Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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2 de junho de 2021

La Chair Anglaise


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… Em Inglaterra os porcos engordam na ceva do arsénico. Que fibras de raça aquela! É que a carne dum bretão diverge muito da carnadura da restante Europa. O antropólogo Topinard observou que a mortandade nos hospitais ingleses, em seguimento às operações cirúrgicas, era muito menor que a dos hospitais franceses. O sábio Velpeau, consultado pela Academia de Medicina, respondeu que «la chair anglaise et la chair française n’etaient la même». E não dá a razão da diferença, porque a não sabia o grande biólogo. Eu, na observância do ditame do Espírito Santo, pela boca do Eclesiástico — «não escondas a tua sabedoria» —, elucidarei o sr. Velpeau. A razão, a científica é esta: emborcações de bebidas ácidas, e mormente de cerveja, combatem, como coadjuvantes do ácido fénico, a gangrena; ora, o inglês, abeberado de cerveja, é refractário à podridão dos hospitais. Como se vê, desta causa tão óbvia um antropólogo é capaz de espremer assunto para volumes recheados de coisas abstrusas sobre etnografia, climatologia, morfologia, mesologia, o diabo.

Além da cerveja, a fibrina do porco, saturado de arsénico, entretecida na fibrina do inglês seu compatriota, faz dele um Mitrídates para os sais de chumbo diluídos no vinho do Porto*.
O inglês não pode morrer por ingestão alcoólica. Se quer suicidar-se com instrumento líquido, tem de asfixiar-se, afogar-se no tonel como o lendário lord. Ele é imortal, absorvendo; e só pode morrer - absorvido. Estranho animal! E é senhor das águas e das melhores garrafeiras!
O destino, pela tuba sonorosa de Camões, disse ao inglês: Entre no reino d’água o rei do vinho. (Os Lusíadas, Canto VI)
Que litros de porto envenenado se calculam eficazes para degenerar um bretão até à dispepsia e às agonias da morte?

                                                               Camilo Castelo Branco, 1884

                                                                               Vinho do Porto, Processo de uma bestialidade inglesa 

                                                                   


* sais de chumbo diluídos no vinho do Porto – alusão irónica “a uma calúnia inventada por ingleses em 1849 [que defendia que este vinho era empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicidas] na qual colaborou um certo barão Forrester”, conforme explica o autor.

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