Eu, que faço parte daquele grupo de homens e mulheres que, segundo ele “ experimenta o fascínio pelo passado que carrega no seu próprio corpo e pela memória simbólica que também vive”, presto, ao professor José Mattoso, a minha homenagem e apresento-lhe a minha grande admiração
Apodero-me das suas palavras, porque ainda não encontrei outras que definam melhor o que penso e o que procuro fazer:
«Outrora praticava-se a genealogia
principalmente para demonstrar glórias familiares. Fazia parte dos processos de
preservação do património simbólico e da defesa do status alcançado.
Exaltavam-se os grandes e ocultavam-se as “ovelhas ranhosas”, cantavam-se os
feitos gloriosos e escondiam-se as bastardias e opróbios, acentuavam-se os
cargos e honrarias e omitiam-se os ofícios subalternos. Ainda há quem,
ingenuamente, continue a praticá-la assim. Mas a opinião pública não perdoa.
Não acusa a ingenuidade mas o ridículo. Hoje não se pode ocultar nada. Sabe-se
que nem a honra nem a vergonha se herdam, e que só o mérito próprio tem algum
valor no mercado social. E para quem pensa um pouco e não está obcecado pelo
sucesso, depressa descobre que a luta pela vida, mesmo quando reprovada pela
sociedade, tem sempre alguma coisa de admirável. Demonstra sempre o mistério do
seu indomável recomeço. Demonstra também que, se a transmissão da posse e do
poder é ilusória, não o é de todo a transmissão do ser. Devemos sempre alguma
coisa aos nossos antepassados. Devemos o que começámos a ser, por muito que
seja nosso aquilo que nos tornámos.
Reconstituir a cadeia dos
antepassados é, portanto, ao mesmo tempo, fazer o reconhecimento ou tomar
consciência da nossa herança genética e cultural, e prestar homenagem àqueles a
quem a devemos. É uma forma de reconhecer a vida que os mortos não deixaram
nunca de semear à sua maneira. É o modo moderno de venerar os mortos, na
esperança de que eles nos tragam a prosperidade, como faziam, com os seus
milenários rituais, as sociedades antigas».
In prefácio de “Dos Leais de Sintra a Colares aos da Região Oeste” de Luís Filipe Marques da Gama, edição da Câmara Municipal de Óbidos.