Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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22 de dezembro de 2015

Bom Natal

O Natal é sobretudo memória. A memória do que foi ou deveria ter sido (quem nunca inventou passados?), de tempos calorosamente aconchegantes em que nós éramos o centro da ternura e reinava o prazer da antecipação! As sensações e sentimentos daquela noite, uma vez, mesmo há muito, vividas, apoderaram-se de nós, moldaram-nos a alma e voltam ano após ano, a fazer-nos reviver a alegria e expectativa de então, mesmo que já não haja razões para isso. Por isso o Natal pode ter tanto de felicidade como de dor. Felizes aqueles de nós em quem a memória dos Natais de antanho tem eco no Natal presente. Não consigo imaginar nada mais triste do que o contrário.
 Como era (é) pagã a Consoada da nossa infância! São os sentidos que no la trazem de volta: o cheiro da malha do casaco da  avó quando nos esborrachava contra si, a abóbora doce a derreter-se na boca, proveniente do pastel da massa do coscorão, a macieza da toalha de mesa de ver a Deus! Apenas os olhos e os ouvidos retiveram pouca coisa, muitas vozes, a falarem ao mesmo tempo, envoltas em mais luz que o habitual. E como permanece ainda tão vivo aquele sentimento omnipresente em toda a época, especialmente naquela noite das noites: a ansiedade da espera, a impaciência pela lenta passagem das horas que impedia a chegada do grande momento.
Que a magia natalícia não seja só nostalgia, é o que eu desejo a todos os que fizeram o favor de me acompanhar durante este ano. Que o vosso Natal presente seja cheio de harmonia e esperança. (MFM)

E,até um dia destes....
Bom ano de 2016!

Noite de Natal










Esperando o Natal


Manhã de Natal

Imagens: Reproduções de aguarelas de Carl Larsson (1853 – 1919

1 de dezembro de 2015

Festejando o Primeiro de Dezembro (há cem anos)


Mais um exemplo de como os factos (aqui históricos) deixam de ser aquela coisa objectiva que supostamente são para estarem ao serviço de freguês do momento. Em baixo, o fervor da exaltação do "Aniversário da nossa independência" pela República Velha, a da carbonária e da formiga branca. Hoje, os intitulados herdeiros desta facção pouco ligam à data, senão desprezam, "estas práticas nacionalistas e patrioteiras" e são os sucessores dos que se  bandearam com a corte espanhola que, agora a comemoram. Assim correm os tempos. Mas eu, pobre inocente que venho e sou do povo, ainda vou acreditando que este "torrão querido" é para preservar e que, mesmo tendo perdido (se é que alguma vez a tivemos) a pureza da nossa alma heróica, há-de continuar a ser uma Pátria, a minha Pátria. (MFM)


1-12-1915

2 de novembro de 2015

Reflexão em Dia dos Fiéis Defuntos - O Contrato

.....

Trinco da porta caindo
Sobre a partida de alguém...
Oh, quantos vão e não voltam?!
São os que a morte lá tem!

António Sardinha (1888-1925)


Constantin Brancusi, O beijo, 1909
Eu, que só entendo que as coisas se alterem se for para melhor, e que por isso me dizem ser conservadora (o que em Portugal não é bem visto e faz com que os meus próximos temam pela minha reputação), tenho-me interrogado sobre recentes hábitos dos meus contemporâneos. 
Um deles, assunto muito sério e melindroso, é a crescente cavalgada para a cremação dos corpos. O que leva cada vez mais pessoas a tomarem essa decisão? Conheci uma jovem mãe de família que, prestes a deixar-nos, escolheu ser cremada e não ter funeral – porque sabia que o marido e os miúdos não iam aguentar todo aquele cerimonial e, mais, seria um peso para eles saberem que tinham uma campa para cuidar. E assim foi, o corpo foi entregue à agência funerária mal o hospital o libertou e nunca mais houve rastos dele. A presença física da morte foi afastada, desconheço, acho que ninguém saberá dizer, de que forma esta circunstância alterou, ou não, a dor da ausência. 
Penso que a resposta, pelo menos uma delas, para a minha interrogação, estará na decisão desta minha querida amiga: afastar o sofrimento, o sacrifício, o que incomoda, daqueles que amamos. Na única situação da nossa existência em que é impossível intervirmos, expulsamos os vestígios da dor, na tentativa de fingirmos que a partida definitiva não aconteceu. Não nos confrontarmos com o cadáver e depois, com os restos mortais que sabemos enterrados num local determinado, traduz, quanto a mim, o medo imenso que a gente dos nossos dias tem, e que os nossos antepassados desconheciam, de nos depararmos com o inevitável: a nossa condição de mortais.
Os nossos avós, que sofriam e se sacrificavam muitíssimo mais do que nós pois a vida era mais dura em todos os aspectos, aceitavam a dor como parte dela, e, dentro daquela, a dor maior - a da morte. Não acredito que sofressem menos ao perder alguém, a diferença consistia em não repudiarem esse sofrimento.Conheciam também, e esta será outra resposta à minha pergunta inicial,o seu papel no ciclo da vida, certamente por estavam mais próximos da natureza. Tinham verdadeira consciência da sua dependência da terra, o que hoje é impensável e ignorado. Esquecemos que a terra é a nossa dimensão, que a pisamos todos os dias, que nela nos transportamos, nela respiramos, dela nos alimentamos.  Estes antigos versos das planícies alentejanas, nascidos da terra prenhe do pão que matava a fome, mostram a inter-dependência dos nossos antepassados  com a terra-mãe que nos alimenta em vida e à qual alimentamos em morrendo.

Eu sou devedor à terra
A terra me está devendo
A terra paga-me em vida
Eu pago à terra em morrendo

Um testemunho belíssimo da consciencialização do contrato entre o Homem e a Natureza. Que eu consigo entender, o resto não. (MFM)




24 de outubro de 2015

Quero Um Cavalo de Várias Cores

Para o meu P., elegante e garboso do alto da sua montada exibindo, com o belo sorriso desdentado dos sete anos que completa hoje, que não precisa de se agarrar a uma "estrelinha no céu",como recomendava o seu bisavô Z.M., para se manter firme e solto no seu galope, pois já é um grande cavaleiro. Que Deus permita, meu querido, que o teu caminho seja aquele que a tua fantasia e o teu coração bondoso prevêem. (MFM)


Esboço de Leonardo da Vinci
Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores? 
  Reinaldo Ferreira (1922,1959)

19 de outubro de 2015

Feira de Santa Iria


Começou por estes dias a Feira de Santa Iria em Tomar*. Velhinha de muitos anos, se calhar muitos mais que os oficiais pois estas feiras são, geralmente, de origem medieval e imagino que, com este ou outro nome, haveria feira em Tomar desde a sua existência como burgo. As feiras anuais,  locais de encontro e de troca de mercadorias, associadas quase sempre a festas religiosas, tiveram  importância económica inquestionável como espaço de livre comércio de mercadores de terras distantes (quase sempre itinerantes que percorriam distâncias difíceis de imaginar por caminhos ainda mais inimagináveis nos dias de hoje) e de escoamento de produtos agrícolas excedentes, dos termos das vilas. O caso de Tomar é exemplar desta situação, precisamente pela época do ano em que se realiza  pois "na feira" se vendiam os produtos agrícolas típicos da região acabados de colher e de preparar, os frutos secos, noz, amêndoa e figos, ao mesmo tempo que se compravam os utensílios em uso na agricultura mas produzidos pela industria,  as enxadas e outras alfaias, as longas varas de "varejar" as oliveiras, vindas de locais longínquos, e as mantas "da azeitona", tudo destinado a preparar a grande safra da região que se seguia imediatamente à feira - a produção de azeite. 
E como sempre na vida, à responsabilidade das obrigações se associa "a das devoções", também na feira, para além do negócio, se verificaria a alegria e a folia.  Embora na nossa fantasia persistam os malabarismos e acrobacias dos saltimbancos medievais como os eternos entretenimentos das feiras, estes terão variado de acordo com o uso das épocas, pelo que, nos finais de XIX, se podia apreciar o circo gymnastico, mais o artista japonez que fazia prodígios na corda suspensa e a sempre presente touradaentre outros. 
Na minha memória da feira que vem dos finais dos anos sessenta do século XX, dominam os divertimentos com maior ou menor tecnologia e sofisticação, desde os simples carroceis às arrepiantes montanhas russas, sempre com os "carrinhos de choque" presentes, as farturas e as intragáveis bolas de açúcar cor-de-rosa que eu tinha anualmente de recordar que detestava, recebendo anualmente a resposta, absolutamente infundada - mas o ano passado adoraste! Digamos que as minhas lembranças da feira são ... sufocantes. Associo sempre "a feira" a muito calor e uma necessidade indescritível de sombra e de beber muita água! Há bem mais de quarenta anos arrastávamos-nos, eu e a minha irmã, pelos passeios infindáveis com mãe, tias e primas "pelas barracas", de belos casacos compridos assertoados com luminosos botões, debaixo de um sol radioso que os reflectia e de um calor de Agosto que nos fazia estufar debaixo de tanta lã, pois estreava-se invariavelmente uma roupita nova pela feira, sempre própria para o Inverno que aí vinha, pois então!?, não importando nada se o Verão se tinha ou não já recolhido.
Nos documentos que, como vem sendo hábito, vamos buscar à Memória Digital de Tomar, para nos ajudarem a entender como em épocas atrás se viam acontecimentos que ainda hoje vivemos, podemos observar como, desde a morte anunciada do "orgulho dos nossos avós" em  1937 até à "fénix temporariamente a ressurgir" vinte anos depois, era "a feira" nos finais de XIX, nas noticias da qual se denota uma imensa preocupação, como se diria agora, seguritária. Veja-se as referências "às ocorrências dignas de menção" ou "criminais de importância" que incluem sempre os meliantes, até com os respectivos nomes,  habitualmente postos "à sombra" nestes dias. Seria ainda uma herança medieval de quando se interrompiam guerras para que as feiras decorressem em segurança e os mercadores se deslocassem em paz? (MFM)









24-10-86
28.09.1890

19-10-90












20.09.1891

23.10.1892

30.09.1894



25.10.1896



24.10.1897

18.10.1937


16-10-1955





20.10.1957


Algo que não havia no meu tempo - a evocação do martírio da Santa com o lançamento de pétalas ao rio.
É bonito e tocante. Mas é novo ou foi recreado de acontecimentos já esquecidos pelos nossos avós?


* Há pelo menos mais uma Feira de Santa Iria a decorrer agora em Faro.

13 de outubro de 2015

13 de Outubro - Aniversário do Passamento de Gualdim Pais







Há 120 anos, em Abril, o tomarense Vieira Guimarães, que agora conhecemos por nome de casa, mas que foi médico, professor liceal e historiador, sugeria no periódico A Verdade que se comemorasse o sétimo centenário do "passamento" de Gualdim Pais em 13 de Outubro desse ano. Assim aconteceu, nomeou-se uma comissão com as mais gradas figuras da terra, fez-se uma subscrição popular para a construção de uma estátua ao fundador da cidade, organizou-se uma exposição industrial do concelho, ao jeito do que se fazia mundialmente à época, alindou-se a cidade, encheram-se os hotéis, lançou-se fogo de artifício, a estátua, essa, ficou para ... 45 anos depois. Acabou por ser inaugurada no tempo da "outra senhora", que se seguiu ao tempo imediatamente a seguir, com  acompanhamento da Legião Portuguesa e toda a circunstância que a época obrigou, passando o patriota, irmão, confrade, quiçá camarada, Gualdim Pais dos tempos de liberdade da monarquia, ao respeitável D.Gualdim Pais que o Estado Novo tratou de integrar nas comemorações dos centenários.
Ilustramos aqui os preparativos da efeméride de que A Verdade, como grande órgão impulsionador, foi dando conta ao longo do ano de 1895. Ficamos a saber que Ramalho Ortigão, na qualidade de membro da Comissão dos Monumentos Nacionais, visitou acompanhado por outros elementos da mesma comissão a arruinada igreja de Santa Maria dos Olivais e que todos concordaram com a necessidade de obras de reparação daquele curioso e notável monumento, que foram realizados convites a outras cidades e localidades para assistirem à gloriosa festa em honra do herói único e consensual,  Pelo meio não podiam faltar as diatribes políticas contra a Câmara, o governo e até a Misericórdia. Nem o pobre do Santo António se salvou, convertido, diziam,  nas comemorações do respectivo centenário (pelos vistos era moda) em protector de jesuítas e reaccionários de toda a casta. Mas no fim, todos se uniram em torno do grande patriota,  a Câmara cedeu o espaço para a grande exposição concelhia e o governo cedeu quilos de bronze para a construção da futura estátua em honra do homem a quem tanto deve a nossa terra. (MFM)



28.04.1895

23.06.1895

25.08.1895



8.09.1895




29.09.1895

13.10.1895


"ornamentação da rua Serpa Pinto para os festejos de D.Gualdim Pais ...



27.10.1895




                          ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, QUARENTA E CINCO ANOS DEPOIS ...............................




Montagem e colocação da Estátua de Gualdim Pais no local onde está hoje, Julho de 1940




Cidade de Tomar, 14.07.1940


Imagens de recortes de imprensa e fotografias retirados de Memória Digital de Tomar.

7 de outubro de 2015

O Último Conde de Tomar



Falámos, no outro dia, a propósito da passagem do marquês de Tomar pela Estação de Payalvo e, consequentemente por Porto da Lage, no seu neto, o último conde de Tomar. Era uma figura muito querida e respeitada na cidade, segundo ouvi dizer a quem com ele privou. Desses, já hoje poucos estão connosco. O Coronel Vasco da Costa Salema num dos seus livros (1) fala-nos dele nestes termos:






O 2.º Conde de Tomar, António Bernardo da Costa Cabral,
pai do 3.º conde, referido nestes artigos. Faleceu em
19.03.1905,  segundo notícia no Occidente






A  "Cerca do Conde" ficava por trás das casa à esquerda, derrubadas depois da aquisição pelo Estado,a fim de construir o largo actual. As duas casas da direita, ao cimo, ainda hoje lá estão

As velhas casas vistas de frente, segundo um desenho do arq. Costa Rosa.




O decurso das obras no Largo, já sem as velhas casas.



A construção do muro da Cerca




A cerca já vedada com o grande muro e enormes portões (provenientes de umarmazém da Alfândega de Lisboa reestruturado). Nasce um novo largo, ao cimo da Rua da Graça, ainda sem a estátua do Infante D. Henrique.


A Estátua do Infante D.Henrique inaugurada em 1960.




A imponente entrada da Cerca que hoje conhecemos.
Eu nasci aqui ao lado. Posso dizer que este portão me viu crescer, literalmente. As fotografias eram-nos tiradas aqui, ao longo dos anos, todos em fila, com o portão como fundo. Um dia destes vou lá tirar uma para colocar ao lado da dos quinze anos. Assim consiga convencer os meus irmãos!


(1) Coisas e Loisas de Tomar,Coronel Vasco da Costa Salema, Empresa Editora Cidade de Tomar, Lda, Tomar, 1993




5 de outubro de 2015

O 5 de Outubro, A República e o MEU 5 de Outubro




Declaração de interesses:
1- Eu gosto do regime em que vivo. Reconheço que passo os olhos, de vez em quando, pela Holla, que me deixo encantar, às vezes, pelas toilettes, que as critico inexoravelmente, outras tantas, que até vou sabendo quem se foi casando, baptizando e mesmo, não me orgulho disso, mas o que é que eu hei de fazer, é mais forte do que eu!?,tomo partido como quando vejo o safado do rei andar a divertir-se lá com os elefantes e não só, enquanto a pobre da Sofia aguentava galhardamente o lugar e aturava a pindérica e plebeia da nora (plebeia, apesar de não achar bem- que mania que deu agora na realeza de misturar-se com todo o gato sapato!- enfim, concedo, mas uma flausina!?) - bem feita que ficou coxo e sem reino, o da caçada aos elefantes, claro! Aguenta-te Sofia! E aproveita os anos que te restam sem o estronço do Bourbon!
Pois, apesar deste entretenimento inocente e decorativo, dispenso-o no meu país. Prefiro a D.Maria em Belém, que é mulher simples e bem casada, quanto mais não seja porque o seu excelso esposo se vai embora daqui a dias, à semelhança de todos os antecedentes que lá estiveram e se foram, e virá outro com outra Maria, ou então virá uma Maria e trará o seu Manel (e se for outro casal com outra composição, também já estou por tudo) mas também porque, além de não ficarmos à mercê desse mistério insondável que é o nascimento de criancinhas filhas de antecessores perpétuos, sempre dizemos, os portugueses, alguma coisa sobre o assunto. É que, para mim, poderá ser displicente nestes tempos de democracia entendida à vontade do freguês e de quem berra mais, antiga como sou, ainda acho importante os portugueses pronunciarem-se.
2- Sendo portanto a favor do regime político chamado República não acho graça nenhuma, para não dizer que repudio veementemente, a demagogia em que vamos sendo alimentados de sacralização da primeira República. A coisa correu mal, mesmo muito mal, veja-se abaixo a lúcida análise de Fernando Pessoa, a falta de democracia e de liberdade, as perseguições e a constante desordem (já não falo da crise económica que vinha de trás, continuou e parece que é endémica)levaram ao regime que se seguiu, plenamente consentido por quem o viveu (tu sabes lá o desassossego em que se vivia filha!? - passámos a viver no Céu, calava-me a minha avó perante qualquer contestação minha, perdoável devido à minha tenra idade) e que deu o resultado que sabemos!
3- Quero lá saber da contradição face ao atrás dito: Em defesa da minha saúde, do meu relógio biológico que, nesta idade, não está cá para acertos ao segundo quanto mais aos dias, quero de volta o meu FERIADO DO 5 DE OUTUBRO em que nasci e fui criada. Todo o meu corpo se rebelou hoje ao ser obrigado a vir apresentar-se ao trabalho.Estou aqui contrariadissima! quero ir para a Praça do Municipio festejar a República com ou sem Presidente da dita, ou então fazer outra coisa qualquer como sempre fiz!!! (MFM)

 


«...O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a República é que não estava. Grandes são as virtudes (de) coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!

Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos, de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a Monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A Monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado — todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A Monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a República que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da Monarquia.
A Monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A República veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da Monarquia, estava ela, a Monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a República, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a República instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em administração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na Monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na República não era possível, porque era perigoso insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regime está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que por direito mental devem alimentar-se.
Este regime é uma conspurcação espiritual. A Monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a República veio (a) ser.»

Fernando Pessoa

Da República, Editora Ática, Lisboa, 1978

3 de outubro de 2015

Bailes e Kermesses



Não! Não estou a desrespeitar o período de reflexão (nunca este blog se atreveria dada a sua influência)! O Centro Socialista Thomarense não se candidata a estas eleições. Já teve o seu tempo. E, ao que parece, um tempo animado, de festejos com kermesses, número de prendas razoável e bailes campestres. Nada que um burguês acomodado desdenhasse! Afinal temos sido sempre tão iguais! Começa a ser secante aguentar tanto despique pela pretensa diferença!



12-06-1698
O Baile, imagem do filme O Leopardo de Luchino Visconti

3 de Outubro - Criação da Feira de Santa Iria


E já lá vão 389 feiras. É muita Feira,muito carrossel, muita fartura ...


Filipe III de Portugal, IV de Espanha
«Eu, El-Rei, faço saber ...que havendo respeito ao que se me
representou por parte dos Oficiais da Câmara da Vila de Tomar:
Hei por bem e me praz de conceder à dita Câmara que se possa fazer na dita Vila uma feira cada ano por dia de santa Iria, pagando-se nela os direitos de tudo o que se vender, pelo que mando ao Provedor da Comarca da dita Vila de Tomar, a faça apregoar pelos lugares dela, e às mais justiças e pessoas a quem o conhecimento disto pertencer não impidam fazer-se a dita feira, pelo dito dia, e cumpram e guardem este como nele se contém
   ..........Rei ...em Lisboa a 3 de Outubro de 1626»

(reproduzido dos Anais do Municipio de Tomar, vl. 1581-1700, pg.159)








2 de outubro de 2015

Os Srs. Marqueses de Thomar de passagem por Payalvo



28.05.1880



                                               Fotografia de José Leitão Bárcia, Arquivo Municipal de Lisboa.

Infelizmente não encontrei fotografias que ilustrem a recepção na gare, dos Exmos Marqueses e sua filha, pela Câmara Municipal e diversos cavalheiros, abrilhantada pela música da Banda dos Carrascos e o fulgor das girândolas de foguetes a subirem no ar. Mas tenho pena, apesar da riqueza da prosa não deixar nada a desejar, devia ser coisa linda de ser vista. Porém, tenho muito mais pena de não encontrar qualquer imagem da estação de Paialvo destas épocas. Quem me arranja uma?! Acredito que haverá, com tanta gente ilustre, até reis e rainhas, a embarcar e desembarcar por ali! Enquanto não aparecem as desejadas fotos, imaginemos-las com recurso a esta, da vizinha Chão de Maçãs, roubada do blog AUREN. (MFM)

Imagem publicada no Occidente em 21.09.1889

António Bernardo da Costa Cabral (1803-1889) governou Portugal entre 1842 e 1846 e depois por mais um curto período compreendido entre 1849 e 1851. Apesar de ter tido sempre contra si uma oposição tenaz, pelas medidas tomadas, o que fazia com que os seus inimigos o apelidassem de "segundo marquês de Pombal", a rainha manteve-se persistentemente a seu lado, o que originou boatos de romance entre os dois. Estes rumores atingiram foros de verdadeiro escândalo quando a soberana o tornou "Conde de Tomar", precisamente numa visita que fez com o marido aos novos domínios de Costa Cabral - O Convento de Cristo. Em 1837, após as nacionalizações dos bens conventuais, o agora Conde havia adquirido o Convento e a cerca, com construções e muralhas, por cinco contos de réis numa venda, dizia-se, favorecida politicamente.
Àquele filho de uma família modesta de Fornos de Algodres, licenciado em direito em Coimbra, não lhe bastava o título, desejava ser um conde à séria, como os antigos, queria um "condado", pelo que continuou comprando terras que anexava às primeiras, como o convento e a quinta da anunciada Velha.
Após deixar o governo, o  desterro nos seus domínios em Tomar, foi entremeado pela vida diplomática, tendo, no fim da vida , entre 1870 e 1885, sido responsável pela embaixada de Portugal na Santa Sé, na época do estertor dos Estados papais e da reunificação italiana tendo desempenhado papel de relevo na intermediação da chamada Questão Romana (1). Pelos seus serviços recebe a Torre e Espada e é elevado a Marquês de Tomar em 1878. Terá sido numas férias do seu desempenho diplomático em Roma que desceu  e foi recebido com toda a pompa, na estação de Paialvo, a caminho de Tomar, como refere pormenorizadamente a noticia.
Foi por seu intermédio que a vila de Tomar foi elevada a cidade em 1848, mas hoje , parece-me, só por lá será lembrado por ser nome de rua e, talvez, pela existência de inúmeros Costa Cabral, pessoas sérias e penso que orgulhosas do seu nome, descendentes do último conde, neto do primeiro, e de várias e bonitas camponesas, moradoras nas suas terras, às quais reconhecia os filhos e agraciava com uma casa e subsistência vitalícia. Dizia deste conde, a minha avó, sua vizinha, que,  para além de um belo homem, era um cavalheiro e uma boa alma. Das suas conversas destacava as preocupações com o estado do mundo e o futuro dos filhos. Teria razões para isso. Todos os seus bens estavam hipotecados e acabaram comprados em hasta pública, em 1934, pelo Estado. (MFM)

(1) Muito interessante o trabalho sobre este assunto de António Pinto de França "Costa Cabral nos dias da queda da Roma Papal em 1870", Separata de Cultura-revista de história e teoria das ideias. Vol.XI, 2ª série, Centro de História da Cultura,Universidade Nova de Lisboa.