De como a Vila de Thomar e seu Termo alcançou um Médico
(em cinco actos e três anos)
1- Da deliberação
Nesta[sessão da Câmara de 28 de Maio de 1788] ,foi proposto pelo Procurador do Concelho, que sendo da obrigação da Câmara prover no bem público, e sendo a saúde o negócio mais interessante ao mesmo público, se achava esta Vila e seu Termo em grande precisão de ter um médico, e ser ele obrigado e pronto para acudir a todos, quando for chamado e, porquanto, de 2 que há na terra, além de nenhum deles ter partido do público, se acham ambos quase inválidos, pela sua idade, para satisfazerem e ocorrerem à dita necessidade, além de se achar deles, o mais hábil. ocupado com o partido do Convento de Cristo; e porque considerada a diferença dos tempos, o partido de 60$000 réis, para que há Provisão de Sua Magestade, não é hoje bastante para que esta Vila consiga um médico hábil; e que, portanto, devia ter aumento o tal partido antigo, e requerer-se para isso Provisão a Sua Magestade; o que agradou logo, e pareceu justo a todo o Corpo da Câmara, assentando todos que aos 60$000 réís antigos se acrescentassem mais 100$000 rêis, Fíntado, no lançamento das sisas, e que, para isso, se recorresse a Sua Magestade. E se mandou passar Certidão disto e da Provisão do Partido Antigo.
2- Da adjudicação e deveres do dito.
Na Sessão de 23 de Janeiro de 1789, sendo mandados entrar o Juiz do Povo e homens da Governança do Povo, para lhes propôr a deliberação tomada por este Senado acerca da eleição e aceitação do médico para o Partido desta Vila e seu Termo, lhes foi dito que pela necessidade e precisão em que estava todo este Termo de um Médico que fosse obrigado a acudir às necessidades e enfermidades do Povo, se tinha solicitado e conseguido de Sua Magestade faculdade para estabelecer 160$000 réís de partido para um Médico, e que, tratando-se da sua eleição, não achava a Câmara outro hábil em quem se provesse o dito Partido mais que o Bacharel João José Leite de Mesquita, que se oferecia aceitá-lo com as condições seguintes:
1.º - Que toda a despesa feita para se alçançar a dita Provisão para o estabelecimento do seu partido seria por conta dele, e se descontaria no seu ordenado do seu primeiro ano.
2.° - Que dentro deste primeiro Ano, contado do dia da sua posse, poderá ele ser despedido pela Câmara desta Vila, e privado do dito Partido, para os anos. seguintes, sem que para isso seja necessário cousa alguma mais do que não gostar dele, pelo livre arbítrio da mesma Câmara, e do Povo, nela igualmente representada.
3.° - Que passado o dito primeiro Ano, não será despedido senão faltando ele a alguma das seguintes condições:
III - Que ele será obrigado a toda a hora a que for chamado ir ver qualquer doente desta Vila e seu Termo, e se não demorar com o pretexto a obrigação alguma acerca da paga, porque deve ir logo que for chamado, e feita a cura, e somente então poderá demandar o mesmo pagamento quando as partes voluntàriamente lho não satisfaçam, e que neste pagamento não excederá nunca os usos e costumes desta terra.
E que, nestes termos, parecia bem à Câmara que se aceitasse o referido Médico, o que lhes propunham, para ouvir a sua deliberação; o que sendo ouvido pelos ditos homens da Governança do Povo, uniformemente declararam que eram contentes desta Providência e eleição da Câmara, por cuja razão se mandou entrar também o referido Médico; o qual, sendo-lhe lido todo este Auto, respondeu que aceitava o Partido que se lhe oferecia, debaixo de todas as condições acima escritas, às quais se sujeitava. E pela referida forma assinaram todos com os referidos Camaristas e eu, Mateus Rodrigues de Castro, o escrevi. Sequem-se as assinaturas dos Oficiais da Câmara, do Médico Dr. João José Leite de Mesquita, e as seguintes dos homens da Governança do Povo : Francisco José, Juiz do Povo; Fragoso; José dos Santos; Sebastião Avelar; Manuel Álvares; José de Almeída; José Lourenço; Manuel Jacinto; Francisco da Silva; António Henríques; Manuel Nunes: e Carlos António.
3. Da renegociação
E por se considerar nesta Vereação, por uma parte, a necessidade e interesse público que resulta a esta Vila e seu Termo do estabelecimento e existência do dito Médico e Partido; e por outra parte, porque o dito Bacharel João José Leite, no tempo que tem assistido nesta Vila, tem dado manifestas e grandes provas, não só da sua habilidade médica, e caridade e prontidão no cumprimento das obrigações do seu ofício, mas também do seu honesto e louvável comportamento, como cidadão: Acordaram e resolveram nesta Vereação que o referido Médico fique isento da dita condição da sua aceitação, que é a segunda do Auto em vigor, para que, daqui em diante, não possa o dito Médico ser expulso e despedido do dito Partido, sem justificação de causa legítima.
4- Da contratação
: (seguem-se 68 assinaturas, 65 pró e 3 contra).
Em 12 de Maio de 1791 a Rainha D. Maria I confirmou a eleição da Câmara para Médico do Partido da Vila e seu Termo do Dr João José Leite de MesquIta com o ordenado de 160$000 réis por Ano.
Fonte: livro dos Acórdãos Camarários de 1785 a 1788 e livro dos registos camarários de 1784 a 1802, em AMT pags. 261 a 301, vol. 1770 a 1800.
Ilustrações (de cima para baixo):
Caricatura de Thomas Rowlandson (1756, 1827)
Desenho de John Millar Watt (1895, 1975)
Quiring Gerritsz van Brekelenkam (1625,1668), médico visita velha.
Jan Steen, visita de médico, 1662
Jan Josef Horemans, o Velho (1682-1759)
Constant Desbordes Dr. Alibert inoculando a vacina contra a varíola, 1800
Louis Hersent Marie Francois Xavier Bichat 1771-1802 dying surrounded by the doctors Esparon and Philibert Joseph Roux 1780-1854
Geirnaert Theodore Josep Louis O médico hungaro 1836
Jan Steen, visita do médico, 1660
Caricatura de Thomas Rowlandson (1756, 1827)