O ouro do Brasil; o esbanjamento de D.João V; os coches doirados enviados ao Papa; as casacas de brocado e cetim bordados a ouro; Mafra e as procissões. O Marquês e o suposto desenvolvimento; o "meter na ordem" o jesuíta e o nobre incapaz. A rainha louca e o "reviralho".
O colchão dentro do toucado
Eis os clichés do século XVIII. Todos criados no século que se seguiu pela classe que se seguiu - a burguesia engrandecida naquele século, que tratou de acabar com um mundo, separarando eficientemente cabeças dos respectivos corpos, produzindo brutalmente, com carvão, vapor e milhões de horas de trabalho de ex-camponeses, outro mundo. O que conhecemos. Com cidadãos nascidos iguais, com os mesmos direitos, com bem estar. Por quanto tempo?
A burguesia, a fonte maligna da riqueza e de todos os males e a fonte benigna dos nossos princípios e da nossa democracia, dependendo da ideologia de quem vê, foi sempre incipiente em Portugal, tal a vontade que sempre teve de subir ao patamar seguinte. Era a forma de se sentir respeitada, pois parece que o tuga teve sempre o seu fraquinho pela fidalguia e vontade de ridicularizar quem se queria "agigantar" através do subir na vida por meio do trabalho.
Eis um exemplo, da "middle-class" achincalhada nos seus hábitos de imitação da nobreza:
O colchão dentro do toucado
Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a Mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.
A filha, moça esbelta e aperaltada
Lhe diz co´a doce voz que o ar serena:
“Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena!
Olhe não fique a casa arruinada …”
Lhe diz co´a doce voz que o ar serena:
“Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena!
Olhe não fique a casa arruinada …”
“Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?” E dizendo isto,
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?” E dizendo isto,
Arremete-lhe á cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.
Eis senão quando (caso nunca visto)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.
Nicolau Tolentino de Almeida (1741-1811)