Um leitor, e comentador habitual deste blog, lança um repto aos amigos do seu tempo, a partir do excerto de uma crónica de Vasco Pulido Valente (em baixo).
"Porto da Lage" está à disposição para colorirem como entenderem:
Amigos do meu tempo
Seria assim? Recordem-me que não lembro disso; se é um historiador que o diz, devo ser eu que estou a perder a memória antiga. Uns tendem a cor-de-rosar o “nosso tempo”, outros acinzentam-no.
Henrique Carmona da Mota.
Henrique Carmona da Mota.
Com 30 anos no “25 de Abril”, não me esqueci depressa do que era a vida nessa altura. Não falo da esquálida miséria do campo, que numa região rica a uns quilómetros de Lisboa, em que as pessoas trabalhavam o dia inteiro, envelheciam depressa e morriam de qualquer maneira, sem diagnóstico e sem assistência. Como não falo da província – do Minho ao Algarve – onde o horror se tinha tornado a normalidade. Na falta de uma experiência directa, seria um impudor.
Mas não me importo de falar da classe média (de resto privilegiada) em que nasci: e posso dizer que a pobreza contaminava tudo. O que se vestia, o que se comia, o que se fazia, o que se pensava. Mais do que na gente que mandava no Estado e no cidadão comum, a tirania estava, como dizia o outro, na necessidade de poupar, na privação perpétua da frivolidade e do prazer, no mundo imóvel e sem saída, que pouco a pouco se tornava numa prisão a céu aberto. As dores de crescimento num liceu de crianças caladas, que muito manifestamente esperavam o pior e, a seguir, numa Faculdade, que se destinava a premiar os filhos de família e a submissão, não levavam a uma descoberta ou sequer a uma aprendizagem, no seu melhor levavam a uma espécie de punição que moía e predispunha à desistência e ao cansaço.» VPV