17 de outubro de 2018

Coisas muito penosas




                                                             
Retirado de Malomil , o Blog que "Porto da Lage" gostaria de ser, quando for grande.

Criados que fomos, todos nós, os portugueses, a nos considerarmos os piores em tudo, e a sabermos que as piores coisas acontecem "só neste país" já devíamos ter esgotado toda a lista de culpas das desgraças e malfeitorias deste mundo no presente, passado e, sobretudo, no futuro, quando, mal nos precatamos, nos aparece uma nova. Descobrimos agora, não que traficámos escravos, que isso, caramba, até o Infante D.Henrique soube, ao assistir, em Lagos, aos gritos lancinantes das mães provenientes de Cabo Branco, ao serem  apartadas dos filhos (e até aprendíamos isto na escola, ah manuais ocultadores desprezíveis!), mas que ainda não tínhamos expiado convenientemente esse vil pecado pois, como filhos dilectos da santa inquisição, que muitos de nós são, foi escrupulosamente verificado que ainda não tínhamos sido postos a tratos, relaxados ao braço da justiça e sujeitos a autos de fé pelo motivo em causa, pelo que urge fazê-lo rapidamente.

Por isso, à semelhança daquele santo tribunal, também agora se preparam outros, pelos quais esperamos para ser julgados. Os quais, como bons tribunais, precisam das formais provas e declarações!

Nessa conformidade, eu, na minha humildade, aqui junto uma. Prova inequívoca que no ano de 1620, reinando Felipe III de Espanha, havia escravos na freguesia da Madalena, termo de Tomar, Estremadura, Reino de Portugal. Para que, um dia destes, quando a auto-flagelação geral for promovida e compungidamente cumprida, não escape ninguém, e, todos, fregueses da Madalena incluídos, desfilemos, amargurados mas felizes, a cumprir a nossa eterna e irremissível pena pelo pecado de termos nascido portugueses. (MFM)




 Retirado daqui 




No mesmo dia, mês e era supra ( 6 de Setembro de 1620) baptisou o mesmo padre (padre frei Aleixo Fernandes, coadjutor) a Agostinho, filho de Francisco do Couto, solteiro e de Antónia, escrava de Pedro Álvares de Abreu, foram compadres Frutuoso Carvalho e Domingas Luís todos da quinta e desta freguesia da Madalena. Assina Frei Alexandre Bastos


Personagens em presença: 

- Pedro Alvares de Abreu, Senhor do Morgado e Quinta da Beselga (actualmente chamada vulgarmente Quinta de Cima) "que tomou o nome desta ribeira que passa junto dela nesta freguesia de Santa Maria  Madalena", conforme é referido na pag.175 do tomo III da obra "da Corografia Portuguesa", que também nos conta que aquele era filho de António de Abreu, fidalgo da casa real, cavaleiro de Cristo, Capitão Mor das Naus das Índias (em quem falam as Décadas de João de Barros) e padroeiro do Convento de Santa Cita de Religiosos Recoletos da Ordem de S.Francisco. Ao descendente desta família atribuiu o  rei D. Luís, em 1864, o título de "Conde de Nova Goa". A quinta ainda está na posse desta família. Acusada de descendentes de esclavagistas!

- O pequeno Agostinho, o pai Francisco do Couto (homem livre, de contrário seria referido) e a escrava Antónia: deles nada sabemos, terão sobrevivido, tido descendência, que andará por aí, nossa contemporânea, anónima,  acusada de descendentes de esclavagistas.




Nota:  Em 1761 o Marquês de Pombal proibiu a entrada de novos escravos em Portugal Continental, parece que estavam a fazer falta noutros territórios do império português onde a necessidade da sua força de trabalho se fazia mais sentir ! É aquela a data anunciada como o "fim" da escravatura em Portugal, e por isso este se considera o primeiro país do mundo a fazê-lo. As razões não foram bonitas mas ...melhor que nada.

Esta questão, do grande boom de escravos e do consequente decréscimo - do sec. XVII até meados do sec. XVIII- é notória nos registos paroquiais de Santa Maria dos Olivais,Tomar (até agora encontrei cerca de oitenta assentos, alguns de "pretos livres"), sendo os seus proprietários, maioritariamente a Ordem de Cristo e o clero da vila, além de algumas pessoas de "algo" e também  artífices possuíssem escravos (a origem social não era determinante, desde que houvesse dinheiro...).

Nos nossos dias calcula-se que haja 40 milhões de seres humanos vítimas de escravatura , isto sim, deve merecer toda a nossa revolta e envidar todos os esforços para acabar com este crime abjecto, porque vale a pena lutar quando ainda vamos a tempo!