. No entanto, outra distinta repúblicana, Maria Veleda,  opunha-se, para ela as mulheres, ricas ou pobres, intelectuais ou analfabetas, deviam votar em igualdade de circunstâncias com os homens, pois não se compreendia que a ignorância e o analfabetismo fossem invocados para restringir os direitos cívicos e políticos das mulheres e não os dos homens

11 de novembro de 2016

VII A Arte de Bem Cavalgar Sobre Um Selim (continuação)

Atropelo Biciclístico na Figueira da Foz

Por razões que a razão desconhece, meu pai, com a aquiescência de minha mãe, lembrou-se nesse ano que os quatro filhos mais novos precisavam de ares marítimos. banhos não eram necessários. Pegou em si, meteu-se no comboio que fica à mão, vai à Figueira da Foz, aluga dois quartos e regressa no mesmo dia. Tudo isto em segredo dos deuses para mim.
Foi traído por uma das minhas irmãs que me disse:

  “O pai vem no catorze “ – número do comboio que circulava naquela via cerca das oito horas da tarde com paragem na estação – “Foi alugar uma “casa” à Figueira.”
   





Sem mais qualquer informação, a um Domingo do mês de Agosto, terá sido no primeiro desse, ao alvor do dia, minha mãe e nós, os quatro filhos, entrámos num pequeno automóvel, propriedade da destiladora de álcool, conduzido pelo motorista de camiões da proprietária. Meu pai foi de comboio porque não cabia.

A viagem foi feita sem anormalidades. Saímos pela estrada da Beselga, Assentis. Aqui entrámos na nacional, passando por Ourém, Leiria e daqui à Figueira onde chegámos cedo. Meu pai chegou depois de nós.
Juntos dirigimos-nos à “casa”. Era uma pequena habitação de um só piso rés-do chão, numa rua à saída da cidade à distância da praia. Ocupámos dois quartos. A cozinha onde minha mãe preparará as simples refeições e o cubículo dos despejos são utilizados em comum com o casal de velhotes donos da casa.
Depois da confirmação física da nossa chegada fomos todos  para a esplanada da frente marítima que dá acesso à praia. O espaço é amplo com pavimento ensaibrado. Movimentam-se por aqui sorveteiros, caramileiros, fotógrafos “à-lá-minute” e os banhistas a caminho dos ares e das refrescantes ondas aquosas do mar.


Figueira da Foz - postal de 1930

O motorista que havia conduzido o automóvel estava connosco - regressaria a casa nesse mesmo dia com o meu pai - foi comigo a um dos alugadores de biciclos que operavam naquela esplanada e alugou uma para mim. 
Sem qualquer excitação, aí vou eu a pedalar pela esplanada fora que servia de pista velocipédica à mistura com peões. 
Nisto, o que era o mais provável aconteceu! Choco com uma senhora de largas ancas e volumoso peito que atravessava a esplanada. A senhora cai por terra e sofre um pequeno ferimento na testa entre as duas sobrancelhas. É socorrida no posto da polícia de trânsito existente no local e eu sou “detido” pelo polícia do posto onde sou levado à presença da senhora, que inquirida pela autoridade se pretendia responsabilizar-me, me desculpou...
Causa do acidente: não me lembrei de travar. Fiz soar a campainha... (IMT)

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E é assim, com este  aparatoso acidente, que termina o "pequeno ensaio literário" do Ilídio, assim lhe chama a sua filha que aqui deixou um interessante comentário sobre o pai e a sua obra, do qual  reproduzo um extracto, para aqueles a quem passou despercebido:

«... Este livro que foi intitulado de “Terras da Minha Memória”, foi a única e tardia obra que alguma vez produziu. Que produziu, disse bem. Porque tudo o mais estava bem presente e registado na “sua memória”. E não só os factos mas sobretudo a forma peculiar como recordava e interpretava, deduzia e teorizava, humorizava e comovia, criticava e sensibilizava.
Embora pequeno é exemplificativo e é com esse espírito que espero que todos o entendam....»


Quero também recordar, para quem já se esqueceu ou só agora conheceu o Ilídio, as suas crónicas sobre Porto da Lage que podem ser lidas neste blog de 8 a 19.04.2013de 8 a 10.05.2013 e 8 a 25.10.2013 (MFM)