14 de julho de 2013

No ciclo eterno das mudáveis coisas




No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo inverno após novo outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me fiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.


 Ricardo Reis


12 de julho de 2013

Jornal Longe







Jornal Longe


Que faremos destes jornais, com telegramas, notícias,
anúncios, fotografias, opiniões...?

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos.”

E é uma das raras vezes em que todos estão de acordo.
 

Cecília Meireles (1901, 1964) Em Mar Absoluto e outros poemas.              

10 de julho de 2013

Quanto da terra se pode ver do Universo...




Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

8 de julho de 2013

Sol Nulo dos Dias Vãos





Sol nulo dos dias vãos
Cheios de lida e de calma
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma

Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce

Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém

Fernando Pessoa






3 de julho de 2013

As Freguesias de Beselga e Madalena I


 Amorim Rosa descreve da seguinte forma os limites da  Freguesia de S. Miguel de Porrais (Carregueiros) no seu  livro História de Tomar, vol I,  pag.143, aquando da reforma de que já  falámos anteriormente:

«- Freguesia de S. Miguel de Porrais (Carregueiros):
Em 1570 abarcava as actuais Freguesias de S. Silvestre da Beselga e Pedreira com os seguintes limites:
Começa na foz da Ribeira da Arrascada onde entra no Rio desta Vila de Tomar e vai dai pelo Rio acima ate a Cabeça do Carqueijal. que é acima do Porto dos Cavaleiros, e dai volve contra o poente, ao Vale da Amarela, e dai pela Ladeira da Ferraria direito ao Vale de Mós e dai direita a paredinha que esta na estrada que vai para Ourem, alem dos sobreiros. onde esta uma Cruz. e dai vai pela dita estrada direito aos sobreiros da Cabeça Aguda. e dai vai as Barreiras Vermelhas, e dai ao Monte Ruivo. e dai ao Ribeiro que vem do Furadouro. e dai pelo regato que vem da Fonte do Azorrague. e torna dai por detrás da Cabeça de S. Pedro. ate que vem partindo do norte com a Freguesia de Santa Maria do Vale do Sancho (Sabacheira), e começa a partir com o termo da Vila de Ourem, e vai ao Algás das Cruzes, e dai ao Castelo Pequeno. partindo com o  termo de Torres Novas. e dai vai ter às Cruzes que estão no Castelo Grande, num penedo da banda do levante, e dai desce ao Porto da Ovelha que é na Ribeira de Fungalvaz e vai pela ribeira a fundo. partindo com o dito termo de Torres Nova e seguindo o dito termo desce a Fontainha de Fungalvaz que esta de alem da dita Ribeira assim como vai a demarcação entre os termos destas ditas Vil e sobe até à Sesmaria e dai a águas vertentes pelo Vale do Prior abaixo e vai ter ao caminho que vai desta Vila de Tomar para Alcobaça, as Pedras Antas e dai torna pelo dito caminho e estrada contra levante partindo do sul com a Freguesia da Madalena, pela dita estrada até a Ponte do Cerzedo, e dai vai pela mesma estrada ate à Cruz de S. Martinho onde se aparta o caminho que vai para o Sonegado; por este caminho vai ter a estrada de Ourem, e daqui vai pela dita estrada de Ourem ate ao cabo das oliveiras onde se aparta o caminho da Pedreira da dita estrada e dai vai ao valado da vinha que foi de Rodrigo Anes Gordino e dai direito ao forno de cal que foi de Lopo Fernandes Toscano e dai pelo Vale abaixo ate a Ribeira da Arrascada e dai pela Ribeira abaixo ate a Foz dela onde se mete no Rio onde começou.

A Igreja Paroquial é a actual e havia nela os seguintes templos em 1570:
S. Silvestre da Beselga e S. Lourenço.Mais tarde construiu-se o de Nossa Senhora das Neves, na Pedreira.
Em 1570 havia nesta Freguesia 20 lugares sendo o mais importante a aldeia de Arrife com 17 fogos (cerca de 70 habitantes); Carregueiros tinha apenas 13 fogos; S. Silvestre da Beselga. 4; e os Casais da Pedreira 5. O total da Freguesia era de 106 fogos, cerca de 430 habitantes.» 
 
 Posteriormente, não se sabe exactamente quando, a freguesia de S.Silvestre da Beselga autonomiza-se, sendo certo que já existia em 1712 como vimos no post anterior. 
As duas freguesias, Madalena e Beselga, mantêm-se com os limites territoriais conhecidos até aos dias de hoje,  nos três séculos seguintes não obstante as reformas administrativas de 1840, da Primeira República e do Estado Novo.
Como curiosidade apresentamos abaixo a evolução do número de fogos (ou vizinhos) nas duas freguesias nos séculos XVIII e XIX.
Segundo o censo de 2011 a Beselga tinha 751 habitantes enquanto na Madalena havia 3 239.
Para quem quiser fazer comparações entre a população de então com a de agora pouco posso ajudar. Sempre direi, no entanto,  de acordo com as "regras" demográficas que pude consultar (não garanto a fiabilidade absoluta das minhas fontes) que a cada vizinho correspondiam no sec.XVIII 3,3 almas, sendo que eram considerados "almas" os indivíduos, nalguns casos com idade superior a sete anos e noutros casos a onze anos.
                    

Data BeselgaMadalena


1732101313


1757110300


1856187288


1864*212
483

* data do 1.º censo realizado em Portugal

                         

2 de julho de 2013

Ao que chegámos

 

Isto é tão degradante  que nem consigo ser cínica.





  Deve chamar-se tristeza                                                         
  Isto que não sei que seja
  Que me inquieta sem surpresa
  Saudade que não deseja.
  Sim, tristeza - mas aquela
  Que nasce de conhecer
  Que ao longe está uma estrela
  E ao perto está não a Ter.

 Seja o que for, é o que tenho.
 Tudo mais é tudo só.
  E eu deixo ir o pó que apanho
  De entre as mãos ricas de pó.

Fernando Pessoa