Eu gosto de Lisboa. Mais bem dito, porque é a verdade - eu adoro Lisboa. Há, debaixo do sol, luz tão linda como a dela (tive ocasião de ver quase igual nas antípodas) mas não tão terna, tão aconchegante. É uma luz que não resplandece nem exalta como o ouro, por isso fria e distante, antes ilumina, acariciando tudo em que toca, desde a planície macia do Tejo e a das pedras da calçada até às almas dos transeuntes que têm a felicidade de serem trespassados por ela. Um dia, se me der para aí, hei-de falar deste amor de quarenta anos, que, como em todos os amores, já se deixou de encantar só com a beleza. Por agora, vem este meu arrobo apaixonado a propósito desta imagem que encontrei, do final do sec.XIX, de O António Maria, e dos nervos que já começam a atacar alguns lisboetas por causa de excesso de turistas que "assaltam" todos os dias a cidade, e a transformação que, por via deles, a está a transformar numa diversão pegada.
Propunha em 1891 Rafael Bordalo Pinheiro que, em vez de "se vender Moçambique que talvez seja uma coisa triste", [para prover à eterna divida] se alugasse Lisboa à batota universal, que "será com certeza uma coisa alegre e nos permitirá prolongar indefinidamente este nosso dulce far niente" [os chamados países do norte não diriam melhor sobre nós, nos dias de hoje].
E descreve as alterações necessárias, vale a pena ler, que, comparadas com o que estamos hoje a ver em Lisboa, fazem pôr os cabelos em pé, pela premonição, àqueles que acham que a "identidade" se está a perder e que a bela capital se está a transformar num parque de diversões. Eu, por mim, gosto de Lisboa incondicionalmente . (MFM)
O António Maria, n.º 309. 18.06.1891 |