28 de agosto de 2015

Casamento em tempo de guerra.






Livro de Assentos de Casamentos da Paróquia da Madalena, Tomar 1650-1713.


Quando o António Lopes, do Bregil e a Maria Dias, da Beselga, se recebem a 24 de Janeiro de 1655 na Ermida de Sta Margarida, não sei se tinham conhecimento que, um ano antes, a 26 de Janeiro de 1654, tinha sido assinada a capitulação holandesa no Brasil.


[O país estava em guerra desde 1640, procurando recuperar a independência perdida em 1580, a qual acabara por acontecer mercê dos alegados interesses que adviriam para Portugal da aproximação de portugueses e espanhóis. Mas, a partir de 1620, operara-se uma viragem na conjuntura económica e social. As classes populares, as únicas que tinham feito frente à união com Espanha desde sempre, açoitadas pela pobreza e pela fome nos campos, agravadas por constantes aumentos de impostos sobre os bens de primeira necessidade provocam agitação social no reino, sobretudo em Évora e no Algarve (1637-38). Esta agitação popular era acompanhada por uma insatisfação crescente por parte das elites. A crise comercial e militar no império português do oriente, com sucessivas perdas para os ingleses e holandeses, e a recessão e instabilidade no comércio do Atlântico (África e Brasil), afectava os seus rendimentos e esfumara-se o desejo, alimentado durante décadas, de transferir para Lisboa a capital da corte ibérica. A partir de 1621, o governo do conde-duque de Olivares, o ministro todo-poderoso de Filipe III, introduziu reformas de pendor centralista por toda a península, crescendo a vontade separatista em alguns círculos da aristocracia portuguesa, que acabaram por se unir em torno do duque de Bragança e promover o golpe palaciano de 1 de Dezembro de 1640 que restaurou formalmente a independência de Portugal e iniciou uma guerra que durou 28 anos.

Até 1659, a Espanha não deu grandes cuidados nas fronteiras terrestres, ocupada que estava na Europa Central com a chamada Guerra dos Trinta Anos e só a partir desta data a intensidade da luta armada aumentou consideravelmente, dando-se as grandes batalhas decisivas ainda hoje famosas e da qual se celebra este ano uma efeméride, a da Célebre Batalha de Montes Claros(1665).



Cerco holandês à cidade de Olinda- Atlas da América de John Olgiby, 1671

O mesmo não se passou com os territórios ultramarinos, os Holandeses que entretanto se tinham estabelecido em áreas que já tínhamos dominado permaneceram irredutíveis e hostis. Com a Holanda a guerra estender-se-á da América à Ásia. Em Africa conquistam Luanda, S. Tomé, territórios que recuperaremos em 1648.O mesmo acontecerá no Brasil de onde serão definitivamente expulsos em 1654. Para este facto muito contribuiu o apoio das populações locais. Sobretudo as brasileiras, que desde o inicio guardavam más recordações dos Holandeses seus competidores no comercio do tabaco e açúcar desde sempre vistos como os responsáveis pela quebra nos rendimentos. Mas, como compensação pelo reconhecimento da soberania portuguesa do Nordeste brasileiro, ex-Nova Holanda, Portugal aceitou as perdas na Ásia, comprometendo-se ainda a pagar oito milhões de Florins, equivalente a sessenta e três toneladas de ouro, valor pago em prestações, ao longo de quarenta anos (Segundo Tratado de Paz de Haia)].


Esperemos, no entanto, que António Lopes e Maria Dias, se não se mantiveram ignorantes das divergências dos grandes do seu mundo, pelo menos não tenham sido demasiado vitimas deles e tenham conseguido um pouco de sossego naqueles tempos conturbados. (MFM)

21 de agosto de 2015

As tardes são mortas.


O milho já parou de crescer nas grandes superfícies plantadas na várzea da ribeira. Não tarda será apanhado. O restolho deixado para trás será, talvez, limpo e o campo lavrado na próxima Primavera, para início do novo ciclo. Nunca se sabe. Desde que começou esta “industrialização” da cultura do milho, com recurso à junção das pequenas parcelas de terreno de diversos proprietários e ao sistema de rega por tubos, que é uma surpresa o que os promotores daquela faina decidirão no ano seguinte. Mistérios do negócio. É certo que os campos abandonados passaram a ser usados, nalguns casos com o sacrifício das velhas árvores, principalmente as seculares e veneráveis oliveiras que, parece, eram obstáculo às dimensões da maquinaria utilizada, a mesma das lezírias ribatejanas pois, parece também, o tal negócio não se compadece com adaptações às características da cada região. Resta saber se a imolação de culturas tradicionais, como a olivicultura ou a figueira, ao lucro fácil da cultura intensiva de regadio valerá a pena, numa terra com pouca água.Ouço dizer que, por aqui, os poços estão exauridos, mesmo os que não estão directamente a regar os milheirais, precisamente porque estes sorvem toda a água existente no solo. 
Mas ela lá vai chegando para as poucas e pequenas hortas domésticas, enquanto as terras se movimentam a partir de Março, o que sempre dá um certo ar de vida agrícola que aquece a alma e acalma consciências de quem só pensa no curto prazo. 

E os povos estão felizes, passeando-se a pé ou de bicicleta nestes fins de tarde de Agosto encalmado,com paragem no café da bomba de gasolina para o gelado e a cerveja, enquanto inspiram o aroma que a brisa quente arranca das espigas, vão mirando as gordas maçarocas verdes e não regressam às suas vidas nas cidades de cá ou de lá da fronteira.

Pela mesma hora, a esposa do senhor motorista do autocarro das escolas, como a própria se apresenta, percorre na sua motoreta as casas dos arredores oferecendo os bolinhos secos de mel ou limão. São deliciosos. Foi convidada a vendê-los nos Bons Sons, há de ter sido um êxito.

Também um rapaz saído do nada, de cabelo de lã de ovelha suja e óculos, dá uns passos estremunhados no largo da estação. Se houvesse alguém para o ver, ali, a cozer-se com a parede, à procura da réstia de sombra, teria com certeza muita pena dele e procuraria ajudá-lo. Mas ninguém sai de casa a esta hora, se é que há alguém naquelas casas. E depois, vai-se a ver, a compaixão era escusada, o rapaz de cabelo de lã e calções, esfalfado debaixo da mochila, não passa, afinal, de um personagem a actuar no espectáculo a decorrer, este fim-de-semana, na região. O autocarro virá buscá-lo, e aos seus clones que descerão do comboio, e transportá-los a Cem Soldos onde entrarão em cena juntamente com mais uns milhares.

Muito antes de chegar à ponte já há carros estacionados. A fila engrossa no largo da ponte, e torna a estreitar na estrada da Beselga. Só automóveis à espera para serem atendidos na oficina. Não se vê vivalma. Lá de dentro ouve-se, por vezes, o ruído de uma peça a embater no chão, o som conhecido de uma ferramenta a cair ou um acelerar de motor. Não há vozes, tosses, assobios, ais ou uis, nada que soe a humano. Fico com a impressão que, se lá entrasse, depararia com carros com olhos pestanejantes, furgões barrigudos e com bigodes, guindastes sorridentes, todos em alegre convívio maquinal, a tratarem uns dos outros como se um hospital de automóveis se ocupasse, aqui, em Porto da Lage, do Faísca McQueen e dos seus amigos.

Nos Olivais, pouco antes (ou depois, de onde vimos nós?) da bomba, o lugar está solitário a esta hora. Cá fora apenas uma carrinha que, tudo indica, pertence ao dono. No interior, no canto entre as batatas e a prateleira dos enlatados um rapaz está sentado espapaçado atrás da ventoinha. Com a entrada de alguém mostra-se, todavia, prazenteiro e levanta-se muito afável. Parece contente por ter, finalmente, companhia. Difícil de passar, a tarde. Durante a manhã é um corrupio de carros a pararem, além dos avios de mercearia e frescos, há sempre quem queira sementes, plantas e flores. Só ao fim da tarde o movimento recomeça. - As tardes são mortas - diz, enquanto corta segunda melancia. Não, não foi o cliente que não gostou da primeira, foi  ele, que faz questão de vender só coisa doce.(MFM)

20 de agosto de 2015

Porto da Lage -nascimento de uma povoação


A primeira imagem abaixo é um extracto da planta de localização da linha do caminho de ferro do Norte, elaborada cerca de 1860, no local correspondente à "Quinta de Porto da Lage", isto é, do lado direito da Ribeira da Beselga, num território mais ou menos contínuo (interrompido por "fazendas" de outros dois proprietários)  sensivelmente entre as duas pontes existentes sobre aquela ribeira, hoje, em Porto da Lage.


Figura 1


A Figura 2 é uma imagem mais aproximada da anterior, agora com o local exacto onde surgiu a povoação de Porto da Lage. Repare-se como a Estrada de Coimbra, que  ultrapassa a linha do caminho de ferro, proveniente de Paialvo, se vai rodear de casas até ao final do primeiro quartel do século XX, a maioria das quais se mantêm, mantendo-se igualmente o traçado da estrada, hoje em dia chamada de Rua Dr. Henrique Pereira da Mota (Figura 3).


Figura 2




Figura 3
Fig. 1- Parte da Planta de localização da Linha do Norte Km 119-121, fornecida pela REFER (actual Infraestruturas de Portugal) em Setembro de 2013.
Fig 3 - Imagem retirada  daqui.