Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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5 de março de 2022

Perplexidade





Oh Laurindinha,
 vem à janela.
Ver o teu amor,
que ele vai p'ra guerra.

Se ele vai pra guerra,
deixá-lo ir.
Ele é rapaz novo,
ele torna a vir.

                        (Popular)






Durante séculos, todos os séculos que nos precederam excepto os últimos setenta e cinco anos, a guerra fez parte da vida dos europeus ocidentais - era uma coisa tão real como qualquer outra que existia entre o nascimento e a morte de cada ser humano.  Contavam com ela, preparavam-se para ela, preveniam-se dela, rezavam para que não começasse, para que se mantivesse longe, para que acabasse. 

Depois, deixámo-nos disso, a paz passou a ser um direito, direito inquestionável como todos os que nos habituámos a desfrutar e todos aqueles que nos preparávamos para inventar. Passámos a ser pacifistas acreditando que tínhamos paz por causa disso, esquecendo que só a tínhamos devido aos lados contrários que mandam neste mundo possuírem cada um  armas atómicas. 

E não é que ignorássemos as guerras que ininterruptamente nasciam e continuavam sobre a Terra, as guerras "normais" dos nossos tempos, aquelas a que estamos habituados e sobre as quais temos sempre na ponta da língua as nossas abalizadas opiniões, as nossas verdades e os nossos culpados do costume. As guerras que têm como razão dissensões civis, regionais, religiosas ou étnicas que se costumam passar em locais remotos, nem sempre fisicamente longe, mas sobre os quais nada sabemos nem nos interessamos, até mesmo na Europa mas que já foram há mais de trinta anos, onde é que isso já vai, e eram nos Balcãs "entre eles" e "lá com eles". E aquelas que são causadas pela retaliação e invasão por parte de grandes potências devido a ataques que lhe foram feitos e as provenientes da eterna disputa de territórios de que a gente já nem se lembra de como principiaram, como entre a Palestina e Israel. 

Mas esta semana chegou a guerra. A Guerra porque sim, porque um império resolveu invadir injustamente um vizinho mais fraco que não alinhava consigo e cujo espaço ambicionava, como aconteceu nas duas guerras mundiais do sec. XX, como aconteceu com Napoleão e como sabemos ter acontecido ao recuarmos por essa história além. E ficámos sem palavras, sem justificações (os comentários do costume parecem gastos e sem sentido) porque as receitas velhas não se adequam.

Há dois anos a Pandemia deixou-nos chocados pela surpresa, tal o credo que professávamos com toda a fé, de que era uma questão de tempo até a ciência e o progresso tecnológico   nos fazerem vencer a própria morte.

Hoje, esta guerra que escapa a todas as explicações conhecidas, causa-nos, digo-o consciente do abalo que posso causar às almas sensíveis, mais perplexidade que horror. 

Talvez tenha chegado o tempo de abandonarmos as nossas verdades e recomeçarmos a ter dúvidas. (MFM)