Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
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31 de dezembro de 2012

Havemos de sobreviver a 2013





Maria da Fonte
Natal de um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,                   
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n'uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D'essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o Zé da Th'reza... Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

António Nobre, in 'Só'



O Poeta era um mentiroso, e, fado de ser português, o país interessava-lhe mais que tudo e interessa-nos sempre a nós, o pior são sempre os Carlos ou o Zé da Th'reza que nos governam, mas havemos de lhes sobreviver, assim como  Havemos de sobreviver a 2013



23 de dezembro de 2012

Coisas de que eu gosto



Machado de Castro, Presépio da Sé de Lisboa
 Nada mais encantador que um presépio. Nada mais inesperado e educativo que perscrutá-lo e encontrar-lhe a luz, a cor, e, sobretudo, os pormenores, os pormenores são a riquesa de um presépio! O anacronismo da realidade (passe o termo) plasmada, que representa a Galileia à luz da época em que o construtor do presépio viveu, é uma delicia. As situações recriadas são extraordinárias.

No presépio da casa dos meus pais, enorme, sempre acrescentado anualmente pela minha mãe com o seu fascínio  pelas populares e coloridas figuras de barro que a levava a comprar sempre mais e mais; pois, no lá de casa, no penhasco mais alto, todo alcatifado de musgo, erguia-se, imponente e inatingível, um granítico castelo medieval em cuja torre tremeluzia, orgulhosa, a bandeira verde e rubra e que era escoltado, muito adequadamente, por um guarda-republicano todo postinho por ordem, de polainas e cinturão largo! Às vezes, nalguns natais, discutia-se  a tristeza e necessidade do pobre estar sozinho, lá no morro (nós tínhamos estas influências africanas), a guardar um castelo que ninguém queria roubar, e achava-se mais útil a sua presença na gruta, perto do menino. E lá ficava ele, respeitador e perfilado, sem nunca mostrar cansaço, entre o 1.º de Dezembro e o dia de reis, um soldado da república portuguesa a adorar e, a defender, com a própria vida se preciso fosse, nunca se sabe, o rei dos reis, nascido há dois mil anos!

O  presépio representado na imagem, acrescenta à ingenuidade dos congéneres populares, mantendo a cor e o absurdo dos personagens, a mão do mestre escultor que o impregna de vida; tudo ali se mexe, fala entre si e fala connosco.
Para mim, em quem o sec.XVIII exerce uma profunda atracção, é uma visita ao maravilhoso meter-me no meio daquela multidão e sentir e viver com eles.

Em época de prendas, esta é uma que dou a mim própria. Espero que partilhem comigo, pelo menos um bocadinho, o prazer desta viagem. Admiremos o  barroco vestido florido da Virgem, os frades capuchinhos ao lado dos pescadores nazarenos de  torsos nus, o entusiasmo do rapazinho que faz a oferta a Jesus e interroguemo-nos sobre se o que o pastor disse à rapariga da criancinha, e que a fez corar, teve alguma coisa a ver com as tropelias do miúdo das cambalhotas. E tudo ao  ao som celestial.da orquestra de anjos que nos forra o céu.









E é na companhia de algo de que gosto muito, como já disse, as gentes e hábitos setecentistas, a sua arte decorativa e músical e a inocência e nostalgia dos presépios, que vos desejo BOAS FESTAS, a todos os que tiveram a gentileza de acompanhar este blog, que me deram a honra de dizer que gostavam e que sentiram a sua falta.
MFM

20 de dezembro de 2012

Feliz Natal


 Natal

Capela de S.Sebastião, Cem Soldos
Ó sino da minha aldeia,                                                        
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.                         

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto

Fernando Pessoa





Este Post é dedicado aos portalagenses, que são poucos e vivem longe,  pois  só se lembra dos caminhos velhos quem tem saudade da terra .