Mário Laranjeiro fez um comentário muito pertinente e justo, em A Escola em Porto da Lage. Mas, ele que me perdoe, de tudo o que disse o que mais me prendeu e traz agora aqui, é a referência a João Pereira da Mota. Quem ainda o recorda, lembra-o como um homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal.
“Dizia que só se devia levar azeitonas pequenas e pão duro” para a merenda nas fazendas porque “as carnudas e pão mole eram apetitosos e obrigavam a comer mais”, contam-me também “vi-o uma vez, no lagar, atirar-se para debaixo de uma talha, maior do que ele, que se desequilibrou, em vez de fugir como os outros; em jeitos de ficar esmagado debaixo dela, parecia que preferia morrer a perder uns litros de azeite”. Para os netos, o seu amor ao trabalho, só suplantado pelo amor a Deus, ainda hoje faz recomendar aos amigos, enfastiados e de mal com a vida, “que endireitem pregos”, pois era o que o avô fazia quando não lhe era possível, devido a qualquer diluvio portalegense, sair para cuidar das terras e mesmo debaixo de telha também já não arranjava nada para fazer. Pegava então na velha lata, onde, preventivamente, guardara os pregos usados e aleijados que ia encontrando, munia-se do devido martelo e lá se punha, contrariado, a descansar, endireitando os pregos para estarem prontos a servir, de futuro.
Gostava de ler e escrever, escrevia diariamente na sua agenda e lia, aos domingos depois da missa, o “Cidade de Tomar” e os “Século” dos dias atrasados, que o irmão Henrique lhe mandava. Aprendera na escola da Madalena para onde se dirigira a pé, em menino, todos os dias durante quatro anos. Presava o saber como a coisa mais importante que alguém podia adquirir, lembrando que já o seu pai Augusto dizia que era preferível ter menos uma oliveira e dar letras aos filhos, e até as raparigas mandara à escola. Por isso, João Pereira da Mota quisera que a sua terra, Porto da Lage, tivesse uma escola. E arranjara de propósito um terreno para isso. Como não possuía terras em lugar adequado ao efeito, eram nos confins dos Olivais, ou nos Gaios e nas Sobreiras, e ele queria que fosse em Porto da Lage, conseguiu aquele terreno por troca com um familiar e ofereceu-o à Câmara para que nele fosse construída a escola. Como as homenagens não lhe importavam para nada, até o incomodariam, nem na época, nem depois, houve alguma vez menção oficial ao caso e, sem registos públicos, nunca mais ninguém se lembrou que Porto da Lage devia a escola aquele homem simples, honesto, trabalhador e muito frugal. (MFM)
Mais uma bela recordação de um membro de uma ínclita geração de portalagenses; as duas fotos não ficam atrás – o patrão a cavar ao lado do jornaleiro – só o chapéu os distingue. Castello Lopes ou Benoliel nos Olivais.
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