16 de outubro de 2013

O Luisinho das Flores



Espantando os pardais da seara, José Malhoa


Pelos anos de 1930 e 1940, era frequente aparecerem em Porto da Lage pequenos grupos nómadas, vagabundos, estropiados, vadios, indigentes. Os ciganos erguiam as tendas na margem da Ribeira, estacionavam a carroça, apascentavam os animais na relva da Ribeira e, por ali ficavam durante alguns dias. Os vagabundos aproveitavam o que o abrigo lhes oferecia. Os pedintes esmolavam de porta em porta, anunciando-se com rezas e lamúrias. Os vagabundos vagueavam durante o dia e desapareciam durante a noite.

Roque Gameiro, Ilustração das Pupilas do
Senhor Reitor
Desta gente anónima, sem eira nem beira, havia uma figura que se destacava pelas suas qualidades artísticas e conduta social. É o Luisinho das flores. Tinha 20 e poucos anos, estatura média, franzino, semblante afável e levemente formoso. Não pedia coisa alguma. Vendia os seus méritos de artista nato. Tocava maravilhosamente músicas populares com um pífaro feito de folha de Flandres, mais conhecido como pífaro de lata que era muito vulgarmente vendido em qualquer feira anual. Exibia-se a pedido de qualquer pessoa cobrando-se de uma moeda de 50 centavos em níquel. À sua aptidão natural para a harmonia dos sons, juntava-se a de esculpir em papel de cor as pétalas de uma flor, uma rosa ou um cravo, formava-a sem qualquer ferramenta de corte. Usava as unhas dos dedos das mãos. Pelo mesmo preço da tocata a solo, vendia a flor. Foi esta capacidade artística que lhe valeu o cognome, das flores. O diminutivo vinha da sua pouca idade e aparência física.



O Luisinho das flores, em um dia sem data registada, deixou de aparecer assim como a "velha do chá", o ex- soldado gaseado da guerra 14 e mesmo os ciganos. Ficaram na memória de alguém, para os bem recordar..(Ilídio Mota Teixeira).



O Emigrante, José Malhoa