26 de abril de 2013

As freguesias de Beselga e Madalena


De acordo com novas disposições legais, ver aqui, as freguesias da Madalena (de que Porto da Lage faz parte) e a da Beselga passam a ser uma única.  Tratou-se de uma reforma administrativa que se deveu, ao que parece, à necessidade de diminuir custos do Estado e, argumento extraordinário, atendendo a que o outro é ordinário, ao facto de a antiga organização "ser muito antiga", imagine-se que "há mais de cento e cinquenta anos" que aquela vigorava! Como é possível? Não foi dito que o antigo sistema era (?) obsoleto, que já não(?) justificava as necessidades das populações actuais, que era demasiado dispendioso(?) para os resultados que apresentava, não senhor, nada disto foi referido até porque nada foi estudado, nem precisava de o ser. Bastava começar pelo fim e concluir: é antigo, logo, muda-se! Corolário mágico capaz de convencer qualquer português! E se houver resistências, isso só demonstra que a reforma é mesmo imprescindivel, como eu ouvi da boca de um excelso governante, pois "há que acabar com os interesses instalados". Mesmo que seja o interesse comum!
Enfim, haja paciência e Deus Nosso Senhor se lembre de nós porque daqui a pouco já nem nós próprios nos lembramos!
Bom, mas lá que é verdade que todas estas velharias das freguesias, em especial estas duas agora unificadas a que "a nossa terra" pertence, têm mais de 150 anos, é verdade! Senão vejamos:



No Isento de Tomar , território composto pelo actuais concelhos de Tomar e Ferreira do Zêzere, com excepção das vilas de Asseiceira e Paialvo, e incluindo a Igreja de Santiago de Santarém com os seus bens,  à época dos Templários e depois dos Freires de Cristo, a autoridade eclesiástica provinha directamente do Papa. Era uma área de Nullius Dioccesis, o Bispo das suas igrejas era o bispo de Roma, não havia intervenção directa de nenhum outro bispo do território nacional. O Isento era assim uma Vigararia, com sede na igreja de Santa Maria do Olival (convento, Bailio e Panteão da Ordem), sendo o vigário nomeado pelo Prior da Ordem. Com as descobertas, o limite de intervenção da Vigararia alargou-se, passando a abranger todo o território Ultramarino durante mais de dois séculos. A criação do Bispado do Funchal consiste na primeira “baixa”da Vigararia de Santa Maria do Olival, a qual perde todo o poder além do Isento com a Restauração (o que os Filipes espanhóis tinham conservado foi perdido em 1640).
Quanto ao Isento propriamente dito, este mantém-se até 1882, altura em que a jurisdição da Igreja Católica dentro deste território é dividida entre o Patriarcado de Lisboa e o Bispado de Coimbra. Mas Tomar mantém durante muitos anos a esperança de voltar a alcançar o antigo prestígio.  Ainda em 1965, Amorim Rosa defende no livro História de Tomar, que serve de referência a este pequeno resumo, que seja criada proximamente a Diocese de Tomar. Nos anos setenta é criada, sim, a Diocese de Santarém, de que o concelho de Tomar passa a fazer parte!
Nos fins do sec.XIV havia em todo o Isento apenas a Igreja de Santa Maria do Olival e seis capelas rurais, a saber, além rio: Santa Maria das Areias, Santa Maria da Serra, Santa Maria dos Casais e Santa Maria das Olaias e aquém rio: Santa Maria Madalena e Santa Maria da Sabacheira.  Estas capelas tinham capelães itinerantes, residentes na sede da Ordem e que se deslocavam para dar missa e baptizar nas capelas que tinham pia baptismal, sendo que apenas em 1503 esta circunstância se verificou em todas as capelas.
No reinado de D.João III, exactamente no regulamento de 4 de Março de 1530, procede-se à reforma e reorganização paroquial do Isento sendo criadas várias paróquias, com rendimentos próprios e pároco residente,  entre elas a de Santa Maria Madalena na freguesia de Marmeleiro e Cem Soldos.
Eram os seguintes os limites daquela freguesia segundo o dito regulamento e a “tradução” que consta no livro “História de Tomar” :
“Começa  à Cruz de S. Martinho, que esta onde a Cerca do Convento volve de norte contra suI, e dai segue pela estrada que vai da Vila de Tomar para Alcobaça  e passa pela ponte do Ribeiro do Cerzedo e vai seguindo a dita estrada ate onde o termo de Tomar parte com o de Torres Novas, partindo sempre da banda do norte com a Freguesia de S. Miguel de Carreguei ros, e dai vai contra suI, partindo sempre com o termo da Vila de Torres Novas, ate onde começa partir com o termo da Vila de Asseiceira, como parte com o termo da Vila de Tomar, ate a Foz da Beselga, onde entra no Rio de Tomar, e dai volve pelo dito Rio acima, partindo com ele com a Freguesia de S.Pedro da Beberriqueira ate ao Casal de Goncalo Mendes, nesta Freguesia, e começa a partir com a limitação que ficou à Frequesia Matriz de Santa Maria do Olival depois que se fizeram as Freguesias das Capelas que dela se apartaram, e do dito Casal se vai a Fonte Formosa e dai se vai a Cumiada, atravessando o Ribeiro de Juncais pela dita Cumiada ate a Ermida de S. Miquel do CaniçaI, que é desta Freguesia da Madalena, e da dita Ermida se vai pela estrada ate a Cruz de S. Martinho, onde começa”.
Ainda segundo Amorim Rosa, “nesta Freguesia existiam os seguintes Templos, além da Igreja Paroquial:
O Mosteiro de Nossa Senhora da Anunciada da Ordem de S. Francisco dos Descalços, onde se chama Cerzedo.
Capela de S. Miguel, entre os Caniçais e o Carvalhal Pequeno.
Capela de S. Sebastião, na aldeia de Cem Soldos.
Capela de Santa Marta, na aldeia do Marmeleiro.
Capela de Santa Ana, na Quinta de Miguel do Vale*.
Capela de S. Pedro Apóstolo, junto da Ribeira da Beselga, no caminho que vai para Torres Novas e Paialvo.
Capela de Santa Margarida, no limite da Comenda de Cem Soldos.
Capela de Estevinha Vaz, junto aos moinhos da Capela na Ribeira da Beselga".
Na Freguesia havia  em 1570,  33 lugares sendo de todos o maior Cem Soldos com 70 fogos (cerca de 300 habitantes). Seguindo-se-lhe o Marmeleiro com 22 fogos. O total da Freguesia era de 196 fogos, ou sejam cerca de 800 habitantes.
Das outras paróquias criadas consta a de S.Miguel de Porrais (Carregueiros) da qual fazem parte as futuras paróquias (só criadas no sec.XVIII) de Pedreira e S.Silvestre da Beselga que tinha ao todo 106 fogos, ou seja 430 habitantes, sendo que S.Silvestre tinha 3 fogos. Existiam, no entanto, já então os templos de S.Silvestre e S.Lourenço que passaram depois a integrar a freguesia de Beselga.
 Em 1712, já esta última freguesia estava instituída segundo a A Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, obra em três volumes do Padre António Carvalho da Costa (toda a obra neste endereço ). Vejamos como as duas freguesias estão aqui descritas:

Assim pois, a Freguesia da Beselga teria em 1712 os lugares de Ponte, Francos, S.Lourenço, Carregueira, Vale do Calvo, Casas, Basselos, Fonte da Longra e Assamassa, nos quais viviam oitenta vizinhos. Na  da Madalena havia os lugares de Beselga (?), Paço, Gaios, Porto de Mendo, Cem Soldos ("onde está o sacrário por estar a matriz em lugar despovoado"), Caniçal, Boa Vista, Carvalhal Grande, Casaes da Madalena, S.Miguel, Carvalhal Pequeno, Marmeleiro, Capela, Maxial, Charneca, Val de Cabrito e Caldelas. Moravam em todas elas um total de 350 vizinhos. Sobre esta última freguesia acrescenta o autor ser "das melhores e mais opulentas do termo de Tomar, abundantissima de pão (leia-se trigo), vinho e azeite e mimosa de frutas e excelentissimas águas". (MFM)                                               

(continua)

                      



* Em 9 de Outubro de 1696 meus oitavos avós Joana Francisca de Matos e José Nunes, do Marmeleiro, casam nesta ermida.

Bibliografia:
Costa, Padre António Carvalho da, Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, Lisboa,  1712
Rosa, Amorim, História de Tomar 2.ª edição, Tomar, ed. Fábricas Mendes Godinho, 1988