Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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17 de abril de 2020

José da Graça I ou Outra História com Final Feliz ou Coisas de Tempos de Quarentena e ainda uma breve incursão pelos enjeitados




( O Post publicado antes a que dei o nome de Notícia Verdadeira, por querer pôr o enfâse no facto de a verdade ter prevalecido, não obstante tudo a dar como falsa, e de a voz do povo, às vezes, não reter tudo o que Deus quer, parece que afinal, vai ficar conhecido como o post  dos dois tostões. De facto a obra não é do autor, é de quem lê! -bela e modesta frase, caso não tenham reparado!- Pois que assim seja!
Os valiosos comentários que se seguiram e que vamos ler -cronologicamente por ordem de chegada- por estes dias, não vão ser só para entreter a quarentena, como disse o mais ilustre leitor deste blog, mas, sim, sobretudo, para mostrar que o que não falta é gente, com muito valor, na escrita, na criatividade e no conhecimento sobre Porto da Lage. A esses, que costumam ser sempre muito amáveis comigo e agradecer o que aqui publico, sem querer ser ingrata, só lhes digo que não precisam de o fazer, ninguém tira mais prazer do que eu no que faz. Mas já que tanto insistem, há uma maneira de compensar o que dizem gostar. Retribuam!)





Depois do último post, o meu irmão JJ telefonou-me a perguntar se o Joaquim da Graça seria um dos filhos da notícia. O Joaquim da Graça? Quem diabo era o Joaquim da Graça? Então eu não me lembrava que …. ? E eu: é verdade! Sabem aquelas histórias contadas inúmeras vezes pelos nossos pais e que a gente, enjoada, jura que vai lembrar cem anos que viva, de cor e salteado e com todos os pormenores visíveis e invisíveis? Pois, trata-se de uma dessas, mas as coisas, no final de contas, como vão ver, não se passam bem assim. 







Contava o meu pai que, uma vez em que entrava, a toda a pressa, no pátio lá nos Olivais, onde ele não esperava encontrar, a brincar, as criancinhas Graça, filhas de um trabalhador do meu avô, não sucedeu uma tragédia terrível ficando uma delas debaixo de uma roda de carroça (diz o JJ), do tractor (digo eu) que o meu pai conduzia, por lhe valer o irmãozito Joaquim que, num ápice, corajosamente, se atirou para a frente e a puxou. O Joaquim era, positivamente, o herói do meu pai! A forma viva como ele contava aquilo, o suspense, o ritmo, a cara aflita e resoluta do grande salvador, fazia-nos transportar a todo o drama daquele dia. Eu consigo, ainda hoje, vejam lá, ouvir o grito apavorado do meu pai por cima do barulho ensurdecedor do tractor, que era grande e verde, ao deparar-se com o pequenino à sua frente, prestes a ser esmagado! E depois, sentir o seu alivio e gratidão, quando tudo acabou em bem, graças ao grande Joaquim! Mas qual tractor? o pai tinha lá um tractor em 1950? contrapõe o JJ, era uma carroça, ele trazia, naquele dia, não sei o quê de Tomar!!! Mas como é que se vê alguém ser atropelado por uma carroça, não é primeiro pelo burro, pelo cavalo, seja o que for que puxa? digo eu cuja memória já é toda motorizada? (e depois se há coisa com que eu engalinho é que me desarranjem as memórias, o que com a idade piorou, aquilo não são construções ideais, são já factos, constituem provas, criminais, se for preciso!) Bom, questão em aberto, concluo que ser pai é, de facto, tarefa inglória, esforçam-se eles (e chegou a nossa vez de sermos eles), entre outros esforços, a contar-nos as mesmas histórias milhares de vezes a ponto de nos aborrecer mortalmente, para acabarem, os filhos, a discutir detalhes desta natureza! Mas, ao menos, duas coisas ele conseguiu que persistissem na nossa memória, o ambiente dramático vivido então, como numa canção, em que só ficou a música e a letra há muito se foi, e o Joaquim da Graça, figura que, enquanto foi vivo, o nosso pai nos mostrou, literalmente, ao vivo e a cores, sempre que a ocasião se proporcionava. – Olha quem ele é! – parava o carro, fosse onde fosse, perto ou longe, desde que o visse, o Joaquim não se livrava nem dele nem da própria história! Viu-o a última vez há poucos anos, num quintal da Beselga, onde eu fora tratar de arranjar quem me fizesse um portão de ferro. Estava eu a falar com o artífice em questão quando lhe chega o sogro, era o Joaquim da Graça, que logo me reconheceu, eu, de imediato nem tanto, mas bastou o inicio da história, para reatarmos a nossa amizade, velha de tantos anos, anterior ao meu nascimento!

Mas o telefonema do JJ trazia outra preocupação, sabia ele que a casa do Joaquim se situava no concelho de Tomar e o terreno adjacente em Torres Novas (ou seria o contrário? não interessa) tanto que pagava dois IMI, um a cada município. Mais, como por necessidades familiares o Joaquim se vira obrigado, em tempos, a alargar o espaço de habitação para o referido terreno, morava agora numa casa que fica metade dela em cada um dos dois concelhos! Este meu irmão que, além de saber tuuuuuudo (fosse este um blog de má língua....), é pessoa apoquentada por natureza, para não dizer cismática (não tens culpa, está-te na massa do sangue, uma coisa e outra!) inquietava-se como é que o Joaquim teria gerido a sua vida doméstica nestes dias de proibição de transição entre concelhos! Eu disse-lhe que não se ralasse pois não seria provável que as autoridades o autuassem , até porque não estariam lá, por o homem sair de um concelho, mantendo-se debaixo do mesmo tecto, para ir a outro, dormir ou à casa de banho. Mas, pegando-lhe na deixa, sugeri-lhe que fosse lá a casa, saber como as coisas se estavam a passar, dando-lhe as seguintes instruções: 1.Que não se esquecesse (o mais importante), de lhe dar cumprimentos meus,  2. Perguntar como estava a correr a quarentena inter-concelhos, 3. Tirar a limpo se a roda em questão era de tractor ou de carroça, 4. Saber se o pai tinha comprado a casa por dois tostões. Era tudo e não lhe custava nada. O que ele me respondeu, por não ser bonito, não conto, mas também não adiantou porque não me demoveu. Insisti. Que não, que uma pessoa não se apresenta, por esses motivos, em casa de outra (tretas, tens muito mais lata do que eu!) e, por fim, para me calar (pelo menos, isso, consegui!), que era grupo de risco e não podia sair de casa!

Pelo que, por falta de informação, não posso dizer, aqui, se esta família Graça, também com muitos filhos, cujo pai trabalhou para o meu avô, é a mesma da noticia dos dois tostões! Também não posso afirmar que, por serem Graça, fossem aparentados. Porque, se há apelido, como muitos aliás, que não têm raízes de sangue comuns, este é um deles. Também eu sou Graça e não tenho nada a ver, com estes, por exemplo, ou com outros que tenho encontrado por esse país fora. 




retirado daqui

Mas uma coisa em comum tenho descoberto entre as pessoas com este sobrenome. Temos um antepassado nascido, ou criado como dantes se dizia, em Tomar ou no seu concelho (ou, antes ainda, no seu termo), alguém que foi entregue aos cuidados da Misericórdia e que, em Tomar recebia o apelido da sua patrona, Nossa Senhora da Graça. No meu caso um Vasco, entregue na roda da Misericórdia de Lisboa, com a indicação de ter nascido em Sacavém (que se chamou Vasco, por, no dia em que chegou, o “livro de entradas” ir na letra V), depois entregue a uma ama de leite da Pedreira, Tomar (a “base de dados” das amas da  Misericórdia de Lisboa estendia-se por toda a antiga Extremadura até à fronteira, singular como aquelas mulheres se punham em Lisboa, a buscar as crianças, em menos de dois dias, sem contar que alguém as teria que ter avisado!) e, a partir dele, se formaram os Graças de que faço parte. Muitos mais há, um famoso é Fernando Lopes Graça, filho de um exposto, criado na Longra, freguesia da Beselga. Por isso, em Tomar, dantes se dizia, à boca pequena, tão pequena que se perdeu o dito (já quase ninguém o conhece, quando o proferi, há tempos, perante um Graça, mais novo que eu, muito ele se ofendeu, e põs-me no meu lugar declarando-me que, eu que falasse por mim, pois ele era filho e neto de gente muito bem casada!), mas tive a compensação de ter encontrado, há muitos anos, em Lisboa, a Teresa Graça, que o sabia por o seu pai ter remotas origens em Tomar, o que nos fez aproximar e ficar amigas até hoje “Graça é nome de Enjeitado”. (MFM)

Nota: já depois de ter escrito fiquei a saber que o Joaquim era filho do João, não do José da Graça. Eram três os irmãos Graça: José, o da casa dos 2 tostões, João (que trabalhou muitos anos para o meu avô, tendo o filho mais velho nascido nos Olivais) e Manuel, todos nascidos lá por inicio de XX, no Paço da Comenda  filhos de um ferroviário, cujo nome não apurei, e de mãe chamada Ludovina.