28 de abril de 2013

Sapatos com tachos e outros preconceitos





Quando eu era adolescente, um dos passatempos, meu e dos meus irmãos, para matarmos a grande neura do “passeio dos tristes” de carro das tardes de domingo, era elegermos a “maison” mais feia que encontrássemos pela beira da estrada. Era a época áurea em que os nossos primeiros emigrantes dos novos tempos construíam, com o mealheiro das Franças e Araganças conseguido com o seu sofrido suor, e ajuda da florescente indústria dos materiais de construção civil, as casas coloridas, azulejadas e de surpreendentes traços arquitectónicos que estarreciam e eram alvo da chacota das auto-supostas pessoas de bom gosto. Durante muito tempo, acho mesmo que sempre, ocupou o podium das nossas escolhas, uma casinha em Alburitel, mesmo no meio da povoação, ligeiramente abaixo do nível da estrada, de murosinho baixo afastado alguns metros da habitação por um pequeno jardim, revestida a azulejos, com ombreiras de portas e janelas pespontadas a conchas do mar. Conchas das mais variadas formas, desde a clássica vieira ao robusto búzio, todas bordejando o estreito passadiço central que conduzia a entrada da rua à porta da casa, os pequenos canteiros, a fonte de cimento e, como não podia deixar de ser, os frontões do portãosinho. Completava a aparência geral da casa e contribuía irremediavelmente para o seu carisma, uma árvore-da-borracha que fora forçada a entrelaçar-se por locais precisos da fachada realçando sempre as omnipresentes carapaças de moluscos. Um dia, o meu irmão J.J encontrou numa revista uma fotografia da nossa vítima, estávamos cheios de razão, “aquele aborto” constituía um exemplo, e por isso fora fotografada, da “desvirtuação da paisagem” e de utilizar uma estética (?) nada condizente com os valores arquitectónicos portugueses e com os materiais locais. Sentimo-nos recompensados e acompanhados. Tínhamos um gosto erudito e a verdade era só uma! Éramos jovens. Estamos desculpados, nada que a idade não tenha curado.

Tentei, há tempos, voltar a ver a tal casinha. Não a encontrei. Ou procurei mal ou os donos não resistiram à crítica e descaracterizaram-na. A ser assim foi pena. Lembro-me dela quando vejo as decorações de Gaudi (é bem certo que a ignorância é a mãe do preconceito) e embora todo aquele excesso decorativo do artista não me sensibilize por aí além, era também isso que me incomodava na casinha de Alburitel. Quem sabe como seria considerada no futuro? As ousadias do catalão também foram, um dia,  acusadas de aberrações!

Todas estas minhas reminiscências e contrição sobre a maison de Alburitel vieram a propósito de Joana Vasconcelos . Também é uma obra e uma artista controversa. Gostei da exposição, as obras “ligam” bem com o interior do palácio. Resta a discussão “da moda” sobre se “a artista da moda” é artista ou não é artista. Há lá peças criativas que revelam e despertam emoções, digo eu, pronto está dito, mas outras? Palavra que não me apetecia nada ter um cão ou uma lagartixa daquelas, de loiça, mal enjorcadas dentro de uma fatiota de crochet cor-de-rosa cá por casa! Por mais que olhe para aquilo, e olho com toda a boa vontade e esforço, não consigo ver para além da piroseira da renda sobre o vidrado  da bicharada. Reconheço que nada daquilo lembrava ao careca! Força criativa e imprevisibilidade não lhe faltam! Mas mede-se assim a arte?  A pôr as coisas às avessas só por que sim? Pode ser. Andy Warhol também tem disso e é glorificado! Meto os dois no mesmo saco (de crochet de seda, evidentemente) com todo o respeito, mas não me comovem.Sorry.

Agora o que eu acho é que a rapariga anda em más companhias! Mostrasse-se  ela, nem precisava de mudar de fato, os que usa encaixam-se perfeitamente, em vez de ser com o PR e figuras do governo, com a sublime esquerda moralizadora e esteta, dona da verdade, e seria, já, elevada, sei lá, a Saramago das artes plásticas, pelo menos. E aí, como com ele, deixaria de haver duas opiniões, publicáveis, claro.