30 de outubro de 2019

Estalagem



Entre Janeiro e Março de 1669, Cosme III de Médicis, Grão Duque da Toscana, faz uma viagem por  Portugal acompanhado por uma comitiva que incluía escritores, médicos, músicos, cozinheiros e um desenhador e arquitecto italiano de nome Pier Maria Baldi, encarregado de representar em aguarelas todos os locais onde fizessem uma paragem.Desta missão surgiram 34 pranchas, cujos originais pertencem à Biblioteca Medicea Laurenziana de Florença, com imagens que reproduzem parte da paisagem urbana e rural de Portugal no se. XVII.
Em 2013 a Fundação Mário Soares editou um catálogo destinado a acompanhar a exposição dos desenhos de Baldi que teve lugar no Centro Cultural João Soares, Cortes, Leiria. No catálogo, as imagens são acompanhadas por pequenos trechos retirados dos relatos dos viajantes, sendo o principal relator Lorenzo Magalotti.
A viagem tem inicio a 9 de Janeiro em Campo Maior, atravessa o Alentejo e segue para Lisboa, via Setúbal, Palmela e Montijo. Após longa estada na capital, os viajantes partem a 18 de Fevereiro para o Ribatejo, passando em Tomar a 21 onde, além do Convento de Cristo observam "a Vila está numa planície, os edifícios são muito bons, as ruas direitas, umas paralelas às outras de uma ponta à outra da vila, compridas e muito bem pavimentadas..."e Baldi tem ocasião de pintar duas vistas panorâmicas da vila e uma terceira do Convento de S. Francisco. Essa noite, como é hábito na caravana de viajantes, é passada numa estalagem "chegou-se tardíssimo para almoçar na Estalagem da Gaita, que são duas pobres casas no meio de uma charneca montanhosa, desabitada, pedregosa, estéril, que nos acompanhou todo o dia, embora de quando em vez se encontrassem alguns raros olivais." No dia seguinte prosseguem para Norte, e a 1 de Março a comitiva deixa Portugal, em Caminha, onde toma uma lancha com destino a Tui. (MFM)

Estalagem da  Gaita (Venda da Gaita)  (Pedrogão Grande) em "Viagem de Cosme de Médicis em Portugal no ano de 1669"


À semelhança destas "duas pobres casas no meio de uma charneca montanhosa", em Porto da Lage, a estalagem também ficaria em nenhures," no meio de uMa charneca plana, quase um vale, no contraforte de umas pequenas elevações pedregosas  onde cresce o mato e raros zambujeiros e pinheiros bravos pontilham de algum verde a aridez do lugar. Dali avistei hoje, ao longe, alguns, poucos casais, e de cada um deles se elevava Fumo, sinal dos preparativos da ceia da família, que receberá os homens que recolhem a casa, cansados e fugidos da chuva, neste fim de dia de Inverno bravíssimo, em que a ribeira, cujo agitação tuMultuosa tão bem daqui se ouve,  já trespassou o seu leito duas vezes, segundo me disseram, inundando os campos e ceifando a vida a animais e a duas pobres almas, que o Senhor as tenha Consigo, etc, etc, *





*trecho de uma publicação que, inicialmente, alguém quis fazer crer ser do sec. XVIII e encontrada em lugar secreto, mas que, depois, se veio a descobrir ser apócrifo e inventado por uma criatura que tem a mania de se meter nestas coisas mas, completamente desajeitada (ou  pretensiosa), não resistiu a deixar por lá sinais que a vieram a denunciar.

28 de outubro de 2019

Descubra as Diferenças




Vendedor de Banha da Cobra em Lisboa, retirado daqui


À atenção da Liga dos Amigos dos Extintos Vendedores da Banha da Cobra (LAEVBaC), que eu proponho que se funde imediatamente, ou outra liga qualquer, que já exista, que se destine a defender a honra dos pobres que negociavam com o que sabiam, para sobreviver:

Na entrada de um centro comercial da capital, uma banca toda pronóstica (que saudades da minha querida madrinha Alice!), isto é, para quem é mais novo,  "toda armada" ao fashion do marketing actual, a condizer completamente com o ar "executivo" da respectiva vendedora, publicita uma instituição financeira. Passo por ela e, já afastada, oiço a voz irritada da vendedora:

- O senhor respeite-me, por favor, eu estou a vender um produto financeiro, não estou a vender banha da cobra! (MFM)






23 de outubro de 2019

Nicolau Dias



Em post anterior falei em Nicolau Dias, meu 11.º avô. Mostro agora como se desenvolveu a sua geração até chegar ao meu avô. Quatrocentos anos, onze gerações de homens e mulheres, descendentes directos, povoando as margens da Ribeira da Beselga!











Linha laranja: limite provável da comenda da Beselga; CN-Casal do Negro; CB-Casal da Belida


Nicolau Dias terá vivido, segundo os registos paroquiais, na Beselga, Ribeira, Além da Ribeira ou na Comenda do Saldanha, como era designada popularmente, ao tempo, a Comenda da Beselga, cujo comendador era frei António de Saldanha, a qual se estenderia por um território localizado predominantemente na margem esquerda da ribeira da Beselga, e numa estreita faixa da direita, entrando mesmo em Assentis. Nicolau terá nascido, quando muito, em 1530 (não teria mais de quarenta anos quando morreu pois tinha filhos muito pequenos e a viúva Benedita Mendes, voltou a casar em 1572, com Simão Luís, de São Silvestre,  e  tornou a ser mãe). 
Será, ele mesmo, um colono vindo de fora com destino a povoar estas terras abandonadas, ou já descenderá dos foreiros que amanhavam as terras da Comenda da Beselga, em 1504?
Até ao inicio do sec.XVI  as localidades referenciadas naquele território são Beselga, Ribeira ou Além da Ribeira, Casal do Negro, Paço ou Paço da Ribeira, no que diz respeito às situadas na freguesia da Madalena. As mais referidas, nos livros da Madalena, pertencentes à freguesia de S. Silvestre da Beselga (não há livros de assentos paroquiais desta freguesia), são a Ponte e o casal de S.Silvestre. 
Viviam também por ali com as suas famílias, Jerónimo Alves, o gaio e Pero Jorge filho de Jorge Anes galego, que poderão ter dado origem aos futuros casais dos Gaios e dos Galegos. Em 1574 Jorge Fernandes, de alcunha o frade,  morador na Beselga, casa com Catarina Jorge, belida de alcunha, e, em 1609 já surge a referência, num casamento, ao casal da velida. 
Hoje em dia, todas essas localidades ainda existem, com excepção dos casais do Negro e da Belida, que, embora desaparecidos, ainda estão identificados na memória das gentes. (MFM)

18 de outubro de 2019

Era uma mulher linda!




Dois sujeitos, com alguma idade (tinha de ser), perante a minha pessoa:

Primeiro *- Você não nega de quem é filha, é mesmo a cara da sua mãe!

Segundo * - Ah, não! A sua mãe era uma mulher linda, uma mulher vistosa!





* A ordem é a do diálogo, no hard feelings


17 de outubro de 2019

O Elefante Branco



                                                                    
Gravura de Hanno em um Panfleto de Roma (retirado da Wikipédia)







"14 de fevereiro de 1570 faleceu nicolau dias morador em beselga por ser freguês se mandou enterrar no adro da igreja de santa maria madalena fez testamento a que me reporto por sua alma mandou que ao enterramento se dissessem(?)  ? missas uma? cantada e duas rezadas _? ofertadas com pão vinho(?) cada um? segundo costume da igreja e um oficio inteiro de nove lições de sete salmos tudo segundo do costume da igreja e ao mês outro tanto e ao ano outro tanto cumprindo-se(?) a vontade do defunto e no cabo d(?) a quitaram conforme feito? ut supra. [aa] S.Lousado"(1)





"aos doze de fevereiro de 1576 faleceu simão fernandes pouzão fez testamento que mandou que ao dia de .... se dissessem quatro missas três rezadas e uma cantada ...... um oficio inteiro de nove lições  segundo do costume da igreja ..."


Nicolau Dias é meu 11.º avô pelo menos duas vezes, por via de seu filho António Dias, o preto (morador no "seu casal" ou no "casal de Nicolau Dias"), cujos  filhos Manuel Dias e Antónia Dias foram ascendentes, respectivamente, de meu bisavô Augusto Mota e de minha bisavó Maria José Sousa Rosasua mulher. Manuel casou-se, em 22.11.1620, com Domingas Jorge, do Paço, e, entre esta localidade e Além da Ribeira se desenvolveu a sua geração, enquanto sua irmã Antónia já teria casado com Álvaro Nunes, das Moreiras Grandes, em 27.11.1610, e dado origem a uma dinastia em Assentis que veio, no fim do sec. XIX, a  encontrar-se com os descendentes do irmão, em Porto da Lage.

Simão Fernandes Pouzão (de família talvez proveniente dos Pouzos, cujo nome terá adoptado como apelido para se distinguir de outros Fernandes contemporâneos), natural dos Casais, onde toda a sua geração permaneceu até 1712, quando se ligou a Catarina Lopes, do Carvalhal Pequeno, é meu 12.º avô, também por via de Augusto Mota .

Ambos, Nicolau e Simão, são homens da primeira metade de quinhentos. Nicolau morreu cedo, ainda com filhos pequenos, Simão já com netos, pelo que deveria ser mais velho. Já teria nascido quando, pelas ruas de Roma as multidões olhavam extasiadas o deslumbrante desfile, nunca visto, de jóias e tecidos exóticos, das onças, das panteras, dos leopardos, dos coloridos papagaios e do albino elefante Hanno? E, os dois, teriam sabido desta aparatosa "Embaixada" oferecida ao Papa pelo seu rei D.Manuel, para demonstrar a riqueza e a glória do seu país? E, alguma vez, terão dado conta de tanta grandeza ou terão beneficiado alguma coisa dela?
Tanto um como outro terão vivido a lutar com a natureza, a fazê-la produzir e a louvar o Senhor quando o conseguiam. O Senhor que não os poupava, que lhes trazia fome, seca, intempéries e doenças, lhes levava os filhinhos e a mulher de parto, deixando os restantes órfãos. Mas com Quem não deixavam  de contar na desgraça, a Quem agradeciam na bonança e se encomendavam quando partiam para o lugar que lhes traria, finalmente, a prosperidade eterna pela qual tinham esperado e penado neste mundo. Nenhum deles terá abandonado a sua terra ou a freguesia, não terão pertencido àquele povo néscio enganado pela Fama e Glória soberana, sagaz consumidora conhecida, de fazendas, de reinos e de impérios,  " Por quem se despovoe o Reino antigo, se enfraqueça e se vá deitando a longe?" como profetizava o sábio  velho do restelo.
Estes avós, meus e de milhares que os desconhece, fazem parte do povo que ficou, que não embarcou, mas que viu irmãos e filhos partirem,  em busca dos Hanno e dos papagaios em terras longínquas. Que esperou, velando pela pobre pátria, e os viu voltar,  às vezes, outras nem isso, ricos, pobres, estropiados, heróis ou mártires, e os acolheu. Ontem e sempre (MFM)




Nota: Extractos de assentos de óbito retirados daqui

(1)Agradeço a ajuda na leitura deste assento a Edmundo Simões, profundo conhecedor e estudioso das genealogias de Torres Novas e outras, aproveitando a ocasião para lhe agradecer, publicamente, a disponibilização de grande parte da árvore dos meus antepassados de Assentis, muitos dos quais se cruzam com os seus.