A Isabel
Fiquei encarregada de, ao fim do dia, ir buscar o leite à vacaria. Aquilo teve a sua graça ao princípio, era uma forma de, equipada com fervedor e carteira dentro do saco habitual, me deslocar para uma zona desconhecida da povoação.
Outras vezes - Mas vocês são cegos, não sabem que a miúda está aqui há que séculos? E, desta forma, lá se foi animando aquela minha breve lida diária, pois, mesmo que tivesse que esperar tinha companhia, e que rica companhia.
Ela era bem-disposta, afectuosa e simpática com toda a gente, contava coisas com graça, ria-se muito. E atrevida, brejeira até, com os homens, que a namoriscavam todos, novos e velhos, seduzidos, digo eu agora, por aquela força da natureza, jovem e bem feita, de pernas e braços descobertos, mãos na cintura estreita de onde caía, airosa sobre as ancas, uma saia rodada que ela, ao andar obrigava a esvoaçar.
Mas essa garridice desaparecia,
quando, não estando mais ninguém além de mim, eu não contaria para a descrição
requerida, saía de uma pequena camioneta que ficava ali parada até ser oportuno, o condutor com quem a Isabel se ia esconder num canto.
Eu só perdia a companhia porque,
antes, a Isabel garantia que logo seria atendida, ia-me embora e eles ali
ficavam. Outras vezes, quando eu chegava, já eles lá estavam, mas mesmo assim
ela não se esquecia de mim, deixava-o por uns segundos e vinha gritar à guarita
que me atendessem e voltava para a companhia dele.
Assim que deixou de ser necessária a
minha ida à vacaria, também deixei de ver a Isabel.
Depois, um dia, voltei a ter
notícias dela. Quando se tornou público que um corpo tinha sido encontrado
dentro de um poço. Informação a que as minhas companheiras de escola
acrescentaram mais, descobrira-se, depois de morta, que estava grávida.
Ao homem da camioneta continuei a vê-lo como sempre quando ia com o avô à missa ao Domingo a Sta. Margarida, acompanhado da mulher e dos filhos. Iam também para a missa.(MFM)