25 de setembro de 2017

Acabou o Arraial!


A semana passada, quando queria descarregar o vídeo abaixo, enganei-me e publiquei-o aqui. Só cá ficou por breves instantes, quando me apercebi do erro apaguei a postagem.
Os meus afectos particulares, aquilo que me interessa, aparte o relacionado directamente com "Porto da Lage," poucas vezes aqui têm aparecido.Mas, mal sabia eu como o meu engano podia ser premonitório.
João Ferreira Rosa morreu ontem. Era um grande fadista que eu admiro desde que me lembro.Mas era mais, era o inteireza em pessoa e chega. Pessoas daquelas de quem vale a pena gostar. 
Afinal,  digo-o com toda a humildade, e muita tristeza, é uma honra "postar" neste blog  João Ferreira Rosa! (MFM)





19 de setembro de 2017

Em Tempo de Eleições




Mateus José Alves, bacharel formado em Coimbra, ocupava despreocupadamente as suas manhãs passeando de caleche até S.João da Foz e as suas noites jogando bilhar no Clube enquanto discutia as vantagens da união ibérica e a pouca qualidade do parlamento português, quando o amor o assaltou. Pedida a menina ao cioso pai e ouvida a inesperada recusa, o infeliz Mateus percebeu, então, que não tinha modo de vida. Ser o filho regalado do sr. Macário Alves - merceeiro da cidade do Porto – que era também  mesário da ordem terceira de S.Francisco, tesoureiro do hospital do Carmo, de que era exclusivo fornecedor, irmão benfeitor da venerável ordem do terço, etc, etc, não o habilitava afinal a aspirar à mão da filha de um proprietário de Cabeceiras de Basto que protestava não a entregar a filho de especieiro, mas sim a alguém distinto que tivesse carreira que o engrandecesse.
Em vistas disso, tanto magicou o desconsolado amante à procura de carreira que o engrandecesse aos olhos do esperado futuro sogro, cotejando as suas habilitações com algo a que pudesse aspirar, que se achou capaz de ser deputado. Procurou, assim, no pai, as influências necessárias, o qual logo tratou de as arranjar, organizando lá em casa reunião com seis das principais predominâncias do ciclo eleitoral. Reunião que decorreu como segue (MFM).

« — Mateus, estes senhores vão arranjar votos para ti, com a condição de tu lá em Lisboa lhes arranjares umas coisitas que eles querem do governo.
— Tudo que humanamente se puder fazer —disse o bacharel. — Diga cada um dos meus nobres amigos o que pretende.
O mais grave dos seis, falou assim:
— Eu queria que o sr. doutor arranjasse uma comenda, ou uma coisa assim para meu primo António, que tem a loja da esquina da praça de Carlos Alberto, e já na outra eleição andei a trabalhar pelos históricos, ou que diabo são, e por fim de contas a comenda não veio.
— Conte seu primo António com a comenda; e V. Ex.a não quer nada? — disse o candidato.
— Eu só queria que o sr. doutor dissesse lá ao governo que mandasse cortar as árvoreque plantaram na praça e me tiram a vista à minha casa.
— Serão cortadas as árvores.
— Eu — disse o segundo — tenho um filho formado a comer-me há doze anos as meninas dos olhos, e queria que o sr. doutor lhe arranjasse um despacho para delegado.
— Pode dizer a seu filho que está despachado.
Falou o terceiro:
— Queria eu que V. Ex. fizesse com que a estrada em vez de passar em Guinfães, fizesse uma curva por trás da igreja de Ranhados, que me ia passar mesmo à porta.
— Nada mais fácil. Terá V. Ex.ª a estrada à porta. E o meu amigo que quer?
— Eu queria que se botasse a terra o conselho de saúde, sendo possível.
— É possível: logo que eu chegue a Lisboa o conselho de saúde há-de cair para nunca mais se  levantar.
O quinto disse que tinha uma questão de grande importância no supremo tribunal, depois que a perdera em todas as instâncias. O bacharel teve a paciência de escutar os direitos do demandista e lavrou logo o acórdão.
Finalmente, o sexto eleitor pediu a bagatela de um caminho de ferro a Mirandela, por Murça, onde ele tinha uma herdade e parentela que nunca vira por falta de comunicações.
Maravilhou-se Mateus da parcimónia das pretensões e animou-os a exigirem mais alguma cousa. Tomou assentos na sua carteira, e deu um abraço em cada um, quando todos à uma lhe disseram:
 — Está deputado o sr. dr. Mateus.

                                                                       ……….


                                                                        .........

A candidatura de Mateus José Alves foi um triunfo!
À hora em que o humilde cronista das glórias do bacharel Mateus escreve estas linhas, estouram em Campanhã, onde Macário tem uma fábrica de curtumes, centenares de foguetes, e tilintam vertiginosas as sinetas da igreja. Consta-me que na tenda de Macário todos mataram o bicho gratuitamente. Agora, resta-nos ver sair um Pombal detrás de uma ancoreta de jeropiga!»


Camilo Castelo Branco, Cenas Inocentes da Comédia Humana, 1863