Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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23 de abril de 2013

Rega as tuas plantas



Carlos Reis(1863, 1940), Geraneos e Malva-rosa
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.

Suave é viver só
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Ricardo Reis

    

19 de abril de 2013

Obras da Ordem de Cristo?





.... Nas minhas lembranças e conjecturas, muito abundantes nesta já minha longa existência, surgiu a curiosidade: quem e quando foi construído o açude, quem executou a abertura da levada e respectiva azenha; a origem dos muros e motas que têm início um pouco aquém da povoação de Além da Ribeira e terminam, com algumas interrupções, na ponte conhecida por ponte de pedra da estrada nacional que vai a Tomar; quem levantou os muros que canalizam o ribeiro da Longra pelas duas margens por uns cem metros; e quem terá plantado o majestoso olival. Nos confins das terras que foram pertences da Quinta da Belida, existe uma grandiosa mina talhada a picão num maciço rochoso no sopé duma pequena elevação. Observando a sua dimensão e a natureza da rocha por onde foi minada, leva-nos a crer que foi um trabalho de longos anos. Em 1950, a água que dela brota foi represada no interior e trazida para Porto da Lage.
A autoria desta obra não terá sido dos proprietários da Quinta da Belida que antecederam o seu trisavô e meu bisavô.
O Portalegence João Maria de Sousa, ilustre médico nosso conhecido pela excelente obra que nos deixou, diz que toda a margem esquerda da ribeira da Bezelga era domínio dos frades de Cristo, que é como quem diz, da ordem de Cristo e que eles eram os donos dos rios e dos ventos… Palavras de um republicano “empedernido”. (Ilidio Mota Teixeira)

16 de abril de 2013

Localização da Estalagem




Como já vimos a  Estalagem de Porto da Lage ficava à beira da Estrada Real, mas onde?
No levantamento topográfico,  datado de cerca de 1862,destinado à construção da linha férrea (futura linha do norte) a que tive acesso, observa-se entre os 120 Km e 121Km, o que é designado como "caminho de Coimbra", o qual, depois da descida de Paialvo, passa a coincidir com a linha férrea projectada mas, de seguida, faz  uma curva com um ângulo de, talvez, 100  graus em direcção à ribeira da Beselga e depois, novamente outra curva para a esquerda, ao lado direito da qual se encontra o desenho de um edificado (o único) composto por dois rectângulos  contíguos mais um, mais pequeno, "nas traseiras"  e por outra figura ainda, agora da forma de um trapézio,  um pouco separada. Atendendo a que não se tem noticia de aquela área ter sido habitada a não ser por um moinho e pela tal estalagem e,  naquela época apenas lá viver a família do " Dr. Sousa" cuja casa  não é visível por não se encontrar na área topografada, aquelas "casas",  talvez já então em ruínas, poderão bem ser a antiga estalagem. Ficavam "encostadas" à estrada real e parecem demasiado grandes para serem apenas palheiros ou casas de arrumos de lavoura.
Uma vez, em conversa, Isaurinha Sousa Rosa contou-me que, há muitos anos na ocasião de um  pedido de licenciamento para obras na sua casa, os serviços da Câmara de Tomar lhe disseram que a sua era a casa mais antiga de Porto da Lage que já teria servido para "guardar pessoas e animais de passagem".
A ser assim  seria no local abaixo, e nos pateos e alpendres que ainda se podem observar, que se localizou a "nossa" estalagem?  É verdade que fica em frente da linha férrea e numa curva. Será? (MFM)

Seria aqui a estalagem?



Mas a doutrina divide-se! 

.....Sobre a estalagem ou albergue, posso acrescentar algo: essa casa ainda existe, fica em frente à estação de caminho-de-ferro. Pelas suas características, não tenho dúvida que ali funcionou a estalagem ou albergue: uma parte da casa, de construção muito antiga e de cércea muito baixa, apresenta-se-nos com uma arquitectura interna típica de serviços; o rés-do-chão é todo amplo, as duas portas de entrada são de tamanhos e dimensões diferentes, existe uma outra sala mais pequena na zona de trás, um pátio calcetado, e ainda tem um poço e um muro de vedação. Se não ruiu, existe ainda um alpendre que seria para recolha de animais. (Ilidio Mota Teixeira)




Ou aqui?


14 de abril de 2013

Carruagens Perigosas e Casamentos em Perigo

Sarah Afonso, Casamento na Aldeia (1949), Lisboa, CAM


[acerca de] ... alguns episódios gaudiosos dos transportadores de viajantes entre Porto da Lage e Tomar, focando o nosso tio  Manuel Augusto que bem conheci durante dezenas de anos. Os animais que adquiria nas feiras de gado eram sempre dos mais baratos ou tinham defeito, como dar coices, muito bravios, ou, pior ainda, já velhos e pouco cuidados. Para vencerem o topo da ladeira de Cem Soldos, necessitavam do auxílio e os que tinham melhor aptidão para o exercer eram os passageiros que viajavam na boleia a preço reduzido.
Até ao final da década de 1940, a mesma carruagem que transportou os passageiros que se apeavam do comboio em Porto da Lage e queriam seguir para Tomar, transportava os noivos à Igreja de Cem Soldos para a cerimónia religiosa. Puxavam-na duas muares de terceira ou quarta escolha. Quando o carroceiro as chicoteava para trotarem, respondiam com coices.(Ilidio Mota Teixeira)

11 de abril de 2013


        Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas









Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'











Namoro no Portão





Desejo a vocês
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com os amigos
Viver sem inimigos
Filme na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Ouvir uma palavra amável
Ver a banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir não
Nem nunca, nem jamais
Nem adeus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de amor
Tomar banho de cachoeira
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas com alegria
Uma tarde amena
Calçar um chinelo velho
Tocar violão para alguém
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu
Carlos Drummond de Andrade









10 de abril de 2013

Gente de Porto da Lage II


Há uns tempos publiquei um post http://portodalage.blogspot.pt/2013/03/hermenegildo.html , uma historieta ficcionada baseada no ouvir dizer . Ilidio Mota Teixeira vem agora, com a autoridade que o testemunho pessoal lhe dá, repor a verdade dos factos.


As casas referidas localizavam-se onde agora se vê, à direita na fotografia, o armazém de grande portâo avermelhado (actual
oficina mecânica).


«....A causa do acidente do bom homem Hermenegildo, da família dos Narcisos à qual pertence a minha avó paterna, foi devido à grande carência visual de que sofria. Aconteceu ao fim da tarde e princípio da noite dum Domingo do mês de Novembro ou Dezembro do ano de 1941. Tinha ido visitar a irmã Luciana que morava a curta distância da ponte. No fim da visita, a irmã acompanhou-o com uma luz até ao portão da casa. O bom homem Hermenegildo encaminhou-se para a ponte para a atravessar e seguir para sua casa que outrora fora o Paço da Comenda da Beselga. O princípio da noite era escuro e mais escuro era para quem tinha pouca visão. Falhou a entrada da ponte, tropeçou no pequeno muro que encostava à ponte, mergulhou no espaço e terá caído de cabeça sobre as lajes que cobrem o leito da ribeira, que nesse mês e ano ainda não corria. A irmã Luciana que se apercebeu do acidente, deu o alarme. Levaram-no para casa dela onde faleceu nessa noite.
A casa onde nascera, bem como as duas irmãs e um irmão, ainda estava de pé nesse mesmo terreno da casa da irmã Luciana e do irmão, há muito falecido. Foi uma das primeiras casas construídas no sítio de Porto da Lage. Era a casa da tia Margarida, que faleceu com 101 ou 102 anos. Dizia que havia trabalhado nas obras para a construção da linha de caminho-de-ferro, que viria a ser a linha do norte....»(Ilidio Mota Teixeira)

8 de abril de 2013

Gente de Porto da Lage I


Casal Risota



....outro [acidente] aconteceu no ribeiro da Longra, a curta distância da foz, no local onde está uma ponte em lajes que dá acesso à várzea. A assinalar a morte das duas pessoas, um casal, existiu uma cruz de ferro que servia para testar a pontaria da rapaziada da escola que lhe ficava em frente....



"A ponte em lages que dá acesso à Várzea", em frente ao local onde se situava a antiga escola e se encontra agora a
urbanização mostrada na fotografia em baixo.



... Ouvi contar como aconteceu: noite de Inverno muita escura, o casal Risota e um filho, pessoas muito modestas, regressavam a casa, ao Paço da Comenda, depois de um dia de mercado em Tomar. Conduziam uma pequena carroça atrelada a uma muar. Percorrida a estrada dos Olivais, não tinham outra alternativa, vislumbraram na escuridão da noite a zona da estrada que os levaria a casa, totalmente submersa pela água da ribeira e do ribeiro que transbordara dos leitos e inundara a várzea e uma parte do olival. Inconscientemente, avançaram. Quando se aperceberam que a altura da água aumentava em relação à estrada, quiseram retroceder. Não tinham qualquer referência da localização da estrada. Na manobra de inversão, a pequena carroça caiu no ribeiro, ficou presa entre os muros que o canalizam com o animal atrelado. O casal Risota, marido e mulher, foram arrastados pelas águas caudalosas. O filho(1), rapaz ainda jovem e ágil, saltou para cima do muro do ribeiro e foi pedir socorro. Vieram gentes com lanternas e correram as proximidades. No dia seguinte, os dois corpos do casal foram encontrados, retidos por umas silvas, para além do local do acidente. (Ilídio Mota Teixeira*)

Teria sido por aqui que se deu a tragédia
 (1) De acordo com testemunho de Dulcinda Mota Teixeira este acidente teria ocorrido em 1928, pois este rapaz teria 14 anos aquando deste acontecimento, sendo que, ainda segundo Dulcinda, que consultou a campa no Cemitério de Cem Soldos, aquele teria nascido em 1914.


*Nasci no sítio de Porto da Lage a 8 de Novembro de 1930. Registaram-me na conservatória de Tomar com o nome de Ilídio Mota Teixeira. Minha mãe, Ana Mota Rosa, filha de Soledade de Sousa Rosa, natural da freguesia de Assentiz, era neta e afilhada por baptismo dos nossos avós [Ana e Manuel de Sousa Rosa], assim se apresenta este portalegense que me dá a honta de colaborar no blog. Aguardem por mais contributos.

6 de abril de 2013

Em Cima da Mesa




A" narrativa" do "em cima da mesa" "faz sentido" ou "é incontornável" e "expectável"?

Não sei, sinceramente, o que é pior:
 1. "o cenário dramático em que estamos envolvidos", com "as mudanças de protagonistas que se   avizinham";
 2. o discurso mediático "em presença" sincopado e de uma pobreza vocabular miserável que já me obrigou a ouvir "pôr em cima da mesa" em uma hora, mais do que aguenta um empregado de restaurante em 40 anos de trabalho;
3. esta minha desgraçada garganta que não me deixa fugir daqui (essa de desligar a televisão é só simples de dizer, adiante ...).
 
Esta minha profunda, visceral mesmo, fúria contra o lugar comum faz-me levantar os olhos ao céu e rogar a todos os deuses, de todos os tempos, e aos seus ministros e heróis,e a todas as forças, mesmo do menos bem, do mal não digo,  que, sem ironia, ponham em cima das suas mesas a possibilidade de tornar pecado, mortar sim, mortal, a gente ser agredida com a terminologia jornalistico-snob-urbana que para além de reduzir a língua portuguesa à mais ínfima espécie, torna os jovens pobres imbecis que, coitados, pouco mais que grunhem, incapazes de perceber as gerações mais velhas.
Cá vão algumas das ditas, para que possam lá pôr em cima o que entenderem de útil para o fim em vista:




Com a minha homenagem às respeitosas mesas, daquele lugar comum necessário e merecedor de consideração que é o dia de todos os dias, mesas burguesas de naperon, do campismo proletário das sardinhas de verão e dos sitios onde se produz
 :







4 de abril de 2013

Sinais





Sinal triste, mesmo trágico, foi esta casa sempre (e o sempre já vai longo) para mim. Passava por aqui e as paredes e ombreiras nuas enegrecidas pela passagem do fogo, sugeriam-me vidas subitamente acometidas pela adversidade, gente feliz a quem o azar brusco interrompera a esperança e quebrara o alento para recomeçar. Razões para estas minhas fantasias residiam, talvez, em ter ouvido que a casa era nova quando ardeu e em verificar a imponência da estrutura restante que, apesar de danificada, parecia facilmente reparável. Mais tarde, vi-a já de telhado arranjado e vidros postos, pouco mais ou menos como se apresenta na figura mas em novo. Porém, o ar desgraçado mantinha-se, como se um destino funesto se tivesse apoderado da essência do edifício e o obrigasse, através das imensas janelas ogivais, a transmitir uma imperecível melancolia. E lá está ela, vê-se, eterna testemunha de que, às vezes, as obras dos homens, mais do que eles pois são mais duradoiras, perpetuam as marcas de sofrimento de quem as fez nascer.(MFM)


Em memória de A.M. “a melhor pessoa do mundo e a quem mais desgraças aconteceram, mesmo depois de morto”, como muito bem o ouvi definir. Eterna recordação de um adulto adorável presente na minha infância.                                   

31 de março de 2013

Boa Páscoa




Um dá o mote: "Ressuscitou como disse?" ao que os restantes
 respondem - ALeluia! Aleluia! Aleluia!
Festa das Tochas Floridas de São Brás de Alportel
Minha aldeia na Páscoa...                                      
Infância, mês de Abril!                                      
Manhã primaveril!
A velha igreja.
Entre as árvores alveja,
Alegre e rumorosa
De povo, luzes, flores...
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
Rasgados pelo sol os negros véus.
Parece até sorrir a Virgem-Mãe, das Dores.


                                                

                                                

                                                

                                                 Ressurreição de Deus! (...)
                                                 Em pleno azul, erguida
                                                 Entre a verde folhagem das uveiras.
                                                 Rebrilha a cruz de prata florescida...
                                                 Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
                                                 Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
                                                 Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
                                                 Ei-lo que entra contente nos casais;
                                                 E, com amor, visita as rústicas choupanas.
                                                 É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
                                                 As grandes alegrias sobre-humanas.
                                                 Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
                                                 Linda manhã, canções de passarinhos!
                                                 A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
                                                 Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
                                                 E mães, acalentando os filhos no regaço.
                                                 Esperam o Compasso...
                                                 E, ajoelhando com séria devoção.
                                                 Beijam os pés da Cruz.


                                                 Teixeira de Pascoaes (1877-1952)

26 de março de 2013

Semana Santa

  A Meritocracia Tuga e a Felicidade na Repartição



Lisboa, 1700

Sermão da Primeira Oitava
da Páscoa* (1647)
Duo ex Discipulis Jesu ibant ipsa die in castellum
nomine Emaus. Luc., XXIV.

IV
[...] Os que se contentam, como S. Pedro, só com ver, são finos. Os que se contentam, como a Madalena, só com que lhes saibam o nome, são honrados. Os que se não contentam, como S. Tomé, senão com o lado, são ambiciosos. Os que se não contentam, como os de Emaús, senão depois de lhes darem o pão, são interesseiros. E os que com todas estas cousas ainda se não contentam? São portugueses.
Verdadeiramente, que se os Portugueses se contentaram, como os Discípulos, não houvera reino de mais contentes que Portugal. Eu já me contentara que fôramos como os que nesta ocasião fiaram menos delgado. Os Discípulos que nesta ocasião andaram menos finos, foram os de Emaús, que não conheceram senão quando lhes deram: Porrigebatillis; mas ainda estes nos levaram muita vantagem. Porquê? Porque se contentaram com o Senhor lhes partir o pão: In fractione panis. Os Portugueses não se contentam com se lhes dar o pão partido; há-se-lhes de dar todo o pão, sob pena de não ficarem contentes. Daqui se segue que nunca é possível que o estejam.
 
As vestiduras de Cristo, que era o manto, e a túnica, dividiram-nas entre si os soldados que o crucificaram: mas com esta diferença: Os quatro soldados, a quem coube o manto, partiram-no em quatro partes, e ficaram contentes todos quatro. Os quatro, ou fossem os mesmos ou diferentes, a quem coube a túnica, não a quiseram partir, jogaram-na; levou-a um, e ficaram descontentes três. Pois porque razão descontentou a túnica a três, se o manto contentou a quatro? É bem fácil a razão. Os quatro a quem coube o manto, acomodaram-se com que o manto se partisse. E quando os homens se acomodam a que as cousas se partam, e se repartam; com o que se cobre um se podem contentar quatro. Os soldados a quem coube a túnica, não trataram deste acomodamento; cada um quis toda a túnica para si: Non scindamus eam, sed sortiamur de illa.
 
E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes.
Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da ametade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra ametade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.
Quando Josué houve de entrar à conquistada Terra de Promissão, disse-lhe Deus desta maneira: Confortare, et esto robustus, tu enim divides populo huic terram. Josué, esforçai-vos, e tende grande valor, porque vós haveis de repartir a terra a esse povo. Notáveis palavras na ocasião em que se disseram! Quando Deus disse estas palavras a Josué, foi quando ele estava com as armas vestidas para passar da banda dalém do Jordão a conquistar a Terra de Promissão. Pois porque não lhe diz Deus, esforçai-vos, e tende valor, porque haveis de conquistar esta terra aos inimigos, senão, esforçai-vos, e tende valor, porque haveis de repartir esta terra ao povo de Israel? Ambas as cousas havia de fazer Josué; havia de conquistar a terra aos Amorreus, e havia de repartir a terra aos Israelitas; mas Deus esforça-o, diz-lhe que tenha valor, porque havia de repartir e não porque havia de conquistar a terra; porque muito maior empresa, e muito mais arriscada batalha era haver de repartir a terra aos vassalos que haver de conquistar a terra aos inimigos.
Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles, foi impossível, que nenhum rei pôde acomodar, nem com facilidade nem com felicidade jamais. Mais fácil era antigamente conquistar dez reinos na Índia, que repartir duas comendas em Portugal.
Isto foi, e isto há-de ser sempre: e esta, na minha opinião, é a maior dificuldade que tem o governo do nosso reino. Tanto assim, que se pode pôr em problema na política de Portugal, se é melhor que os reis façam mercês, ou que as não façam?
Não se fazerem mercês, é faltar com o prémio à virtude: fazerem-se, é semear benefícios para colher queixas. Pois que hão-de fazer os reis? A questão era para maior vagar. Mas porque não fique indecisa, digo entretanto, que um só meio acho aos reis para salvarem ambos estes inconvenientes. E qual é? Não dar nada a ninguém, e premiar a todos. Pois como? Premiar a todos sem dar nada a ninguém? Sim: o dar e o premiar são cousas mui diferentes. Dar aos que merecem, ou não merecem, é dar; dar só aos que merecem, é premiar. Não fazerem mercês os reis, seria não serem reis: mas hão-de fazê-las de maneira que as mercês não sejam dádivas, sejam prémios.  Dêem os reis só aos beneméritos, e fecharão as bocas a todos. Quando os prémios se dão aos que merecem, os mesmos que os murmuram com a boca, os aprovam com o coração. Murmurais do que está bem dado? Apelo da vossa língua para vossa consciência. Este é o único remédio que têm os reis para salvarem a opinião naquele tribunal, onde só neste mundo podem ser julgados, que é o coração dos vassalos.
Enfim sejam os príncipes como Cristo no repartir, e sejam os vassalos como os Discípulos no contentar-se, e cessarão as queixas.
 
Padre António Vieira

25 de março de 2013

Frases a Metro

O que se ouve nos metropolitanos de Lisboa e de Londres, exactamente com o mesmo fim.


Em Lisboa:
- Senhor passageiro, para sua segurança não ultrapasse ou pise a faixa amarela junto ao bordo do cais!

Em Londres:
- Mind the Gap!


Os linguistas têm, com certeza, uma explicação para isto. Mas, seja ela qual for, cá para mim só pode ser parente daquela [explicação] que leva o metro de Londres a ter completado agora 150 anos e o nosso 50, que os mapas respectivos sejam os que seguem e a muitas, muitas mais coisas, que não têm nada a ver com metros, mas que me estão agora a ocorrer, a mim e a quem me está a ler, ou não?
Metro de Lisboa

Metro de Londres

20 de março de 2013

Quem é Quem I ?



Esta fotografia, muito popular em PL pois chegou-me através de várias mãos, terá mais vinte/vinte e cinco anos que a outra, alguma desta juventude portalagense dos anos quarenta será filha  daquelas jovens. Desta feita, porém, já sabemos quem eles são, graças à Dulcinda Teixeira (a terceira linda rapariga a contar da esquerda na última fila, em pé), a quem agradeço, que identificou toda a gente.





Em cima da esquerda para a direita: E.Teixeira, M.Mourão, M.R.Vasconcelos, D. Teixeira, H.A.Narciso, L.Nunes, M.F.Narciso, R.Mota, M.R.Teixeira, C.Mota, A.Simões, H.Carmona da Mota, L.Sousa, A.Carmona da Mota, A.Sousa, M.L.Escudeiro


Em memória de Arminda Mota Teixeira que estava presente enquanto a irmã identificava esta fotografia, interrogando-se sobre o motivo por que lá não constava. Era uma portalegense (n.30.03.1926) conhecida e muito querida de todos em PL. Deixou-nos o mês passado, que descanse em paz. (MFM)

17 de março de 2013

Maracujás na Estefânea

 
 
 
No Verão passado escrevi o post abaixo mas não o publiquei.  Ponho-o agora aqui como tentativa de anatematizar os infortúnios anunciados, neste fim de Inverno em que só a terra se apresenta cheia de promessas de fertilidade, húmida e a brotar de verde. Num tempo em que nada promete, só nos resta agarrar-nos ao que é perene e já não se fabrica mais. Ámen.



















 
















Tenho que dizer isto aqui: já tenho maracujás no meu quintal, cá nascidos e criados!
Há meia dúzia de anos experimentei pôr as mãos na terra e descobri, tarde e a más horas, a minha vocação agrícola! Que desperdício! O que eu poderia ter feito e o que o país teria ganho! (como estamos no mundo das suposições, vale dizer tudo, até que a agricultura portuguesa teria um passado glorioso!).
Mas é que é agricultura mesmo, como diz alguém  la-vou-ra! Nada da mariquice da jardinagem. Com um bocadinho de esforço chegava à silvicultura mas já me informei e as árvores de fruto não se englobam aí. Mas não está mal assim.
Comecei com nespereiras (no capítulo dos pomares, entendamo-nos, porque horta? não vos digo nada! ficará para outra ocasião), mas tenho que reconhecer que aí não tive grande mérito. É certo que ninguém produz tantas por metro quadrado, tão coloridas, doces e carnudas, como precisamente os meus três metros quadrados! Mas não posso negligenciar as condições do solo e do clima (vêm como eu falo?) que não há terra como a de Lisboa para fazer crescer nespereiras em tudo quanto é canto, dos contrafortes do castelo às linhas do comboio em Marvila e até em vasos de trapeiras altíssimas!
Tenho depois as ameixas, maravilhosas, amarelinhas. O pior é quando dá na árvore o piolho, mosquito ou lá que verme é aquele que me enquerquilha as folhas todas e chama as formigas, pensava eu que as culpadas eram as formigas mas afinal estava a ser injusta. As pobres trabalhadoras  estão inocentes, até conseguiriam acabar com os ditos, que para isso é que elas lá estão, não fossem as condições ecológicas o que são e não andasse tudo de pernas para o ar nestes tempos pós buraco de ozónio. Isto requer muito conhecimento! É uma Ciência, sem dúvida nenhuma!

Por fim, depois de muita insistência de terceiros, lá iniciei a cultura maracujazeira. Muito contrariadamente, diga-se,  plantei-os; achava eu, e ainda acho, que não tem nada que se andar atrás do que é diferente só porque sim,  a menos que acrescente alguma coisa à nossa vida. Para que raio preciso eu de uma exotice qualquer se já tenho o que gosto!? Francamente até achei a coisa parola, e só a pena de ver a planta a definhar no vaso me fez pô-la na terra.
E não é que ela me brinda agora com um "carregamento" formidável de frutos? E não é que eu estou toda orgulhosa disso (ok, também estou um bocadinho arrependida de, ao principio, não a ter levado a sério)? E não é, também, que estou a vislumbrar perspectivas económicas positivas (?!) nestes tempos difíceis? Estou mesmo a pensar contactar os outros "produtores" aqui do bairro, já me constou que há mais, para, rapidamente, exigirmos uma região demarcada, proponho entre o Saldanha e a Almirante Reis, para evitarmos as contrafacções e similares que se aproveitam  logo, mal surgem produtos genuínos.

Bom, felicitações dadas e aceites, muito obrigada, perguntarão: para que conto eu isto aqui? E o que é que os maracujás têm a ver com Porto da Lage?

Pois têm tudo! Quer dizer, têm a ver com Porto da Lage e muito mais.  Muito mais longe que Porto da Lage, muito mais para trás que Porto da Lage. O  espaço do tempo longínquo onde viveram aqueles que me transmitiram o gosto e a apetência por mexer na terra e ver crescer as plantas fluiu por quilómetros quadrados até se concentrar duas gerações antes da minha em Porto da Lage. Só pode ter sido essa fila de gente, que, durante séculos,  enfrentou a dureza da terra por obrigação para prover ao seu sustento e se reproduzir, que, entranhada em mim, me faz saber como cuidar de um maracujá. E fico contente por eu, pequeno-burguesa até ao tutano, ter ainda, lá pelo meio das moléculas cheias daqueles pequenos valores que nos infernizam a vida,  outras, perdidas, que transportam as qualidades antigas de gentes que não conheciam as conveniências mas sabiam sobreviver. Eles, que nunca se devem ter cruzado com esta Passiflora edulis  nem em sonhos, souberam cuidar do seu canteiro tão bem que, prometo, daqui para a frente, sempre que alguém se deliciar com estes frutos roxos daqui, do meu quintal, vai ter que lhes prestar homenagem. Ora se vai! (MFM)

 

14 de março de 2013

Lances de Fé I

Papa Francisco I
Ontem coloquei  aqui um post sobre o meu avô, exemplo de crente que subordinou toda a sua vida, silenciosamente, ao amor a Deus e à Sua vontade, em contraponto com aqueles que querem fazer da sua religião  o centro do esplendor, do poder e do mediatismo. E não me refiro só à Igreja (aquela estrutura cem por cento humana que sobrevive há 2000 anos, no meio dos maiores martírios infligidos a si e por si, hoje personificada pelo Vaticano) e que está agora a viver o protagonismo máximo com a eleição do novo papa, refiro-me também aos seus detractores, principalmente aos que vivem no seu seio. A agressividade e o ressentimento com que oiço falar alguns católicos exigindo “mudanças” e “aproximação aos novos tempos” como se se tratasse de uma sociedade recreativa, clube desportivo ou de um partido político em risco de perder associados, perturba-me. Esta mundanização de que a Igreja Católica é alvo em que o que parece ser importante é torná-la “moderna e arejada” é, ou me engano muito, a razão que leva ao tal afastamento das pessoas. No mundo ocidental onde, Deus seja louvado, a Igreja já não goza de qualquer poder secular, quem se aproxima dela procura espiritualidade e encontro com algo superior, não reivindicações sociais. Para isso existem outros fóruns. É claro que não estou a falar da dimensão social da igreja, isso são outros contos.
Por isso, ontem à noite, fiquei muito impressionada com a actuação do novo papa. Não foi um estadista nem um sumo pontífice que se apresentou à varanda da Praça usando palavras grandiloquentes de ocasião, foi um homem que rezou e pediu para rezarem por ele. O Pai Nosso brotou então de milhares de bocas, acredito com a fé verdadeira com que Jesus o ensinou e milhões o repetem e repetiram ao longo dos séculos por toda a Terra. Esta dimensão de espiritualidade e encontro com Deus fez-me lembrar o meu avô. Talvez seja bom sinal.(MFM)

13 de março de 2013

Lances de Fé


Em época em que o Catolicismo anda nas bocas do mundo pelas razões mundanas que o poder e o pecado obrigam, achei que seria bom esquecermo-nos das entronizações de chefes (mesmo da igreja) e dos  desvarios humanos dos candidatos a estes (e outros) cargos e lembrarmo-nos daquele pó seco e denso que, dizem, move montanhas e, digo eu, mantém felizes e pacificados os seres que venturosamente o aspiram - A Fé!

Eu tive a graça de conhecer um deles - o meu avô João. Cristão por dentro e por fora. Nunca vi ninguém rezar tanto mas também nunca vi ninguém procurar imitar tão esforçadamente aquilo que o seu Salvador ensinara como ele.
Praticou a liturgia e as obras que a sua fé recomendavam com a discrição e a modéstia com que passou por esta vida. Não fazia alardes das penitências e  sacrifícios efectuados no cumprimento dos ritos da sua religião, que outros costumam fazer objecto de vaidades e destaques, da mesma forma que  não divulgava os actos, produto da sua rectidão de consciência e sã moral, que ele justificava como a vontade do Senhor.

Ao longo de quase sessenta anos redigiu, diariamente, o resumo das suas tarefas e as ocorrências familiares. O relato começava invariavelmente por Eu, seguia-se o nome de um ou mais trabalhadores que tinham estado consigo na lide diária, vinha depois a descrição do que tinham feito.

No dia 12 de Setembro de 1959 (faltava uma semana para completar 67 anos), um sábado, trabalhou todo o dia acompanhado da empregada Celeste, que terá lavado roupa de tarde e apanhado os tomates que estavam a apodrecer, enquanto ele despontava o milho para o gado e tratava do mesmo. Ao fim do dia foi ao barbeiro e passava meia hora da meia noite quando se pôs a caminho.
Após quase seis horas da caminhada solitária entrou na igreja de Fátima, rezou, "toda a noute se lá rezou", e confessou-se.  Às oito horas assistiu à missa, em que comungou.
Despediu-se de Fátima, depois de participar na "missa dos doentes", pelas duas horas da tarde. Não refez a pé, totalmente, o regresso a casa, porque o filho o surpreendeu saindo-lhe ao caminho, de carro. "Chegámos aqui pelas cinco horas muito bom". Assim termina este homem simples a exposição deste lance de fé. (MFM)




11 de março de 2013

Mata-Borrão ou Os Bons Ares de Uma Estância de Repouso








O Blog Meu Vidago  (extraordinário de informação e beleza, que recomendo vivamente) diz-nos isto acerca  do Mata-Borrão "apareceu para acompanhar os aparos, tintas e canetas de tinta permanente. Estava assim directamente ligado à escrita. Servia para "chupar" a tinta que ficava no papel e deixou de ser utilizado quando apareceu as esferográficas nas escolas e nos escritórios. Eram conhecidos dois modelos diferentes, mata-borrão de duas faces iguais e os publicitários numa das faces ..."

Aquele, que a imagem mostra, é um dos publicitários, que publicita exactamente Alcool Puro e Desnaturado de Dupla Rectificação fabricado na Fábrica de Porto da Lage, em 1939.

Atente-se ao número de telefone (o 74 !), ao único dia a vermelho, Domingo, e aos seis (seis!) dias úteis da semana! (oh tempos antigos cada vez a aproximarem-se mais das nossas vidas de hoje!), mas atente-se, sobretudo, à deliciosa descrição de PL na coluna da direita! À excelência  do texto (seria um portalagense a escrevê-lo?) alia-se a maravilha do conteúdo informativo! Dá vontade de lá ter vivido naqueles tempos! - ligado à rede telefónica e o correio levado ao domicílio duas vezes por dia! Uma estação de caminho de ferro no seu seio! Que bela imagem de progresso e conforto! O que se podia querer mais? Nem os bons ares lhe faltavam para, quem sabe, ser uma nova Vidago à beira da Beselga?