Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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2 de março de 2015

Discurso (Remarcante)


[(Discurso a ser proferido por altura da inauguração do marco da estrada, e real, nº 15 que ligaria os distritos de Santarém e de Leiria; como vizinhos, a estrada podia ser mesmo muito curta...).
Tenho de mandar fazer um fraque.
  (Enquanto isto, toca a banda de Payalvo)



 Este discurso vai atrasado 150 anos.
Não sei se me dirija a um rei, ou a uma rainha, que não sei ao certo em que reinado estamos.
Dirijo-me pois ao palanque, o maestro manda calar a banda, a minha família tapa a cara e os ouvidos, e eu começo]

Dirijo este discurso a esta pedra e à sua majestade e com a sua licença, dirijo-o a todos vós que aqui realmente vieram, em especial aos payalvenses (escrevo com Y que é a grafia actual), aos portalagenses (forma que me dizem mais correcta) e vizinhos. Também aos habitantes desta zona que aqui vieram e aos que, não vindo, foram perturbados por todo este bulício. As minhas desculpas pelo incómodo.
Mas acima de todos, dirijo-o a Vasco JR Silva  (que sem ele, este marco podia continuar ignorado).
Ouvi dizer que também estão televisões, mas como isso ainda não foi inventado, ignoro. Inventam cada coisa!

Minhas Senhoras e meus Senhores. Estamos aqui perante um marco real!

Penso que é este o  marco a que se refere  autor, mas não juro, mora aqui

Permitam-me falar de marcos, que antes de aqui chegar fui à internet (outra coisa que ainda não foi inventada) e procurei no Igespar (também ainda não) quantos marcos estavam classificados (também invencionices!)
Soube que há mais de 100 marcos graníticos, dedicados ao vinho, ignoro-os, mas sabia-me bem molhar a boca.
Dois marcos são miliários, já vêm do tempo dos romanos, e os restantes estão em Alenquer, Azambuja e Vila Franca de Xira, prova provada de que o orçamento para estradas se esgotava em pouquíssimas léguas, que era essa a medida que esses indicavam, quando o faziam. Ou que o orçamento do organismo competente só lhe permitia classificar marcos de trazer por casa.
Curiosamente essas estradas começavam todas na capital, veja-se a auto estrada A1 (que também ainda não foi imaginada).
Por isso são mais dignos de realce estes marcos, porque, além de nada terem a ver com a capital, já são do tempo do sistema métrico; de pedra, mas métricos; tão métricos que até o dizem em maiúscula M.
Por isso são históricos?
O da minha aldeia (Porto da Lage-Estação de Payalvo), além de ter sido o inaugurado, é-o também por ter servido de assento aos meus irmãos mais velhos e outros miúdos quando nada tinham que fazer (no intervalo entre passagens de comboios, penso em voz alta), vão lá ver como está bem polido!
Chamavam-lhe o Marco da Paciência.
Que nome chamariam a este se nele se sentassem para ver passar os comboios?
E este, atrevo-me a dizer, seria histórico por isso e por santo ser.
Santo, santo ser!?
Posso retirar o “santo” por se tratar de pedra, mas nele está escrito “DE PAYALVO”, e sabem quem doou Payalvo ao mosteiro de Santa Clara? Pois, posso afirmar que foi D.Isabel, denominada Rainha Santa!
Está aqui o presidente da Junta que me não deixa mentir (nisto o presidente apresenta o documento, mas demonstra pelo seu visual que não aprova o “santo”).
Reconheço que este marco não dará rosas, mas quem nos garante que Payalvo não teria “pão alvo” no regaço?
A pedido, substituo o “santo” por estóico, que foi com estoicismo que este marco, além de passar todos estes anos esquecido à beira da estrada, sim, à beira da estrada! Imaginem o que viu e ouviu, vejam em que estado o deixaram, atentem bem nas mazelas... (físicas e morais).
Assistiu de bem longe à inauguração do marco irmão, quando só ele a isso tinha direito, só ele simbolizava bem a ligação entre o distrito de Santarém e o de Leiria. Ele, que se tivesse pés, tinha um em cada distrito; se tivesse mãos, estaria de mãos dadas com ambos!
E o marco já inaugurado há 150 anos atreve-se a ostentar “DE SANTARÉM A LEIRIA”, mostrem-me onde pára essa conjunção, essa dita estrada, que de real só tem dois marcos?
Pelo menos mostrem-me a estrada DE PAYALVO até aqui, mostrem-me esses quilómetros bem medidos!
Como pode alguém chamar-lhe estrada, como pode alguém chamar-lhe estrada real?
Real é este marco, real pode ter sido a inauguração do outro; real está a ser esta cerimónia. Etérea só a música que ouvimos... etérea a memória que ficará desta inauguração.
Se aqui estivesse meu pai, servir-se-ia agora uma “água-pé-d'honra”; descerrava-se a bandeira da freguesia de Payalvo que cobre este digno marco, o padre Nicolau benzia a pedra, tocava a banda, batiam-se palmas e ia-se à vida que se fazia tarde...    (lm)

(continua)

1 de março de 2015

Attropelamentos - Morte - Carro Tombado - Ferimentos -Falta de Policia


Neste blog já se deu conta das brigas e desacatos entre cocheiros e destes com os passageiros, no reboliço do transporte a partir da Estação de Paialvo. Falámos também, já, do transtorno que era aquela hora de viagem entre Porto da Lage e Tomar, com os passageiros metidos em veículos pouco confortáveis, movendo-se  sobre uma estrada deveras incómoda, esburacada, poerenta e pedregosa, capaz de deixar os "passageiros contusos" na cara, pés, mãos e mesmo no corpo todo.
Trazemos hoje aqui noticias sobre os acidentes provocadas nos e pelos carros da "carreira de Thomar a Payalvo". Os Chars-a-bancs tombam devido à quebra dos arreios dos cavalos, que, por sua vez, se espantam com a trouxa de roupa que cai do carro da frente, trouxa essa que cairá por excesso de bagagem (ou isto seria noutra notícia?) ou porque o carro da retaguarda ia muito próximo do da dianteira. Seja como for a culpa terá sido toda das autoridades que não exerciam a vigilância necessária. Essa falta reflecte-se nos atropelamentos de pessoas indefesas que ficam com pernas em mau estado como o sr.Leonardo da Silva, do Casal da Segurança que, se calhar por ser deste local, não morreu instantaneamente como sucedera ao "pobre homem velho e surdo" à entrada da Rua da Graça, no ano anterior. A acrescer a estas tragédias continuam as desordens entre os cocheiros e condutores das "carreiras". A segurança em Tomar está, constata-se, sem rei nem roque, graças às "ordens egoístas do sr. governador civil" que não destaca para Tomar uma "força de polícia civil que tão necessária é para a proibição de tais abusos" convencido que está que a policia é nomeada "unicamente para fazer serviço em Santarém" esquecendo-se que os concelhos do distrito "não têm só o dever de  pagar para o bem estar da capital do distrito, pertence-lhes também gozarem um pouco do produto dos seus sacrifícios".
Enfim, a velha Tomar sempre perseguida e injustiçada pelo governo e pela pérfida Santarém! Na época "pagáva-as" pela sua colagem a Costa Cabral, seu conde e marquês, por isso caída em desgraça com o Fontismo. Agora não sei, ignoro também se actualmente as forças da ordem são suficientes. (MFM)


1.08.1886


13 06 1888
Vista de Tomar tirada da "curva dos marcos" na Estrada
de Paialvo, 1872-1896


28.11.1886


12.07.1891

25.12.1892


Notícias do Jornal A Verdade retiradas daqui.



23 de fevereiro de 2015

Viagem de Recreio



Alfredo Keil (1850-1907)- Estrada com vista de Thomar


Em 11 de Abril de 1897 a Companhia Real dos Caminhos de Ferro organizou uma excursão, como já então se dizia, de Lisboa a Tomar, a preços reduzidos, a fim de os lisboetas virem admirar as "belezas naturais e os monumentos históricos" da "nossa formosa cidade". É claro que a viagem de comboio se realizou até à Estação de Payalvo (a de Tomar só passou a funcionar em 1928) e daqui, os excursionistas alfacinhas terão seguido, por estrada, em carruagens ou nos famosos chars-a-bancs. Esta última parte do percurso é que, pelas descrições da época, deixava muito a desejar. Quem sabe se, fazendo eco das impressões colhidas por aqueles viajantes, no dia 23 de Maio seguinte, uma notícia no jornal A Verdade lastima,  numa tão pungente e gongórica prosa, o estado da estrada,  que não resisto a transcrevê-la "aquela estrada de Payalvo é tudo quanto há de mais estúpido e aborrecido no mundo. No Verão nuvens de pó compactas invadem-nos os pulmões, os olhos, as narinas, e polvilham-nos o fato e os cabelos de forma a parecer que vimos de alguma folgança de entrudo quando chegamos a este oásis que se chama Tomar. No Inverno torna-se aquela via intransitável, formada por uma série ininterrupta de covas, covinhas, covões, alguns de vastidão de valas comuns onde caberiam à vontade as ossadas dos inventores daquele leito de martírio, onde os ossos se desconjuntam e as lesões se desenvolvem mercê do susto continuado em que vem sempre o mísero passageiro que o destino atira para dentro de uma diligência durante uma longa hora de jornada..."
E Alfredo Keil que, com certeza, também chegou a Tomar via estação de Paialvo, que terá ele achado da estrada? O pintor, fotógrafo, poeta, coleccionador de arte e compositor (autor de A Portuguesa - o nosso Hino Nacional) ter-se-à inspirado na outra (a da vala comum) para pintar esta, bucólica, plana, solitária? (MFM)



Jornal A Verdade 4.04.1897
Jornal A Verdade 21.05.1891


Jornal A Verdade, 20.12.1891
Jornal A Verdade 21.08.1898

Notícias  retiradas daqui. (vale a pena visitar este site)

21 de fevereiro de 2015

Actos vergonhosos e indecentes, falta de polícia e administrador sincero.


Já aqui tínhamos falado nos desacatos entre cocheiros  dos veículos que, nos primórdios da estação de Paialvo, transportavam pessoas e mercadorias a partir desta. As duas empresas de transportes, pertencentes a Francisco Pereira da Silva Sardo e António Pereira Campeão Sobrinho, disputavam os clientes entre si, parece que nem sempre da forma mais pacífica, para além de os acomodarem dentro dos chars -a - bancs  pouco meigamente. Que o diga a criada do sr. Januário da Silva, espoliada da bagagem da família e em vias de ser enfiada num carro contra sua vontade; episódio que exaltou, muito justamente, o seu patrão, o qual só não chegou a vias de facto com o importuno do condutor, graças à intervenção heróica do sr. Joaquim da Cortiça. Pessoa que a posteridade  esqueceu, muito injustamente, acho eu, pois, ao que se viu, conseguia  pôr ordem naqueles despautérios ao contrário da polícia que, coitada, se devia ver sem rumo, com aquela chefia!? Figura genuína e intemporal, este administrador, pagavam-lhe para ser administrador, não para  se ralar! Será que o governador civil partilhava a mesma doutrina? (MFM)


Jornal Emancipação 23.03.1879


Jornal Emancipação 5.04.1879

Jornal Emancipação 1.06.1879



               Imagens enviada  por lm, retiradas daqui.

20 de fevereiro de 2015

Quando as vacinas eram abençoadas

Acho que vem a  propósito da actual polémica internacional sobre vacinação das crianças, que, por cá, parece não gerar ainda grandes transtornos, ver como se passavam as coisas em épocas em que não era certa, muito pelo contrário, a sobrevivência infantil. 
Nos anos vinte, e nas décadas seguintes do século passado tinha-se esperança num futuro melhor e mais saudável, que passava pela total confiança no avanço da ciência e pelas curas das doenças que as descobertas "dos sábios" proporcionariam. A vacinação era, então, um imperativo que urgia divulgar. Tudo era a favor, a morte estava presente, não havia tempo a divagações!
Neste blog, encontrei as imagens que aqui deixo e os eloquentes versos:
"A mãe sorri libertada duma grande inquietação" 
Mudam-se os tempos ....



17 de fevereiro de 2015

Viagem ao passado

Viagem ao passado -Tomar em 1879       
É tarde mas ainda há tempo, toca a arranjar um par! Não é preciso levar os fatos, eles alugam lá, e nem é caro.  
 







Traz esporas não é cavaleiro


Azulejos de Maria Keil, 1955- Luta de Galos , Colecção Particular



À meia noite
se ergue o francês                      
levanta-se de noite
mais de uma vez
sabe da hora
não sabe do mês
traz esporas ´
não é cavaleiro
toca alvorada
não é corneteiro
tem uma serra
não é carpinteiro
tem picão não é pedreiro
tem uma foice
não é ceifeiro
cava na terra
não acha dinheiro
passeia na praça
 não é estudante
canta na missa
sem ser sacristão
sabe da hora
mas da morte não.

(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)

15 de fevereiro de 2015

O Ciclone


O Ciclone de 15 de Fevereiro de 1941 foi o "terramoto de 1755" das gerações dos nossos pais. A maior catástrofe natural do sec.XX ficou na memória de todos os que a viveram. Contaram depois, aos filhos e netos, a aflição e o temor pela sobrevivência, os feridos e, nalguns casos, os mortos encontrados, e, sempre, a completa destruição, que o temporal deixou ficar. Observaram-se estragos a nível de habitações,  fábricas, florestas (mais de metade do pinhal de Leiria foi arrancado) e de embarcações afundadas nos portos (devido à súbita subida do nível do mar). Os danos materiais atingiram prejuízos avaliados em um milhão de contos ( metade do orçamento de estado da época), valor com correspondência actual a cerca de 5 mil milhões de euros. 
E, em Porto da Lage, como foi?



Imagem enviada  por lm, retirada daqui.

14 de fevereiro de 2015

Amanhã é domingo



Maria Keil, ilustração de livro infantil


Amanhã é domingo
pés ao caminho                         
galo assado
quartilho de vinho
lá vem o francês
que pica na rês
a rês é mansa
vai para França
se ela voltar
torna a picar
pica na burra
a burra é de barro
pica no barro
o jarro é fino
pica no sino
o sino é de oiro
pica no toiro
o toiro é bravo
pica no fidalgo
o fidalgo é valente
mete três homens
na cova de um dente                       
   (continuação das poesias populares co(a)ntadas pela da tia Alice)

12 de fevereiro de 2015

Ver o comboio passar por um óculo.


Ai estes Republicanos! Que mal é que tinha os cem praças de Infantaria "e a respectiva múzica"irem  ver el-rei passar no comboio, ao Entroncamento?!
Já é serem mauzinhos!  Porque é que a soldadesca não poderia ir distrair-se a  passear um bocadinho de comboio (ver coisas, sei lá, ir às compras, curtir o Entroncamento by night, dar um pésinho de dança) depois de andar 7 Km a pé pa'lá e antes de andar outros tantos pa' cá?! 


Jornal a Verdade de 13-12-1893-Imagem enviada por lm

Carruagem Real

9 de fevereiro de 2015

A Escola em Porto da Lage I

João Pereira da Motta


Mário Laranjeiro fez um comentário muito pertinente e justo, em A Escola em Porto da Lage.  Mas, ele que  me perdoe, de tudo o que disse o que mais me prendeu e traz agora aqui, é a referência a João Pereira da Mota. Quem ainda o recorda, lembra-o como um homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal. 
“Dizia que só se devia levar azeitonas pequenas e pão duro” para a merenda nas fazendas porque “as carnudas e pão mole eram apetitosos e obrigavam a comer mais”, contam-me também “vi-o uma vez, no lagar, atirar-se para debaixo de uma talha, maior do que ele, que se desequilibrou, em vez de fugir como os outros; em jeitos de ficar esmagado debaixo dela, parecia que preferia morrer a perder uns litros de azeite”. Para os netos, o seu amor ao trabalho, só suplantado pelo amor a Deus, ainda hoje faz recomendar aos amigos, enfastiados e de mal com a vida, “que endireitem pregos”, pois era o que o avô fazia quando não lhe era possível, devido a qualquer diluvio portalegense, sair para cuidar das terras e mesmo debaixo de telha também já não arranjava nada para fazer. Pegava então na velha lata, onde, preventivamente, guardara os pregos usados e aleijados que ia encontrando, munia-se do devido martelo e lá se punha, contrariado, a descansar, endireitando os pregos para estarem prontos a servir, de futuro.

Gostava de ler e escrever, escrevia diariamente na sua agenda e lia, aos domingos depois da missa, o “Cidade de Tomar” e os “Século” dos dias atrasados, que o irmão Henrique lhe mandava. Aprendera na escola da Madalena para onde se dirigira a pé, em menino, todos os dias durante quatro anos. Presava o saber como a coisa mais importante que alguém podia adquirir, lembrando que já o seu pai Augusto dizia que era preferível ter menos uma oliveira e dar letras aos filhos, e até as raparigas mandara à escola. Por isso, João Pereira da Mota quisera que a sua terra, Porto da Lage, tivesse uma escola. E arranjara de propósito um terreno para isso. Como não possuía terras em lugar adequado ao efeito, eram nos confins dos Olivais, ou nos Gaios e nas Sobreiras, e ele queria que fosse em Porto da Lage, conseguiu aquele terreno por troca com um familiar e ofereceu-o à Câmara para que nele fosse construída a escola. Como as homenagens não lhe importavam para nada, até o incomodariam, nem na época, nem depois, houve alguma vez menção oficial ao caso e, sem registos públicos, nunca mais ninguém se lembrou que Porto da Lage devia a escola aquele homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal. (MFM)


5 de fevereiro de 2015

Pelo Infinito Fora



                                     
Picasso, Cavalo e Personagens, 1936

                                   

                                        O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
                                         Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo.
                                     É comigo, com Deus, com o sentido -eu da palavra Infinito...


                                                              Pra frente meto esporas!
                                          Sinto esporas, sou o próprio cavalo em que monto.
                                    Porque eu, com minha vontade em me consubstanciar com Deus,
                                         posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa.

                                                                    (Álvaro de Campos)

Ao meu pai, que faria hoje 92 anos (MFM)

2 de fevereiro de 2015

Notícias de Porto da Lage


Lembram-se do extraordinário relato que Ilídio Mota Teixeira nos fez sobre a inauguração da fonte que, brilhantemente, ilustra este blog? Pois chegou-nos agora a respectiva notícia que saiu, na época, na imprensa local, a qual agradeço a lm que a enviou por mail. Repare-se na magnífica prosa, de autor desconhecido. Repare-se igualmente na alusão ao lançamento da primeira pedra "para a capela de N.ªS.ª da Assunção". Quem nos sabe dizer alguma coisa sobre isto? Ilídio, lembra-se? (MFM)









1 de fevereiro de 2015

O Regicídio





Em Portugal, se calhar mais do que noutros sítios, está bem estabelecido o anexim “dos fracos não reza a história”. E tomo aqui “por fracos” todos os que não têm poder, sobretudo o poder de estabelecer as regras, políticas, de pensamento, dos costumes, do que se veste, come e cozinha (agora na berra!),  enfim, para continuar a falar linguagem que se entenda, todos “os que não estão na mó de cima”, traduzindo em contemporaneidade, pois as mós já não se usam, os “que não estão na crista da onda” que é coisa mais surfisticamente entendível.
  Esta forma cobarde de ver as coisas (quem ignora e despreza “os fracos” senão os cobardes?) faz-nos, no que diz respeito à nossa História (que é ao que venho agora), ser ignorantes, injustos, intolerantes, o que, muito resumidamente, só nos define como muito pouco democráticos (estou a ser delicada).
Considero um crime, e não sou nada original nisto, matar-se alguém. Considero um crime bárbaro matar-se uma pessoa, já para não falar no jovem filho inocente, repito, uma pessoa boa, competente, patriota, mas, mais do que isso, que não tinha feito mal a ninguém, só porque era rei, e rei num país democrático e onde havia total liberdade, liberdade como não houve até 1974. Considero uma vergonha que, até hoje, este crime não tenha sido condenado pelos poderes instituídos, os quais, até nas cerimónias do centenário do acontecimento, fugiram de se fazer representar alegando “ser assunto político” do qual se queriam manter neutros!
Poderes que se apressam a solidarizar e a estar pomposamente presentes em tudo o que, pelo mundo fora, é visto como atentado à vida humana!
Talvez eu tenha estado distraída mas, até esta tarde, não vi nem ouvi nenhum dos chamados media de referência, aludir a que se passa hoje mais um aniversário do Regicídio.

Como outro dia  achei por bem mostrar aqui a minha indignação pela morte de doze pessoas por cujo trabalho eu não tinha qualquer apreço, mais justificadamente o faço pela morte de dois portugueses que tiveram uma morte cruel e injustificada e continuam, retroactivamente, a ser vítimas de processos injustos e a não serem merecidamente respeitados.(MFM)

Nota: Eu não sou monárquica, muito francamente nem sequer percebo como se pode ser tal coisa, mas o que é que isso tem a ver com o que escrevi atrás?

29 de janeiro de 2015

A Casa





Manhã de domingo, 31 de Maio de 1920. Aprontam-se em Porto da Lage os arranjos para os casamentos dos irmãos Maria e João Mota. Família e convidados apressam-se a entrar nos carroções e carroças disponíveis, os manos noivos na carruagem dos futuros esposos, o primo Sousa Rosa, sofisticado, parte primeiro no veloz automóvel, com a esposa e meninos, atrás, o restante cortejo. Vão direitos a Cem Soldos. Aqui, na capela, Maria recebe como marido o primo, Augusto. Após a cerimónia, não há lugar a demoras nas felicitações e cumprimentos que ficarão para depois, agora é tempo de rumar a Tomar, que João tem compromisso a cumprir na Igreja de Santa Maria do Olival. Recompõe-se o cortejo, o novo casal ocupa agora a carruagem de honra, o ainda noivo encaixa-se no lugar anterior do já cunhado e todos se dispõem a contornar as curvas até Tomar.
À entrada da cidade, ao passar pela casa da noiva de João, a juventude do cortejo não resiste a esboçar algum burburinho, logo aquietado pela gente séria da família, e o percurso segue pela Rua Direita, desce a Corredoura, atravessa a ponte, percorre a habitualmente agitada Rua Larga pelo seu laborioso comércio e oficinas, hoje silenciada pelo Dia Santo, passa por baixo do Arco de Santa Iria e, através de azinhagas recortadas por entre os olivais chega ao vetusto templo quase escondido, lá em baixo, entre as árvores que lhe dão o nome. Os passageiros saem, os condutores dos carros aquietam os animais nas sombras possíveis, que o sol já vai no meio-dia, e todos transpõem o velho pórtico, descem as escadas e, ao som dos próprios passos sobre as desgastadas lajes, aproximam-se do altar-mor onde, pouco depois, se lhes reúne a noiva, acompanhada pela família, e se realiza o matrimónio de João.
Segue-se a boda, em Porto da Lage na casa de João. A casa em que passará a viver, desde esse dia, com a sua mulher Maria José.
Já é fim do dia. Os convidados, aos poucos, vão abandonando a festa. Os pais e a irmã de Maria José anunciam que se vão embora. Começam a despedir-se de quem fica. Maria José, habituada à companhia de sempre, também pega no xaile e faz menção de se despedir de quem está perto. O jovem marido interpela-a de olhar perplexo:
- Então, não fica cá?
O pai dá uma gargalhada, salva a situação:
-Onde ias tu, rapariga? O teu lugar agora é aqui!
Esta é uma das anedotas do casamento dos meus avós, há mais. Que ela contava com a capacidade de se rir de si própria que só ela tinha, mas em que a cara (de tolo, de tótó, imaginava-mo-la nós, os netos) do meu avô também assumia grande relevância. Ela, afinal, não se ria só de si.
Pois João Pereira da Mota e Maria José eram meus avós, e a casa de que falo, pelo menos o local, os alicerces e as paredes-mestras, é aquela que a foto mostra.
Era a casa que Augusto Pereira da Mota, seu pai, construiu quando veio para Porto da Lage, onde o meu avô nasceu em 1892 e os irmãos mais novos também. João herdou a casa depois da morte do pai ficando aí a morar com a mãe e os irmãos solteiros. Depois do casamento, a mãe passou a viver com o filho mais novo na casa pequenina que ainda existe à direita do jardim.
Em 1935, João cede a casa, por troca, ao irmão Henrique que a altera dando-lhe o aspecto que hoje tem.
Em 2015 a casa deixa de pertencer aos Mota.

É mais que provável que o novo proprietário, que não sei quem é, não conheça este blog nem leia este texto. Mas, de qualquer maneira, não deixo de lho dedicar.

Porque acredito que o que tem história tem alma. Não é necessário que “a história” esteja na nossa memória vivida. Pouco me liga directamente aquela casa, para além dos factos mais ou menos emocionais, como o de lá ter nascido o meu avô, ligam-me as memórias que me transmitiram, como esta, a da pobre miúda de vinte anos que não sabia bem o que estava a fazer, ali, dentro daquelas quatro paredes, no dia da sua própria boda de casamento, há quase cem anos. E outras, tão, menos e mesmo nada cómicas, até dramáticas, que me foram contadas. E muitas, muitas mais, imensas, que aconteceram em quase 125 anos e que eu desconheço. Mas que as paredes conhecem!
Era isto que eu queria lembrar ao novo proprietário, aquelas paredes sabem muita coisa, coisas miúdas, do quotidiano, da vida íntima das gentes, alegrias e angústias, zangas e remissões, nascimentos e mortes.Tudo aquilo que, no fim de contas, compõe a história do Homem. 
Olhe, então, por aquelas paredes. Preserve-as, estime-as. Estou certa que elas irão gostar de si.
Fico-lhe muito agradecida por isso. Felicidades na sua nova casa.(MFM)

21 de janeiro de 2015

Arre Burrinho



Carlos Reis, Para a Feira

Arre burrinho
para a feira
José Malhoa, O Aguadeiro
carregadinho 
de madeira


Arre burrinho
para Azeitão
carregadinho
de feijão

Arre burrinho
para Loulé
carregadinho
de água-pé

Arre Burrinho
para Monção
Carregadinho
de sabão

Arre burrinho
arre burrinho
para a feira
de S. Martinho

Para o senhor
capitão
não está em casa
o capitão
larga burrinho
a carga no chão.

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

Rouxinol que tão bem cantas





José Malhoa, Primavera
 Jardineiras e floreiras
o que andais vós a vender?
vendemos cravos e rosas
raminhos de bem-querer

Indo eu por aqui abaixo
em busca dos meus amores
encontrei uma floresta
carregadinha de flores

Cheguei-me bem junto dela
para o sol não me crestar
era meio-dia em ponto
rouxinol ouvi cantar

Rouxinol que tão bem cantas
onde aprendeste a cantar?
No palácio da rainha
onde el-rei ia caçar

O rei estava na varanda
a rainha no quintal
atiravam um ao outro
as pedrinhas de cristal.


Maria de Lourdes de Mello e Castro, Janela Florida
(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

20 de janeiro de 2015

As meninas a aprender



José Malhoa

  

Sola sapato
rei rainha
foi ao mar
buscar sardinha
para o filho
do Luís
que está preso
pelo nariz
salta a pulga
da balança
dá um pulo
vai pra França
os cavalos a correr
as meninas a aprender
qual será a mais bonita
que se irá esconder?

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

19 de janeiro de 2015

Lavadeira




José Malhoa, Clara, 1905,
Museu de Arte Contemporânea

Bem lavava a lavadeira                                                    
ao som da sua barrela
ela cantando dizia:
Ó que meada tão bela!
Os panos que ela lavava
eram do rei de Castela!
o sabão que ela deitava
tinha vindo de Inglaterra
a lenha que ela queimava
era cravo era canela
lavava-os em tanque de ouro
estendia-os na Primavera.




José Malhoa, Lavadouro (na mata), 1922
(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

Pelo Sinal, Bico Real

José Malhoa, A caça, 1931


Pelo sinal
bico real
comi toucinho
e fez-me mal
se mais me dessem
mais comia
adeus compadre
até outro dia

Pelo sinal
bico real
corta as penas
do pardal
adeus compadre
adeus comadre
até outro dia
se não faltar
a companhia.

(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

18 de janeiro de 2015

Rapaz, levanta-te cedo

Sousa Pinto, (1856-1939) O Hóspede Inconsolável, 1884






Rapaz, levanta-te cedo
para fazeres o almoço,
para que diga o povo todo
que eu tenho um muito bom moço

Ó meu amo vá à feira
compre-me um fato de pano
para que diga o povo todo
que eu tenho um muito bom amo




(continuação da poesia popular contada pela tia Alice)

17 de janeiro de 2015

A Padeirinha


Oh que lindos olhos    

José Malhoa, As padeiras Mercado de Figueiró dos Vinhos, 1898
tem a padeirinha
tão mal empregados
de andar à farinha

Oh que lindos olhos
tem o meu José
tão mal empregados
de andar ao café

Oh que lindos olhos
tem o meu João
tão mal empregados
de andar ao carvão





(continuação das cantigas da tia Alice)