Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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14 de novembro de 2016

Porto da Lage e a onda laranja


Nota Prévia: Os factos abaixo referidos como ocorrentes em Porto da Lage foram-me contados; como não os fui confirmar junto dos protagonistas,esta,pode ser, eventualmente, uma narrativa ficcionada, o que, em vernáculo, quer dizer que vos posso estar a impingir, embora não propositadamente, uma grande aldrabice. Nada,porém, me deixaria mais feliz,pois provaria que a terra do meu avô continua a ser habitada por gente civilizada, respeitadora do próximo e das leis do país. Levar-me-ia, também, a pedir, para além de  desculpa aos visados, a sua compreensão e a de todos os outros, para esta minha tentativa atabalhoada de mostrar que não há nada  que se passe no Universo que não se passe também nas nossas pequenas vidinhas. (MFM) 



Os americanos (do EUA), condenados a escolherem entre um burgesso malcriadão e uma senhora com boas maneiras, escolheram o primeiro.

Como diria o portuguesíssimo Raul Solnado: Gostos!
Eu, cá por mim, concordo, até porque a respeito de gostos americanos percebo pouco e do que conheço, francamente,não tenho lá grande opinião. A diferença entre os dois candidatos, tirando a que saltava à vista, que reconheço ser alcançável ao longe, via-se muito mal ao perto. Mas isso digo eu que reconheço as minhas limitações oftálmicas. Porque, sendo desempoeirado e jovem, independente da idade cronológica, o pessoal bem pensante não precisa de óculos, pelo que se   fiou no que viu, viu o que quis e concluiu e julgou como é seu costume e como sempre. Porém, os americanos, coitados, já agora que-tinham-que-ser-eles-a-votar não é? são capazes de ter olhado com mais atenção, verificado que a senhora não valia o esforço de se portarem bem e resolveram abandalhar tudo, assim estilo, o que é que a gente tem a perder, é prá desgraça é prá desgraça. E pronto, o orange sempre é o new black e a ver vamos,esperemos que não como o cego.
Mas não foi para isto que eu cá vim.  O que me aqui trás são as interpretações/conclusões deste grande episódio ocorrido no país mais poderoso deste nosso belo e único planeta e compará-las com, calculem lá, compará-las com o que se passa na nossa rua,quer dizer, com a nossa querida PL. 
Voltando ao energúmeno, o homem, percorrendo direitinho todos os passos e regras a que era institucionalmente obrigado, lá foi ganhando tudo e a todos e no fim, declarado vencedor. Acabou, está feito, é o presidente. 
Os analistas, comentadores, gente que gosta de falar e mais de se ouvir and so on, afligidos com esta da coisa não encaixar com coisa nenhuma e muito menos com as suas doutas previsões, toca de arranjar justificações entre as quais destaco a impreparação da larga maioria dos eleitores da criatura. Segundo eles, aquela foi eleita por gente, coitada temos muita pena, mas que não sabe o que faz e não sabe porque é rural,  é velha e pouco instruída. 
Eu, que não me choco com a vitória do homem (dos americanos do norte, e, já agora, também do sul, francamente já espero tudo) fico aterrada com observações destas! Iguais às do nosso ditador de serviço durante quarenta anos, quando considerava os portugueses incapazes  de viver em democracia, às dos regimes totalitários inimigos do que chamam democracia burguesa e até de incontestados e incensados revolucionários domésticos, e cito um, no caso uma delas, heroína da República Ana de Castro Osório, que considerava que a maioria das mulheres portuguesas não estava suficientemente educada para votar em consciência pois sendo maioritariamente analfabetas, politicamente incultas, dominadas pelo obscurantismo do preconceito e influenciadas pelo conservadorismo religioso, o seu voto seria contrário e prejudicial à República. E ia mais longe, considerando a maioria dos maridos, republicanos entenda-se, muito permissivos pois permitiam[repare-se no permitiam] que as mulheres continuassem a praticar a religião católica sem entraves e a educar os filhos nessas crenças!  (1)
Para além de preconceituosas e nada democráticas, aquelas afirmações carecem de ser provadas, pois não se afigura real que estes velhos, ignorantes e rurais tenham surgido na América apenas nos últimos oito anos e não tenham impedido a última eleição sabe-se em quem (pelo contrário, muitos condados que elegeram Obama, votaram agora republicano) e, por outro lado, cá no burgo assistiu-se à insistente eleição para presidente da Câmara em um condenado pela justiça, precisamente num concelho cuja população é, maioritariamente, superiormente instruída.
Mas, centremos-nos, finalmente, em Porto da Lage. Já aqui falei neste assunto  há três anos e, aparentemente, continua tudo na mesma. A Associação Cultural e Recreativa de Porto da Lage (salvo erro é este o nome oficial) herdeira do Grémio e do Clube que lhe sucedeu, de tão cara e nostálgica memória aos portalegenses que viveram os períodos de ouro daquela colectividade, está fechada há anos. A última direcção eleita, cujo mandato cessou há muito (ao que ouço dizer), para além de não abrir as instalações e não promover iniciativas (o que posso testemunhar) também não promove eleições (também oiço dizer). Há, ou havia há três anos, interessados em candidatar-se à direcção, os comentários do post anterior provam-no, mas eleições nem vê-las, ao que me dizem. 
Segundo pessoa neutra no processo me informou, a  direcção cessante não promove eleições porque "já sabe quem vai ganhar" e não quer que essas pessoas "para lá vão, pois não inspiram confiança no sentido de acautelarem a preservação das instalações, dos equipamentos e mobiliário e, sobretudo, do espólio", quer dizer, não põem em causa qualquer programa ou estratégia futura dos candidatos, temem simplesmente pelo  comportamento  físico deles, em suma, têm medo não que estraguem, mas que destruam tudo! 
A serem verdadeiras, quer as afirmações daquela direcção quer as suas apreciações acerca dos candidatos à mesma, estes não passam de uns verdadeiros selvagens (conclusão e léxico de minha autoria)! 

Tratam-se, porém, de selvagens sócios da Associação (de outro modo não aspirariam a serem candidatos), pelo que, dispensando-me de perguntar como atingiram tal posição (também me contaram não ser fácil ser aceite como sócio), a menos que os estatutos prevejam a inelegibilidade de pessoas abaixo de um determinado grau civilizacional (o que não me espantaria dada a sensatez e cautela dos portalegenses mas que seria inédito, até as constituições mais avançadas, a dos E.U.A. por exemplo, dispensam essa restrição), pois, a menos que isso aconteça só estou a ver uma forma de impedir seres destruidores de cadeiras e frigoríficos de fazerem parte da futura direcção da Associação: Não votar neles!
Qualquer outra escolha é  anti-democrática, retrógrada e conducente a excessos, pior que deixar partir portas por desleixo e ignorância, é proporcionar que elas sejam partidas à pedrada por revolta nascida da injustiça.
Considerar que selvagens vão ganhar eleições e por isso impedi-las é desconsiderar uma maioria que os apoia e que lá terá as suas razões.Temos o direito de impedir essa maioria de votar? Quem somos nós para menorizar alguém no seu direito individual de escolher? Democracia é mais do que uma palavra e, com todos os seus defeitos, temos muito que aprender com a América.

A ser verdade tudo isto que me contaram, apelo à distinta direcção cessante, que desconheço, que ponha os olhos naquela grande nação, promova eleições e aguarde serenamente. Os grunhos, de modo geral e em conformidade com a ordem natural das coisas, nunca vencem. Mas se, também aqui, o mundo resolver desgovernar-se e ganharem, se a América e o resto do mundo aguentam, o que é que Porto da Lage tem a menos que eles? (MFM)




(1) Ana de Castro Osório defendia o voto apenas para as mulheres instruídas, economicamente independentes e politicamente esclarecidas. No entanto, outra distinta repúblicana, Maria Veleda,  opunha-se, para ela as mulheres, ricas ou pobres, intelectuais ou analfabetas, deviam votar em igualdade de circunstâncias com os homens, pois não se compreendia que a ignorância e o analfabetismo fossem invocados para restringir os direitos cívicos e políticos das mulheres e não os dos homens