Vou-vos contar uma história passada num país muito velho, improvável e pachorrento onde cada um trata da sua casa o melhor que pode, com limpeza, eficácia e rapidez, mas, no que diz respeito à coisa pública, se faz muito pouca coisa útil e quando se faz é com muito custo e demora porque "as coisas não são assim", "tudo tem a sua complexidade e precisa de ser estudado", é necessário que a ideia seja minha porque se for do vizinho não presta e é mais importante perder tempo a brigar com ele do que avançar com o que importa a todos, e as mais das vezes não há dinheiro e quando há, e depois de parte passar para os bolsos de quem não devia, é preciso atravessar pântanos de paroquianismo, drená-los, contentar cada abadia com um bocadinho do bolo e, por fim, constatar que as partes depois de somadas são uma manta de retalhos, curta e que não aquece ninguém. É, em suma, assim e pronto. Se queriam melhor não tivessem inventado O Milagre de Ourique, Alcácer-Quibir, o fado e quejandos. Ah, ia-me esquecendo, a populaça não é parva, sabe com o que conta, isto é, não conta com nada nem com ninguém que faça alguma coisa que seja para seu proveito. Por isso, ai de quem, Deus Nosso Senhor o defenda, faça algo que não corra mal, que, helas!, faça bem feito o que devia. Está desgraçado. Ou é herói ou sobe aos altares ou perde-se a si mesmo. Se não morrer, evidentemente, que não é coisa que se deseje a ninguém, mas que dá a garantia de se viver para sempre. Como sucedeu com o da história que segue. (MFM)
Era uma Vez ...
Há muitos, muitos anos, corria o ano XL do sec. XX, numa cidade atravesada por um bucólico riosinho e sombreada por altivo castelo, corriam há muito as obras na ponte "viam suceder-se os Invernos sem que os trabalhos lograssem convencer da sua própria conclusão....eram muitos e justificados os queixumes que de toda a parte nos chegaram pedindo-se remédio urgente para tão momentoso assunto pois ...ninguém ignorava os prejuízos e transtornos que tal estado de coisas causava à vida da cidade , designadamente ao comércio local e à importante freguesia de Santa Maria dos Olivais ..."
Estava assim a população aperreada num "pesado cativeiro" (ler abaixo) sem se poder movimentar devidamente entre as duas margens, quando um dia, perdão, uma noute, precisamente pelas nove horas de uma noite de Outono "parou junto dos taipais do lado norte da ponte um automóvel donde rapidamente se apeou o sr. Engenheiro Duarte Pacheco ilustre titular do Ministério das Obras Pública e Comunicações ....que não se deteve em considerações estéreis procedendo logo à inauguração da ponte sobre cuja faixa de rodagem ainda se encontravam uma série de utensilios e de cantaria e ordenou portanto a destruição imediata dos tapumes que há muito estavam pondo à prova a resignação dos tomarenses.... a boa nova correu célere e dentro de poucos minutos uma multidão entusiasmada invadiu a ponte ajudando - sabe Deus com que íntima satisfação - a arrancar a malfadada vedação que durante tanto tempo se afigurou à cidade como as peias de um pesado cativeiro ....E por fim ... toda a gente que tinha assistido empolgada à inauguração da ponte não pode evitar um movimento institivo de alegria e gratidão coroando tal acontecimento com uma expontanea e vibrante salva de palmas..." (extractos retirados da notícia do jornal abaixo mencionado)
Eis, mais uma vez, o povo no seu melhor! Verdadeiro herdeiro daqueles que ajudaram e aplaudiram delirantemente quem matou o conde de Andeiro, Miguel de Vascondelos e, nos nossos dias, ....
A ponte depois das obras. |
Eng. Duarte Pacheco (1900-1943) "Pessoa eminentemente prática e de acção cuja interessante personalidade se caracteriza por uma robusta capacidade de trabalho e por um dinamismo que há muito o impuseram à consideração do país como um dos primeiros ministros da Revolução Nacional ..." |
Jornal "Cidade de Tomar" 6-10-1940 |