Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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26 de abril de 2015

Henrique, o Primeiro.


Uma das "histórias" da origem de Porto da Lage que a tradição oral conta é que a estação de Paialvo ficou localizada no local onde está por o proprietário da Quinta de Porto da Lage ter oferecido a quinta,  numa versão, ou parte da quinta, noutra, para que nesse terreno fosse erguida a estação, obtendo como contrapartida o cargo de chefe da mesma estação para o filho.


Archivo Pittoresco, 1858, pag. 265
Nas pesquisas que fiz na REFER, nada encontrei sobre isso (1).
Mas confirmo que Henrique Maria de Sousa, o tal filho de João Manuel de Sousa, foi chefe da estação de Paialvo. Parece mesmo que foi chefe antes sequer de haver estação, pois em 1 de Janeiro de 1864 foi baptizado Henrique, filho de Manuel Vieira Adão e Rosa de Jesus, do Corujo e o padrinho é, nem mais nem menos, este Henrique Maria de Sousa intitulado ali "chefe da estação de Paialvo", isto quando a linha do Norte, mais precisamente o troço Entroncamento - Soure, é inaugurado apenas em 22 de Maio desse ano! A  propósito de baptismos, sugiro a quem se chama Henrique, na freguesia da Madalena, que investigue se na origem da escolha do seu nome não está este senhor que era danado, salvo seja, para ser padrinho de Henriques, os quais, por sua vez, terão sido padrinhos de outros afilhados e daí o nome se ter perpetuado na freguesia.
Pois este nosso "chefe da estação de Paialvo" terá permanecido no cargo até 1871, data em que deixa de ser mencionado desta forma nos registos paroquiais, voltando a ser "proprietário", como era designado antes, até 1883, último ano em que se ouve falar de Henrique Maria de Sousa na Madalena. Voltei a encontrá-lo em 1893, era ele "aspirante das alfândegas" e residente na cidade do Porto, numa escritura em que vende, juntamente com o irmão e as irmãs, uma casa em Porto da Lage, "perto da estação", a Faustino dos Santos de Porto Mendo. Nascera em 25.11.1838, constava como solteiro e foi o último descendente, a viver em Porto da Lage, do Desembargador Raimundo José de Sousa, era irmão do Dr.João Maria de Sousa (MFM)
Actual Estação de Santa Apolónia, Archivo Pittoresco, 1866, pag. 1 


(1) Como sabem, a antiga CP dividiu-se, numa destas iniciativas governamentais não sei de que governo, eles são sempre o mesmo, para fazer face aos novos tempos e aos novos desafios, deve ter sido isso, em duas empresas: a CP que gere os comboios e a REFER as restantes infraestruturas, as linhas e as estações genericamente. Quando dividiram "os trapos" dividiram tudo, incluindo os arquivos sendo que, segundo me dizem, a velha CP,quando tudo estava à sua guarda,  tinha tudo organizado e disponível para consulta. Quando tentei saber onde procurar  informações sobre a formação da Linha do Norte em geral, e da Estação de Paialvo em particular, a REFER apenas tinha no seu site uma alusão ao 150.º aniversário do inicio dos caminhos-de-ferro que ocorrera, salvo erro em 2006 e mais nenhuma referência histórica fosse a tempo ou a lugares. Como, pelo contrário, a CP exibia uma morada e horários de abertura ao público do seu arquivo, lá fui eu numa jornada que me ficou marcada na memória pelo esforço escalatório a que me obrigou. Ficando na Calçada do Duque e podendo eu lá chegar de duas formas, em vez de descer subi, e sendo a morada pretendida numa ponta, não deixei nenhum centímetro da calçada por ascender (não é galicismo, confirmei) naquela tarde de forte Verão. Chegando lá acima, contentíssima comigo como será de calcular e quase morta de cansaço, deparei-me com uma senhora muito simpática que, depois de me deixar sentar, me disse que o que eu queria existia sim senhor, mas já não estava na posse da CP, tudo seguira para a REFER, tanto quanto sabia estava num armazém na expo e não disponível ao público, contactos não tinha, mas alguém lá do arquivo tinha um e-mail de outro alguém que se transferira juntamente com o espólio e fez o favor de mo dar. O meu correio para o tal e-mail teve como resposta uma inquirição completa sobre a forma como eu o conseguira, coisa a que me recusei a responder; eu tenho-me por pessoa grata e quem me dá uma cadeira em certas circunstâncias da minha vida é como se desse o cavalo ao outro senhor que o trocava pelo reino. Passado este capítulo e tendo sido aceite que as minhas intenções não eram espiar as secretas maquinações da empresa, que eu nem sonhava existirem mas passei a suspeitar, quiseram saber ao que eu ia, ao que, depois de me mandarem esperar vários dias, responderam que não era ali. Então era onde? Deram-me as relações públicas. Que sim, iam tratar do caso, responderam as ditas relações, mais um mês, nenhuma resposta. Aquilo havia de ter tutela, pensei, fazem greves logo têm tutela, fui-me ao site do governo, descobri a Secretaria de Estado que havia de mandar alguma coisa nos senhores das linhas férreas e apresentei a devida queixa, anexando os mails do percurso da minha cruz ferroviária até àquele momento. Dia seguinte, um mail de uma senhora para eu ir à sede da REFER explicar o que queria. Disse-lhe que agradecia mas a minha vida não era aquela, tinha mais que fazer e o que eu queria estava por mais evidente. Iria, sim, mas ao local onde estivessem os documentos que eu desejava consultar. Eu que dissesse o que queria exactamente que ela ia buscar. Mas se eu não sabia exactamente o que havia, como lhe poderia pedir? -Então se a senhora não sabe o que quer porque é que nos anda a incomodar? Anexei o edificante diálogo e reenviei-o para o Secretário de Estado. À tarde, novo e-mail de outra senhora dizendo-me que teria à minha disposição para quando eu quisesse, tudo o que lhe fosse possível encontrar sobre a Estação de Paialvo. E assim cheguei à sede da REFER que, para quem não saiba, eu não sabia, fica no edifício da estação do Rossio, sim, aquele neo-manuelino, onde, para se entrar se precisa de ultrapassar cento e cinquenta seguranças e correspondentes "pórticos" (está muito além da minha compreensão o motivo de tanta segurança em certas empresas, sobretudo nas deficitárias, nem ouso imaginar do que se querem proteger) e lá me esperava em cima de uma secretária de uma senhora (penso que engenheira de obras, nada que tivesse a ver com arquivos), um maço de documentos referentes "ao alargamento da estação de Paialvo em 1929". Fora o que a boa-vontade da senhora conseguira. O processo, bastante completo, ia desde a publicação no diário do governo da necessidade da expropriação até à correspondência, um a um, com os expropriados e respectivas negociações. Notável na resiliência e persuasão é Ana de Sousa Rosa viúva de Manuel Escudeiro, que consegue, depois de meses batalhadores, que lhe paguem terrenos de mato, herdados do pai, ao preço de outros, agrícolas, com o argumento de que iriam servir para o mesmo. Felizmente este processo continha a planta original do troço da linha férrea entre os quilómetros 119 e 120 da linha do Norte, datada de 1859. Pedidas cópias, consegui aquela planta de localização que indica meticulosamente os  terrenos por onde a linha virá a passar, entre os quais está indicada a Quinta de Porto da Lage e mais fazendas dispersas, pertencentes ao dono da quinta e a outros proprietários. 
Pude concluir, desta minha aventura, que a Quinta não era a exclusiva proprietária dos terrenos na área onde se localiza a estação e, o que eu queria fundamentalmente saber, não havia qualquer malha urbana por ali. Apenas se pode ver uma edificação. Do processo de expropriação dos terrenos nada consegui, pelo que não pude confirmar se João Manuel de Sousa, o dono da Quinta de Porto da Lage teria oferecido algum pedaço daquela à Real Companhia dos Caminhos de Ferro, muito menos a troco de quê.

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