O Concerto de Aranjuez de Joaquin Rodrigo é a obra musical espanhola mais interpretada em todo o mundo, particularmente o seu adagio que nos habituámos a ouvir nas ruas interpretado pelos grupos sul-americanos, sobretudo os incas peruanos que, debaixo dos chapéus e envoltos nos ponchos o fazem assobiar a partir das suas flautas. A minha versão preferida era a cantada por Amália Rodrigues em francês, gravada em 1967. Descobri agora uma versão portuguesa de David Mourão Ferreira. Para aqueles que, tal como eu, adoram Amália de todas as formas e feitios aqui fica. (MFM)
Esta água foi nascer/Naquela encosta do monte/Para vir dar de beber/A quem passar pela fonte
Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
16 de abril de 2015
14 de abril de 2015
A Torre do Tombo e Todos Nós
Torre do Tombo actualmente, Alameda da Universidade, Lisboa |
Podem-me dizer que é “um nicho” específico
a que só alguns, também com interesses muito específicos, acedem. É verdade,
mas isso não tira nem põe à existência de cordialidade, disponibilidade,
gratuitidade e, já agora para terminarmos na rima, na humildade demonstrada por
todos os que lá trabalham e contactam com o público. “Senhores” do maior e mais
rico espólio arquivístico, no mundo, da história da lusofonia e, portugueses
como são, não seria de admirar que a presunção se apossasse daquela gente. Mas
não, são competentes, são académicos graduados, e são simples. Estranha e
perplexa combinação em Portugal. Não sei porque são assim, dizem-me que é uma
cultura que atravessou regimes. “Bem me
pareceu que aquela doutora não anda bem” comentou o Francisco, um dos guardas
da empresa de segurança, quando, há anos, nos primeiros dias de lá ir, lhe
entreguei uma carteira que encontrara perdida no bengaleiro “outra vez a esquecer-se das coisas, tenho
que lhe telefonar”. Perante o meu espanto, esclareceu – somos uma família aqui na Torre, está a ver
como a senhora me veio entregar a carteira?- outra pessoa, noutro sítio, ficava
com ela! Fiquei a saber, portanto, que “a Torre” tem também o mérito de
fazer a gente séria! A vontade de colaborar começa mesmo nos portões, com os
guardas. Pessoa que ali se dirija a querer saber quem é o avô que nunca
conheceu mas que a mãe dizia ser de …, a terra do avô que “se estabeleceu em Pernambuco em 1913, e foi de navio, tá vendo?”
ou o pai do avô que até comprou a terra que agora é necessário
vender mas o notário diz que não tem lá nada que prove e “eu então pensei como vocês têm aqui tudo guardado talvez me pudessem
desenrascar” ou o académico estrangeiro que sabe exactamente o que quer
consultar, todos são encaminhados e são-lhes tiradas as dúvidas, ali mesmo na
Torre, ou orientados para a repartição própria, em Lisboa ou no resto do país.
No que a mim diz respeito e aos
meus interesses, a genealogia e a história local, a Torre do Tombo está no “Top”
das instituições a que recorri e em que fui plenamente correspondida, não só pelo acervo que, naturalmente, contém,
como na prontidão e simpatia com que respondeu às minhas dúvidas (deixo o
eufemismo chamar “dúvidas” à minha santa ignorância).
O seu aspecto vetusto e sério, a sua fama de só conter pergaminhos e estar ao serviço de estudiosos que produzem grandes teses de nível mundial, talvez afastem as pessoas comuns que pensam que não há ali lugar para elas. Nada mais errado. Nunca ali vi distinções, cada um identifica-se com o seu nome. Diz o que quer, não tem que fazer menção do objectivo, se o faz é para clarificar e ser ajudado. Qualquer documento, desde que esteja autorizado e venha a público é entregue a qualquer pessoa que o requeira, o V. pesquisador da aldeia dos avós, lá no seu Minho, emocionou-se quando se viu com uma carta assinada por D.Teresa, mãe do nosso primeiro rei, nas mãos. Lê-la é que já não foi possível, paleografia é preciso já levar sabida. Mas a maioria dos documentos podem ser reproduzidos, o que, único reparo, não é propriamente acessível financeiramente. Mas, considerando que tudo o resto é gratuito talvez seja compreensível, atendendo a que outros serviços, como a Biblioteca Nacional, exigem pagamento de cartão anual de acesso.
A documentação existente na T.T é imensa e vem desde o sec.IX, porém compreende muito arquivo dos dois últimos séculos, como revistas e fotografias (todo o Século lá se encontra) que é fácil e gostosamente inteligível por toda a gente. Basta ir ao site, escolher e apresentar-se lá um dia. Quem o quiser fazer verá que é bem recebido e não se arrepende. Note-se que, por lá, ninguém me encomendou o sermão, nem sequer conhecem este blog, mas é com todo o gosto que digo estas palavras.
O seu aspecto vetusto e sério, a sua fama de só conter pergaminhos e estar ao serviço de estudiosos que produzem grandes teses de nível mundial, talvez afastem as pessoas comuns que pensam que não há ali lugar para elas. Nada mais errado. Nunca ali vi distinções, cada um identifica-se com o seu nome. Diz o que quer, não tem que fazer menção do objectivo, se o faz é para clarificar e ser ajudado. Qualquer documento, desde que esteja autorizado e venha a público é entregue a qualquer pessoa que o requeira, o V. pesquisador da aldeia dos avós, lá no seu Minho, emocionou-se quando se viu com uma carta assinada por D.Teresa, mãe do nosso primeiro rei, nas mãos. Lê-la é que já não foi possível, paleografia é preciso já levar sabida. Mas a maioria dos documentos podem ser reproduzidos, o que, único reparo, não é propriamente acessível financeiramente. Mas, considerando que tudo o resto é gratuito talvez seja compreensível, atendendo a que outros serviços, como a Biblioteca Nacional, exigem pagamento de cartão anual de acesso.
A documentação existente na T.T é imensa e vem desde o sec.IX, porém compreende muito arquivo dos dois últimos séculos, como revistas e fotografias (todo o Século lá se encontra) que é fácil e gostosamente inteligível por toda a gente. Basta ir ao site, escolher e apresentar-se lá um dia. Quem o quiser fazer verá que é bem recebido e não se arrepende. Note-se que, por lá, ninguém me encomendou o sermão, nem sequer conhecem este blog, mas é com todo o gosto que digo estas palavras.
Quando, há meia dúzia de anos, quis
conhecer as minhas raízes sabia que não tinha onde as consultar, não havia
livro em livraria ou biblioteca, muito menos pesquisa na net que me valesse. Não
tinha “livros de linhagem”, avós, nem sequer pais vivos que me ajudassem com
memórias. Tinha um trabalho para fazer literalmente de raiz: ir às fontes. O
senso comum e o conhecimento razoável do funcionamento da administração pública
diziam-me que a “papelada” a consultar: certidões, de nascimento, casamento,
óbito, estaria algures. Passados os primeiros escolhos, tirar certidões dos
avós em Tomar (em Tomar é tudo sempre tão difícil – qual a finalidade, tem que saber o dia, senão nada feito, na altura
eu ainda ignorava que o dia que constava era de baptismo, eu só conhecia o de
aniversário, o nome exacto, agora não temos tempo, etc, etc,-
diga-se porém, em abono da verdade, que a atitude foi mudando, não
por mérito do serviço mas porque, francamente, os cansei, passe a vaidade), todos os passos
seguintes, quer em Santarém quer na TT, resultaram numa agradável surpresa.
Na época já muita região do país
tinha a informação sobre os assentos paroquiais on-line, e hoje cada vez há
mais. Infelizmente no distrito de Santarém nada está feito (descobri agora que
há unicamente três períodos da freguesia da Madalena, só essa, que existem na
net, coincidência ou não, correspondem, precisamente àqueles que eu, e outra
pessoa, pagámos para serem digitalizados !).Por razões desconhecidas toda a
informação relativa a paroquiais de Santarém foi integrada, em determinada
data, no arquivo distrital de Lisboa, motivo pelo qual a informação está na
Torre do Tombo e não no Arquivo Distrital de Santarém. Como deveria. Deveria
mas não me daria jeito nenhum. Foi assim que cheguei à Torre do Tombo. Diga-se
que os livros paroquiais podem ir até meados do sec.XVI –data em que passou a
ser obrigatório o registo escrito daqueles actos, o que, na maioria dos casos
não acontece devido a incidentes vários. A freguesia da Madalena é uma privilegiada
pois tem livros desde 1557, com pequenas interrupções de livros desaparecidos
no sec.XIX. Acontece que estão apenas acessíveis a consulta, através de
microfilmes, livros de casamentos a partir de 1600 e baptizados a partir de
1691. Os anteriores nem sequer podem ser digitalizados devido a mau estado. Segundo
informações não há orçamento oficial para proceder aos restauros, mas qualquer um
pode pagar os custos, se quiser, o que tem acontecido com associações, câmaras
municipais e juntas de freguesias, até particulares, noutros casos. Em Tomar, então vila,
existem livros de baptismos desde 1626 e casamentos desde 1779, com
interrupções por época das invasões francesas, que vão sendo reconstruídas
durante o século XIX (alguém que se tenha baptizado ou casado em período que
tenha coincidido com “a invasão do inimigo” arranja testemunhas e vai reconstituir
o acto). Em Ourém as coisas são muito piores, só existem livros após as
invasões, todos os livros anteriores, que estavam depositados em Leiria na Sé
Diocesal foram destruídos. Na freguesia de S.Silvestre da Beselga também só
existem livros desde 1830.
Ler estes livros é uma aventura, que,
como todas, pode ser maravilhosa e repleta de descobertas ou cheia de torturas desesperantes e mesmo sem saída, tudo depende do padre, prior, vigário, Deus o
tenha Consigo, que redigiu os assentos. A caligrafia, aquela coisa ancestral e
em desuso, é tudo. E não se pense que melhora com o decorrer dos séculos, nada
disso. Os gatafunhos dependem de cada um independentemente da época. Há um sr.
Prior em Tomar no final do século XIX em que as ameaças a lápis nas margens são
tão elucidativas que se pode concluir que só não foi assassinado por algum leitor futuro, por motivos óbvios. Por outro lado, é um regalo ler os assentos
de frei Amador de Sousa, em 1600 na Madalena. E os visitadores (aqueles
senhores que faziam inspecções, a mando do bispo, para saber se os livros
estavam nos conformes) faziam notar isso, lá pelo sec.XVIII um deles, em
Assentis, deixou a seguinte mensagem para a posteridade: “devia escrever bem, ou melhor, devia aprender a escrever”, é por estas
e outras que a religião católica é a minha religião preferida.
Leitura conseguida, não se fica só
a saber os nomes de pais ou avós, pode-se conhecer a categoria profissional dos pais e
padrinhos, percursos de vida (num casal, ao longo do nascimento dos vários filhos
pode perceber-se a mudança de morada ou mesmo de profissão), o relacionamento e a ambição familiar (quem é
padrinho de quem, se a pessoa importante da terra se os irmãos da mãe ou do
pai), como morreu, se teve ou não tempo de tomar os últimos sacramentos, se foi
enterrado dentro da igreja, no altar-mor, no adro. Se fez testamento, nalguns
casos o testamento está transcrito no óbito. Acompanha-se a vida de alguém, o
seu nascimento, o primeiro e segundo casamentos, o baptisado dos netos. Não me
esqueço da primeira vez que encontrei o batisado de uma criança filha de mãe
solteira e da minha alegria quando, folhas adiante, vi o casamento da mãe
acompanhado da legitimação da criança, na geração seguinte observei o casamento
desta. Este happy end enternece. Da mesma forma que deprime ler, nos óbitos,
páginas e páginas cheias de crianças, muitas sem nome. Enfronhar-mo-nos nestes
livros é mais do que entrar num romance, é conhecer os personagens e
construí-lo. É viver outra vida. Aconteceu-me percorrer Assentis, onde eu nunca
tinha ido, no sec.XXI e reconhecer o Casal do Pombo e o da Estrada e as Moreiras
Grandes e as Pequenas e tantos outros locais de onde eram provenientes as
gentes das minhas pesquisas. Quem ia comigo no carro duvidou da minha sanidade
mental perante as minhas exclamações de alegria do reencontro e explicações sobre quem e
quando ali nascera.
Esgotados os livros paroquiais, ou porque desapareceram ou porque se chegou ao limite possível, outra forma de se descobrir antepassados é através das Inquirições de Genere. Algo de precioso que aprendi na Torre do Tombo. A partir do estabelecimento da inquisição em Portugal, uma das suas funções era proceder a estas inquirições. Como o nome indica eram processos que se destinavam a inquirir, no caso, a família de alguém. Resumidamente, ninguém podia ter uma carreira eclesiástica, na “função pública” da época (magistrado, bacharel na chancelaria, etc) ou, muito menos ser funcionário da própria inquisição (familiar do santo ofício) se não provasse ser de sangue puro, sem qualquer mácula de mulatice ou judaísmo. Assim sendo, era necessário investigar a família. Estes processos geralmente muito bem instruídos fornecem informações, às vezes até aos bisavós dos inquiridos, com treslados de certidões de avós, tios-avós, etc, bem como sobre comportamentos e estatutos sociais. São ouvidas testemunhas que, consoante a capacidade literária do relator, nos podem dar uma visão mais ou menos boa dos modos de vida de duas ou três gerações, a avó guardava cabras, o pai era lavrador, o tio era capitão de milícias, etc.
Esgotados os livros paroquiais, ou porque desapareceram ou porque se chegou ao limite possível, outra forma de se descobrir antepassados é através das Inquirições de Genere. Algo de precioso que aprendi na Torre do Tombo. A partir do estabelecimento da inquisição em Portugal, uma das suas funções era proceder a estas inquirições. Como o nome indica eram processos que se destinavam a inquirir, no caso, a família de alguém. Resumidamente, ninguém podia ter uma carreira eclesiástica, na “função pública” da época (magistrado, bacharel na chancelaria, etc) ou, muito menos ser funcionário da própria inquisição (familiar do santo ofício) se não provasse ser de sangue puro, sem qualquer mácula de mulatice ou judaísmo. Assim sendo, era necessário investigar a família. Estes processos geralmente muito bem instruídos fornecem informações, às vezes até aos bisavós dos inquiridos, com treslados de certidões de avós, tios-avós, etc, bem como sobre comportamentos e estatutos sociais. São ouvidas testemunhas que, consoante a capacidade literária do relator, nos podem dar uma visão mais ou menos boa dos modos de vida de duas ou três gerações, a avó guardava cabras, o pai era lavrador, o tio era capitão de milícias, etc.
As inquirições de Genere
eclesiásticas encontravam-se distribuídas por quatro Câmaras Eclesiásticas:
Braga, Coimbra, Lisboa e Évora, hoje, respectivamente à guarda das
Universidades do Minho, Coimbra, Torre do Tombo e Universidade de Évora. A
Torre do Tombo tem um arquivo das pessoas sujeitas a inquirição por nome
próprio, por apelido e por freguesias de proveniência. A pesquisa por nome
próprio, a menos que se saiba à partida quem se vai investigar, pouco ajuda, a por
apelido ajuda um pouco se conhecermos sobrenomes dominantes na família e se
estes forem pouco comuns. Por exemplo, o apelido Escudeiro vim a verificar
pertencer sempre à mesma família e estar ligado à Madalena, Assentis ou
Beselga. A pesquisa por freguesias é, de longe, a mais produtiva. No meu caso,
quase todos os padres de Assentis, não digo que fossem meus antepassados, não
só dada a impossibilidade oficial da coisa mas também porque, estou certa, eram
castos e tementes a Deus, mas eram irmãos e primos de avoengos meus pelo que,
através deles, encontrei ascendentes.
Quanto
à freguesia da Madalena e outras em Tomar, em geral, é muito difícil saber onde
se encontram as inquirições de Genere dos padres lá nascidos. Sendo Tomar uma Vigararia
autónoma os pretendentes a clérigos não tinham que se “formar” obrigatoriamente numa
diocese sede, como acontecia em Torres Novas relativamente a Lisboa.
Outras inquirições são as
chamadas leituras de Bacharéis. Qualquer jovem formado em Coimbra que
pretendesse colocar-se ao serviço do rei lá fazia o seu requerimento e lá
submetia a família a inquirições. Aqui havia uma diferença em relação às outras inquirições, em princípio estava
vedada a carreira das leis a filhos de gente mecânica, isto é, que trabalhasse
com as mãos, camponeses ou artesãos, mesmo que fossem legítimos cristãos-velhos. Mas esta condição era transponível com requerimento ao rei, sendo então o bacharel filho de um sapateiro, por exemplo, colocado em início de carreira no ultramar,
Índia ou Brasil eram uma hipótese.
Por último, as habilitações para
familiar do santo ofício, as mais exigentes quanto a pureza de sangue, e para a
Ordem de Cristo também exigiam inquirições de Genere.
As Chancelarias régias, nas quais
constam os registos de mercês, doações e ofícios dos reis, podem levar-nos, também, a
conhecer as profissões ou bens de antepassados. No caso da freguesia da
Madalena, uma vez que as suas terras pertenciam à Ordem de Cristo, a leitura
dos respectivos fundos, que estão catalogados e existem em livros encadernados desde
o sec. XVII, dá-nos a conhecer os “proprietários” (foreiros ou rendeiros) das
terras das comendas. Foi desta forma que descobri o aforamento do Casal da Belida a
Diogo Álvares de Sousa por três vidas em 1651 e a confirmação ao neto em 1758 por
mais três vidas. Pode ser que, numa destas leituras, me surja, um dia, numa época longínqua, qualquer referência a Porto da Lage. (MFM)
6 de abril de 2015
O Bem e o Mal
A um homem bom e às vitimas do mal, que nos deixaram recentemente, Que descansem em Paz.
José da Silva Lopes, 1932-2015 |
Massacre no Quénia, 2.04.2015 |
«Adão e Eva tinham liberdade para fazer qualquer coisa que quisessem, excepto comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. (Génesis 2:16-17):Deus criou Adão e Eva para serem seres livres, capazes de tomar decisões, capazes de escolher entre o bem e o mal. Foi o acto de desobediência que abriu os olhos de Adão e Eva para o mal. O seu pecado de desobediência a Deus trouxe o pecado para as suas vidas e o mal para o mundo .»
Não quero saber se a culpa é da mente arbitral
Sei que conheci poucos que escolheram ser bons!
E outros tantos tão ocupados a tecer razões
que não sobra tempo para tomar decisões
e vão apequenando a contenda desigual
Até já não restar nada para julgar.2 de abril de 2015
Boa Páscoa
Este é um esboço de Domingos Sequeira, infelizmente numa reprodução muito má, que não deixa ver o que o original nos conta com toda a maestria.
Escolhi-o, apesar disso , por retratar as emoções das gentes depois da morte de Cristo.
A dor, a pena, o medo, a curiosidade, a indiferença, variam consoante os protagonistas. Mas a todos envolvem, com uma excepção, as trevas e a perturbação. Seguir-se-ão tempos nunca vividos antes.
Nos dias de hoje, a Humanidade volta a estar perturbada, de diferentes formas, nesta montanha de escuridão e de medo.
Que, ao momento do Calvário, suceda o da Ressurreição. Boa Páscoa. (MFM
27 de março de 2015
Cada Qual seu Pão Granjeia
... não há ódios mas estimas,
tem-se amor pela vida alheia,
todos são primos e primas.
Sem ambições,
cada qual seu pão granjeia, ...
(carregue para ouvir)
Jornal O Templário 25.05.1952 |
Agenda de João Pereira da Mota, 10.02.1957 |
25 de março de 2015
Nova Companhia
As companhias de viação, responsáveis pelos transportes Estação de Paialvo-Tomar, que tantos dissabores causavam aos passageiros, pelas disputas entre si, reuniram-se em 1892, conforme a notícia abaixo. Deste modo talvez se tenham passado a evitar os distúrbios e a intervenção das autoridades naqueles casos, porque, em outros, as "diligências do sr. administrador do concelho" ter-se-ão sempre continuado a fazer sentir, como podemos ver nas "gatunices" transcritas.
A nova companhia, chamada popularmente "a empresa" tinha a sua sede, nos inícios do século XX, na Rua Direita (da Várzea Grande), pouco mais ou menos em frente ao Teatro, no local onde existiu durante muitos anos uma bomba de gasolina e agora está um restaurante. Lembro-me de ouvir os mais velhos referirem-se ainda àquele local como "a empresa", chegas "à empresa" e viras à direita, ou "vai-me comprar um carro de linhas desta cor, tem de ser marca "Coração", à loja do sr. Tomás, ao lado da empresa".
A "empresa" fechou por falta de trabalho, em 1928, quando a estação de Tomar começou a operar. Grande ambição da cidade, a chegada do caminho de ferro trouxe uma significativa melhoria de acessos (até porque, como vimos, as estradas, quer a de Paialvo, quer a de Chão de Maçãs, mantiveram-se quase sempre em mau estado) mas teve o seu reverso no fim "da industria" de transportes de Paialvo que suportava uma economia própria e mantinha um grande número de famílias. Um jovem segeiro da companhia, cuja família de quatro filhos vivia razoavelmente com o salário do seu ofício, viu-se subitamente na miséria, da qual muito tarde se veio a recompor, devido ao fecho daquela. Era o meu avô materno. Os momentos de ruptura, mesmo das aparentemente benéficas (e até inevitáveis), fazem sempre as suas vítimas. (MFM)
10.07.1892 |
21.03.1897 |
Estação de Caminho de Ferro de Tomar, 1930 |
24 de março de 2015
Freguesia da Madalena 1873 -1876 casos e dados
As marcas acima, retiradas dos Anais do Municipio de Tomar, de Amorim Rosa, merecem-me as seguintes considerações:
- Este povo da Madalena,sendo rebelde, ou não elegia a Junta ou elegia-a mal (ou a não contento de quem a nomeava), portava-se um pouco melhor que o resto do concelho no que concerne ao respeito pelo sagrado matrimónio tendo as crianças dentro do dito. Quanto ao licenciamento dos animais temos conversado, aparte o sr. conde, o que só lhe ficava bem, o "povão" não deveria querer saber disso para nada, o que também não lhe ficava nada mal, pois não acredito que não tivesssem nem um porquinho para a matança anual. (MFM)
23 de março de 2015
António d'Oliveira e José do Telhado
Camilo, o grande Camilo Castelo Branco, que, por motivos lá da vida dele, passou algum tempo na cadeia, escreveu a propósito dos episódios e das pessoas que conheceu nesses dias o livro "Memórias do Cárcere". Diz ele no inicio do capítulo XXVI, o que dedica a José do Telhado - "Este nosso Portugal é um país em que nem pode ser-se salteador de fama, de estrondo, de feroz sublimidade! tudo aqui é pequeno: nem os ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!Todas as vocações morrem de garrote, quando se manifestam e apontam a extraordinários destinos. A Calábria é um desprezado retalho do mundo; mas tem dado salteadores de renome. Toda aquela Itália, tão rica, tão fértil de pintores, escultores, maestros, cantores, bailarinas, até em produzir quadrilhas de ladrões a bafejou o bom génio!.... [em Portugal] Apenas um salteador noviço vinga destramente os primeiros ensaios numa escalada sai a campo o administrador com os cabos, o alferes com o destacamento, o jornalismo com as suas lamúrias em defesa da propriedade, e a vocação do salteador gora-se nas mãos da justiça ... faltava o telégrafo para matar à nascença as iniciativas auspiciosas. Apenas lá das povoações serranas desce à vila ou cidade a nova de um roubo, o arame palpita de horror, e a cara do ladrão é para logo litografada na fantasia de todos os esbirros sertanejos. A civilização é a rasa da igualdade: desadora as distinções: é forçoso que os bandoleiros tenham os mesmos tamanhos, e roubem civilizadamente, urbanamente. Ladrão de encruzilhada, que traz o peito à bala e o bacamarte apontado ao inimigo, esse há-de ser o bode expiatório dos seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização. Roubar industriozamente é engenho; saquear a ferro e fogo é roubo. Os daquela escola tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação; os outros, quando escorregam, acham-se encravados nos artigos 343, 349, 87, 433, 351, e mais cento e setenta artigos do código penal."
Camilo, lá, na nuvem etérea donde nos contemplam os génios, deve estar feliz por saber do desenvolvimento “da civilização” deste nosso Portugal, no 2.º milénio. Se vir televisão, Deus permita que não, seria mau sinal, verá que já não temos razões para nos envergonhar pois já os nossos “ ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países!”---não através “dos bandoleiros, dos que dão o peito às balas” mas dos “seus confrades, mais alumiados e aquecidos ao sol benéfico da civilização …Os daquela escola [que] roubam industriosamente, tropeçam nas honras, nos títulos, nos joelhos dos servis, que lhes rojam em venal humilhação”, e que, ao que vemos, estão hoje também “encravados” nos artigos do código penal os quais, ao que oiço dizer, se mantêm, mais coisa menos coisa, os mesmos.
As duas imagens abaixo, de 1889 e 1898, dão notícia de dois casos daqueles que se encontravam encravados nos artigos 343, etc. do código penal,de alguma forma relacionados com a estação de Paialvo-Porto da Lage.
Quem foi degredado em 1863 e morreu em Xissa, Mucari (Malanje, Angola), foi José do Telhado (José Teixeira da Silva). Por lá foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo fama de homem severo mas sempre pronto a ajudar os mais necessitados. Ganhou prestigio, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas locais. Quando faleceu, em 1875 com 57 anos, a população construiu um mausoléu na sua sepultura à qual, muitos anos depois, ainda fazia romagens.(MFM)
Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar e do Blog Kuanza Sul.
O primeiro, um roubo efectuado precisamente na bilheteira da estação, por um carregador da dita, homem, pelos vistos, de génio assomadiço que não terá gostado, percebe-se porquê, da pena que lhe foi imposta. No segundo caso, o título "Prisão Importante" poderia antes ser "Azar que não lembra ao careca", pois já viram o que é um desgraçado matar outro (sim, desculpem, não sei quais as razões, mas, pela mostra, o assassínio foi um azar: o primeiro de muitos), conseguir apanhar o comboio, sair onde o diabo perdeu as botas (sim, dizem que era uma estação importante, mas o pobre, à semelhança da maioria dos portugueses destes três séculos decorridos, não sabia), depois, ir, sabe-se lá como, direito a Porto Mendo (percebam, o homem não saiu no Porto, não saiu em Coimbra, nem sequer em Espinho, onde poderia ser reconhecido, não, foi para Por-to-do-Men-do, Por-to do Men-do, quem conhece Por-to do Men-do??), e quando se julgava seguro, lá, no meio do nada, e, com a fome a apertar se abeira da alma com a cara mais bronca que encontrou, a pedir um naco de pão, não é que se lhe apresenta o n.º 50, desfardado, da policia de Santarém? Um guarda com memória, ainda por cima, e com vontade de mostrar serviço! Nunca se tinha visto azar assim, como o do Oliveira, em 19 séculos D.C. Tivesse este episódio ocorrido 30 anos antes, teria sensibilizado o nosso grande escritor e hoje estaria também integrado nas suas "memórias". Assim calhou-lhe ser só este blog a lamentá-lo. Mais um azar. Menos mal.Passe a imodéstia, sempre saiu da obscuridade.
Sem dúvida, acabou por ir parar ao degredo, lá para as Áfricas. A propósito de degredo, esta pena, em 1867, ano da abolição da pena de morte em Portugal, foi mantida, mau grado ser considerada condenável, como meio de obtenção de mão-de-obra. Em 1880, A Nova Reforma Penal procedeu à abolição de certas penas, como a expulsão definitiva do Reino, a perda dos direitos políticos, a pena de trabalhos públicos, a pena de degredo e a prisão perpétua. No entanto, o degredo foi sempre mantido, por, supostamente, não haver cadeias de alta segurança suficientes no Continente, até 1932, ano em que se abole, por decreto, o envio de condenados para Angola, sendo que só em 1954 a pena é riscada do Código Penal português.
31.03.1889 |
11.09.1898 |
Quem foi degredado em 1863 e morreu em Xissa, Mucari (Malanje, Angola), foi José do Telhado (José Teixeira da Silva). Por lá foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo fama de homem severo mas sempre pronto a ajudar os mais necessitados. Ganhou prestigio, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas locais. Quando faleceu, em 1875 com 57 anos, a população construiu um mausoléu na sua sepultura à qual, muitos anos depois, ainda fazia romagens.(MFM)
A lápide reza assim De um Homem que nasceu obscuro nas Beiras e morreu homenageado pelo povo em Malanje. |
Estado da campa actualmente |
Imagens retiradas de Memória Digital de Tomar e do Blog Kuanza Sul.
21 de março de 2015
Dia Mundial da Poesia
Canção do Amor-Perfeito
Eu vi o raio de sol
beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.
Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.
Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.
Cecília Meireles,1901,1964 in 'Retrato Natural'
De Longe Te Hei-de Amar - Atravessando ebriamente os mapas!
De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.
Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.
Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?
E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
Cecília Meireles, in 'Canções'
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas
Sophia de Mello Breyner Andresen
E uma forma única que conheço de transmitir a exaltação de todas as esperas, é a voz mais poética deste povo.
Paul Klee, Jardim Tunisino, 1938 |
beijar o outono.
Eu vi na mão dos adeuses
o anel de ouro.
Não quero dizer o dia.
Não posso dizer o dono.
Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.
Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.
Cecília Meireles,1901,1964 in 'Retrato Natural'
Rene Magritte, Le Blanc-Seing, 1965 |
De Longe Te Hei-de Amar - Atravessando ebriamente os mapas!
De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.
Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.
Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?
E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
Wassily Kandinsky (1866-1944) -Outono na Bavaria |
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
Cecília Meireles, in 'Canções'
As Rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas
Sophia de Mello Breyner Andresen
E uma forma única que conheço de transmitir a exaltação de todas as esperas, é a voz mais poética deste povo.
20 de março de 2015
Chegou a Primavera
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.
Varrendo os ares o subtil Nordeste,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quando me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Sonetos
Sandro Botticelli, Alegoria da Primavera |
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.
Varrendo os ares o subtil Nordeste,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quando me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Sonetos
19 de março de 2015
Dia do Pai
"Dia 19 de Março comemora-se em Portugal o Dia do Pai. Celebra-se no dia de São José, marido de Nossa Senhora, mãe de Jesus."
Augusto Pereira da Motta, 16.08.1858 - 27.01.1915 |
Augusto Pereira da Motta, que foi buscar o nome ao padrinho Augusto Rodrigues, de Paialvo, nasceu no Paço da Comenda, filho de António Pereira da Motta, também do Paço e de Joaquina de Jesus Ferreira, da Beselga, freguesia de Assentis, Aos 25 anos, solteiro proprietário, reza o assento, casa-se com Maria José, quase a completar 19 anos, empregada na lida de sua casa, moradora na Quinta da Belida. Como se terão conhecido, o que os terá levado ao casamento? Ele ter-se-à encantado com os olhos claros dela, ele já usaria aquele chapéu e ela achou-lhe graça?
Já estou a ver o filme todo: [era Março, o primeiro domingo de bom tempo, a Primavera de 1883 anunciava-se, cheirava a alfazema e à terra lavrada que começava a ser preparada para a batata e o milho (espero que o Borda d'Água esteja certo) e Augusto flanava de fato domingueiro, com os amigos, fazendo tempo cá em baixo, à espera para subir a ladeira e assistir à missa. De súbito reparou numa das raparigas do grupo que se aproximava, vindo das Sobreiras. Já a conhecia, como ela saberia quem ele era, todos se conheciam na terra, mas há um dia, o dia e hora exactos, em que se repara. E a subida da ladeira e a missa já foram diferentes, a primeira mais acelerada do que o costume, a segunda com a atenção mais focada do que nos ofícios anteriores. Desta vez, já tinha a vista fixa num objecto, não andava à cata desta ou daquela. Mas tivera pouca sorte à saída da capela, perdera-a de vista na confusão da saída e só a tornara a vislumbrar já ela ia longe, confundida entre outras. O mais certo, agora, era só voltar a vê-la no domingo seguinte.Que ela morava na quinta, não cirandava por ali, não ia à fonte nem à venda. Mas já magicava um plano. Na 4.ª feira, à vinda da estação na carroça com mercadoria que lá ia levantar, havia de passar pela quinta, até lá cogitaria um pretexto para o fazer. Chegado o dia, afinal, nem tinha sido preciso apresentar a desculpa preparada, ela estava sozinha no tanque, perto só uma serva semeava na horta.Nem pais nem irmãos à vista.A conversa fora sobre coisa nenhuma mas, quanto a ele, chegara para se fazer entender. O que ele não pode saber é que não partira a tempo de a sua carroça não ser vista, ao longe, pelo pai dela que regressava do extremo da quinta. Perguntada, Maria José respondera quem fora o visitante, sim, mas acrescentara que não dissera ao que viera. O pai não insistira mas ficara a pensar no caso. Ou muito se enganava ou o que o figurão queria estava ali à sua frente, a ver se o aviava com respostas rápidas. Impunha-se estar atento e, para já, não espantar a caça. Que ela era boa menina e nunca lhe dera preocupações, mas sabia-se lá os estragos que a lábia do outro não fizera já na cabeça dela? Que, conversa, tinha ele, e não só para as mulheres, enrolava qualquer desprevenido que se fiasse nele, não era em vão que lhe chamavam o cigano. Mas que empregasse o palavrório nos negócios, se lhe fazia bom proveito, e lhe largasse a porta de casa. Para que raio lhe havia de dar, vir-lhe desencaminhar a rapariga! E, enfurecido com o rumo que os pensamentos estavam a levar tratou de despachar a filha e de se encontrar sozinho com a companheira, a fim de desabafar, porque não é bom manter um homem ideias negras muito tempo a trabalhar dentro da memória. Mas a mulher deu pouca importância à coisa, que eram fantasias dele, que deixasse estar a rapariga que ainda nem se apercebera que havia homens no mundo, que ela, mãe, não dera por nada, e se não dera era porque não havia. E, se fosse, o que é que tinha? Queria ele a filha para freira? não queria! Se não fosse este era outro, e o rapaz nem era dos piores. Vinha de boa gente, tinha de seu, o que é que ele queria mais? Era aldrabão? Que ela soubesse não roubava nada a ninguém, tinha talento para falar, pois então! Burro era quem se deixava levar, ora essa, que se acautelassem, ele não obrigava ninguém! Manuel estava perplexo com o pragmatismo da mulher! Então já um homem não deve avaliar o génio do genro que quer para a filha? Que tinha de seu?! Tinha o que a família da mãe lhe deixara que, esses sim, eram gente trabalhadora e honrada. Que o pai enquanto não gastara tudo o que era dele não descansara, o filho tinha a quem sair, que conhecera o António Mota, que Deus já lá tinha, sempre folgado e com a mania que era fidalgo. - Gente muito pouco amiga de vergar as costas, convence-te disso, mulher. Vê lá se é isso que queres para a tua filha. Vê lá se depois dos sacrifícios de toda a vida que tu e eu fizemos, queres que uma parte vá parar à mão de malandros. Pensa bem, porque enquanto eu viver e se fizer nesta casa o que eu mandar, gente daquela laia não põe cá os pés! A mulher achou por bem mudar de estratégia, conhecia até onde podia contrariar o marido. Quando ele tocava no sagrado trabalho e nos sacrifícios, era escusado. Homem da terra, para ele o único trabalho honrado era o da lavoura. Desconfiava de quem não trouxesse enxada ou foice na mão. Deus lhe perdoasse, que é até com os padres embirrava para já não falar dos doutorzecos, como ele dizia, filhos de lavradores como ele, que, depois de gastarem anos em Coimbra, continuavam preguiçosamente a viver da casa paterna sem lhes acrescentar nada, antes a delapidá-la. Acalmou portanto o marido, convencendo-o que aquela era uma conversa no ar, sem fundamentos. Estavam para ali a divagar e a zangarem-se, sem razão nenhuma.
Já estou a ver o filme todo: [era Março, o primeiro domingo de bom tempo, a Primavera de 1883 anunciava-se, cheirava a alfazema e à terra lavrada que começava a ser preparada para a batata e o milho (espero que o Borda d'Água esteja certo) e Augusto flanava de fato domingueiro, com os amigos, fazendo tempo cá em baixo, à espera para subir a ladeira e assistir à missa. De súbito reparou numa das raparigas do grupo que se aproximava, vindo das Sobreiras. Já a conhecia, como ela saberia quem ele era, todos se conheciam na terra, mas há um dia, o dia e hora exactos, em que se repara. E a subida da ladeira e a missa já foram diferentes, a primeira mais acelerada do que o costume, a segunda com a atenção mais focada do que nos ofícios anteriores. Desta vez, já tinha a vista fixa num objecto, não andava à cata desta ou daquela. Mas tivera pouca sorte à saída da capela, perdera-a de vista na confusão da saída e só a tornara a vislumbrar já ela ia longe, confundida entre outras. O mais certo, agora, era só voltar a vê-la no domingo seguinte.Que ela morava na quinta, não cirandava por ali, não ia à fonte nem à venda. Mas já magicava um plano. Na 4.ª feira, à vinda da estação na carroça com mercadoria que lá ia levantar, havia de passar pela quinta, até lá cogitaria um pretexto para o fazer. Chegado o dia, afinal, nem tinha sido preciso apresentar a desculpa preparada, ela estava sozinha no tanque, perto só uma serva semeava na horta.Nem pais nem irmãos à vista.A conversa fora sobre coisa nenhuma mas, quanto a ele, chegara para se fazer entender. O que ele não pode saber é que não partira a tempo de a sua carroça não ser vista, ao longe, pelo pai dela que regressava do extremo da quinta. Perguntada, Maria José respondera quem fora o visitante, sim, mas acrescentara que não dissera ao que viera. O pai não insistira mas ficara a pensar no caso. Ou muito se enganava ou o que o figurão queria estava ali à sua frente, a ver se o aviava com respostas rápidas. Impunha-se estar atento e, para já, não espantar a caça. Que ela era boa menina e nunca lhe dera preocupações, mas sabia-se lá os estragos que a lábia do outro não fizera já na cabeça dela? Que, conversa, tinha ele, e não só para as mulheres, enrolava qualquer desprevenido que se fiasse nele, não era em vão que lhe chamavam o cigano. Mas que empregasse o palavrório nos negócios, se lhe fazia bom proveito, e lhe largasse a porta de casa. Para que raio lhe havia de dar, vir-lhe desencaminhar a rapariga! E, enfurecido com o rumo que os pensamentos estavam a levar tratou de despachar a filha e de se encontrar sozinho com a companheira, a fim de desabafar, porque não é bom manter um homem ideias negras muito tempo a trabalhar dentro da memória. Mas a mulher deu pouca importância à coisa, que eram fantasias dele, que deixasse estar a rapariga que ainda nem se apercebera que havia homens no mundo, que ela, mãe, não dera por nada, e se não dera era porque não havia. E, se fosse, o que é que tinha? Queria ele a filha para freira? não queria! Se não fosse este era outro, e o rapaz nem era dos piores. Vinha de boa gente, tinha de seu, o que é que ele queria mais? Era aldrabão? Que ela soubesse não roubava nada a ninguém, tinha talento para falar, pois então! Burro era quem se deixava levar, ora essa, que se acautelassem, ele não obrigava ninguém! Manuel estava perplexo com o pragmatismo da mulher! Então já um homem não deve avaliar o génio do genro que quer para a filha? Que tinha de seu?! Tinha o que a família da mãe lhe deixara que, esses sim, eram gente trabalhadora e honrada. Que o pai enquanto não gastara tudo o que era dele não descansara, o filho tinha a quem sair, que conhecera o António Mota, que Deus já lá tinha, sempre folgado e com a mania que era fidalgo. - Gente muito pouco amiga de vergar as costas, convence-te disso, mulher. Vê lá se é isso que queres para a tua filha. Vê lá se depois dos sacrifícios de toda a vida que tu e eu fizemos, queres que uma parte vá parar à mão de malandros. Pensa bem, porque enquanto eu viver e se fizer nesta casa o que eu mandar, gente daquela laia não põe cá os pés! A mulher achou por bem mudar de estratégia, conhecia até onde podia contrariar o marido. Quando ele tocava no sagrado trabalho e nos sacrifícios, era escusado. Homem da terra, para ele o único trabalho honrado era o da lavoura. Desconfiava de quem não trouxesse enxada ou foice na mão. Deus lhe perdoasse, que é até com os padres embirrava para já não falar dos doutorzecos, como ele dizia, filhos de lavradores como ele, que, depois de gastarem anos em Coimbra, continuavam preguiçosamente a viver da casa paterna sem lhes acrescentar nada, antes a delapidá-la. Acalmou portanto o marido, convencendo-o que aquela era uma conversa no ar, sem fundamentos. Estavam para ali a divagar e a zangarem-se, sem razão nenhuma.
Mas havia razão, como Manuel Sousa Rosa intuíra, Augusto não desistiu e o namoro pegou. Perante as dificuldades levantadas, que a mãe dela, quando se convenceu que as desconfianças do marido tinham fundamento, cerrou de tal modo fileiras que ele nem vê-la quanto mais falar-lhe, Augusto não hesitou e resolveu ir entender-se com o futuro sogro. Foi encontra-lo à beira do ribeiro, a cortar canas para estacar o feijão e veio de lá, liminarmente, corrido. Interrompera-o ainda nem a meio chegara do seu discurso preparadissimo. Sim senhor, acreditava que as intenções dele eram boas, melhor fora que não. A enxada que ele estava a ver, ali, nas mãos dele, já o teriam rachado se suspeitasse outra coisa, mas a filha não estava para casar, era muito nova. E, quando chegasse a ocasião, ele, seu pai, lhe arranjaria marido conveniente. O que era marido conveniente, pois ele atrevia-se a contestá -lo? Mostrava bem o desavergonhado que era. Pois ia dizer-lhe quem não era nem seria nunca conveniente! – Estava mesmo agora a pô-lo daqui para fora, saia já da minha frente!
E Augusto saíra, mais zangado do que triste. Tinha a certeza de conseguir a Maria, era uma questão de tempo. Não costumava ter dúvidas, quando se lhe metia uma coisa na cabeça. Começavam era a aborrecê-lo os trabalhos para o conseguir. E, embora tivesse previsto que a conversa com o pai dela não viesse a ser suave, porque estas matérias nunca eram fáceis e porque no seu caso, não percebia porquê, o sogro não gostava dele, nunca imaginara que as coisas correriam assim. Diabos levassem o velho, com que raiva o espantara dali para fora! Mas à medida que se ia afastando do local onde se dera o encontro, ia-lhe passando a zanga e começava a achar graça à exaltação do homem. Como se agigantara aquela estatura baixa, embora entroncada, e como os olhos esverdeados tinham faiscado quando lhe perguntara qual seria o marido conveniente para a filha? Até lhe dava vontade de rir. Bom, já lhe estava a voltar a boa disposição. Não conseguia ficar irritado muito tempo. Ia dali para casa falar com a mãe, ela havia de se lembrar de algum parente lá de Assentis que se desse bem com a família da sua Maria e que interferisse a seu favor. Tudo havia de correr bem. Mais logo trataria de lhe mandar recado para se encontrarem, já há dois dias que a não via, estava a ficar com saudades do sorriso dela...]
...Bom, por mim o filme acabou, não vejo mais, adivinho que se segue a pepineira habitual, contrariedades, choradeiras, ameaças, o costume, até ao apogeu final. Os noivos levaram a sua avante, os factos comprovam-no. A 10 de Outubro do mesmo ano casaram-se na Igreja de Santa Maria Madalena. Foram testemunhas José Lopes Larangeira, "feitor do senhor marquês de Thomar" e um tal Dom Jorge Arcos, negociante, natural do México, representado por João de Sousa Rosa, tio da nubente e "outras muitas pessoas que presentes estavam". A cerimónia deve ter sido "importante", como se dizia então, ou porque o pai da noiva não quis ficar mal visto e se encheu de brios ou porque Augusto Mota, afinal, não estaria assim tão mal de finanças.
Os filhos sucederam-se, o primeiro, Manuel, que ainda nasceu no Paço, local em que os pais ficaram a morar, Ana, que nasceu na Quinta da Belida, em casa dos avós, seguindo-se os outros já em Porto da Lage, onde Augusto construiu uma casa para a família viver, pois a mulher não teria aguentado continuar a habitar na casa do Paço devido ao cheiro do negócio de curtumes a que o marido se dedicava: Soledade (cujos netos estão, a maioria, na diáspora)que veio a casar com o primo António Sousa Rosa, João, Maria, Maria da Conceição, António, Henrique e mais dois, falecidos ainda crianças.
Todos os filhos ficaram a viver em Porto da Lage, alguns casando com primos direitos maternos, contribuindo não só para o povoamento da terra mas também para o seu desenvolvimento económico e social. A agricultura, o comércio, a industria, conheceram um grande incremento em Porto da Lage graças aos filhos de Augusto Pereira da Motta. Será, por isso, justo e oportuno lembrá-lo neste "dia do pai" (MFM)
P.S-Augusto Pereira da Motta tinha três irmãos que continuaram a viver no Paço: Ana (n.1857) casada com Agostinho Ferreira (pais de Maria, Henrique, Augusto, Manuel, Joaquim, António e Agostinho - os poetas), Henrique (n.1861) terá casado tarde e não terá tido filhos e Manuel (n.1864) casado com Ana Rosa (pais de Maria, João, Georgina e Augusto). Ao contrário de Porto da Lage, em que já não moram descendentes de Augusto, sei que no Paço ainda vivem descendentes dos seus irmãos. Para eles as saudações desta prima.(MFM)
Imagem cedida por H.C.M |
P.S-Augusto Pereira da Motta tinha três irmãos que continuaram a viver no Paço: Ana (n.1857) casada com Agostinho Ferreira (pais de Maria, Henrique, Augusto, Manuel, Joaquim, António e Agostinho - os poetas), Henrique (n.1861) terá casado tarde e não terá tido filhos e Manuel (n.1864) casado com Ana Rosa (pais de Maria, João, Georgina e Augusto). Ao contrário de Porto da Lage, em que já não moram descendentes de Augusto, sei que no Paço ainda vivem descendentes dos seus irmãos. Para eles as saudações desta prima.(MFM)
18 de março de 2015
Era uma vez
Era uma vez
um rei e um bispo
acabou-se o conto
não sei mais do que isto.
Era uma vez
um rei e uma rainha
acabou-se a história
que era pequenina
Era uma vez
um gato maltês construiu um prédio
não sei o que fez.
Era uma vez
um gato maltês
tocava piano
falava francês.
Era uma vez
uma vaca Vitória
morreu a vaquinha
e acabou-se a história.
Ilustrações de Maria Keil para livros infantis.
(Fim, por agora, das poesias populares co(a)ntadas pela da tia Alice)
17 de março de 2015
Bichinha gata
Raul Lino, Ilustração do livro "Animais nossos amigos" de Afonso Lopes Vieira |
Bichinha gata que
comeste tu? Sopinhas de mel.
Guardaste-me delas?
Guardei, guardei!
Onde as puseste?
Atrás da arca.
Com que as tapaste?
Com o rabo da gata!
Sape gato
lambareiro,
tira a mão
do açucareiro.
(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)
16 de março de 2015
Cantiga da preguiçosa
Na segunda me deito,
Na quarta é dia santo,
Na quinta vou à feira,
Sábado vou-me confessar,
No domingo comungar.
Diga-me lá, ó comadre,
quando hei-de trabalhar?
(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)
15 de março de 2015
Senhora Vizinha
Capa da Revista Serões, Novembro de 1906. |
uma sapatada
na cara do meu
Senhora vizinha
ralhe com o seu gato
que a minha gatinha
anda a namorá-lo
Senhora vizinha
ralhe com o seu frango
que vem cá pra casa
dançar o fandango.
(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela tia Alice)
14 de março de 2015
Dia de Aniversário
Frederick Daniel Hardy (1827-1911)- Baby's Birthday (1867) |
-Sobre Porto da Lage? Mas o que é que há a dizer sobre Porto da Lage? -Espantava-se um jovem quando transmiti a minha ideia peregrina sobre o blog. Hoje, três anos passados sobre o primeiro post, sou eu quem se espanta por ainda aqui andar. É certo que nem sempre o que aqui se publica é sobre Porto da Lage, que, às vezes, não resisto e lá me desliza o pé para a chinela daquilo que me rodeia. Uma inevitabilidade de estarmos vivos e de termos esta tendência para pensarmos e mostrar a nossa opinião. Mas enfim, faço por me conter e a maioria dos posts são sobre o tema e se não são, paciência, afinal quem manda sou eu. Outro motivo para a "duração" do blog são os longos períodos de intervalo; afinal, em três anos só foram publicados 290 posts (estatística do blog diz, e eu acredito), o que, feitas as contas para mostrar serviço, até nem seria assim tão mau, equivalendo, sensivelmente, à saída de um post de quatro em quatro dias (estatística minha que vale muito pouco pois este é um dos casos em que a média não se aplica, por não representar quase nada). As "paragens" foram, de facto, longas e só não se tornaram definitivas graças a quem me lê. Não fosse o interesse manifestado por quem faz o favor de acompanhar este blog e ele já teria chegado ao seu destino.
Dei inicio a este blog porque tinha recolhido um pequeno acervo sobre as origens de Porto da Lage e sobre a estação de Paialvo e achava que devia partilhá-lo.
Porto da Lage é um dos casos raros do nosso velho Portugal, uma povoação da qual, escarafunchando bem, quase se pode saber em que dia nasceu. É um produto da revolução industrial, do tardio desenvolvimento dos transportes, do Fontismo, depois, do condicionamento industrial do Estado Novo. Num país como o nosso, onde as preocupações com as origens mais recentes ascendem aos Godos e as mais antigas aos dinossauros (não, não estou a confundir as coisas, na história de todos os dias, já não se estabelece diferença entre gente e "não gente"), questões destas são irrelevantes. Ao contrário dos países novos da América e da Austrália, por exemplo. Basta procurar na net para encontrarmos inúmeros blogs com a história de cidadesinhas brasileiras, nascidas no sec.XIX, em que, para eles uma velha fotografia ou um ferrolho de porta é uma peça histórica de valor incalculável.
Este meu interesse "académico" por Porto da Lage, que se esgotaria em pouco tempo porque eu pouco mais teria a dizer, foi, felizmente, acompanhado pelas emoções e pela memória de quem lia o blog. Embora este blog não seja, não quero que seja, "um roteiro da saudade" (será "de memórias" senão puder ser outra coisa - o facto de não viver em Porto da Lage dificulta trazer para aqui coisas do presente) pois recuso-me a meter Porto da Lage algures, noutra dimensão, e pôr este blog a fazer de máquina do tempo para lá ir em visita. Porto da Lage existe no espaço e teve, tem e terá uma vida, como todos nós, que se desenvolve no tempo. Não existe no tempo de quem lá viveu esse tempo. Ou existirá, mas eu não partilho essa vivência. Por isso digo que este blog não é "um roteiro da saudade", não porque tenha qualquer hostilidade contra a saudade ou contra quem tem saudades. Exemplo vivo desta forma de ver as coisas é, já o disse aqui, Dulcinda Mota Teixeira, com uma memória prodigiosa sobre Porto da Lage e uma profunda preocupação com Porto da Lage e há mais como ela, afinal de contas Porto da Lage é habitada, não é propriamente Pompeia.
Expressa a origem do blog e a sua intenção, que ainda não tinha aqui referido, resta-me agradecer a todos os que contribuíram para que ele se mantenha. A todos os que enviaram comentários, sugestões e felicitações, quer directamente para o blog quer de outras formas, muito, muito obrigada, espero não os vir a desiludir. Aos que colaboraram, também agradeço, reconhecida, o esforço e a generosidade. Não posso, ainda, deixar de mencionar três pessoas especiais: os irmãos Dulcinda e Ilídio Mota Teixeira que, com as suas crónicas, não deixaram morrer este blog em determinado momento e H.C.M (como nunca sei como hei-de escrever, primo, desta vez vai com siglas) que, com a sua simpatia, várias vezes me incentivou a continuar. Bem hajam todos.(MFM)
Dei inicio a este blog porque tinha recolhido um pequeno acervo sobre as origens de Porto da Lage e sobre a estação de Paialvo e achava que devia partilhá-lo.
Porto da Lage é um dos casos raros do nosso velho Portugal, uma povoação da qual, escarafunchando bem, quase se pode saber em que dia nasceu. É um produto da revolução industrial, do tardio desenvolvimento dos transportes, do Fontismo, depois, do condicionamento industrial do Estado Novo. Num país como o nosso, onde as preocupações com as origens mais recentes ascendem aos Godos e as mais antigas aos dinossauros (não, não estou a confundir as coisas, na história de todos os dias, já não se estabelece diferença entre gente e "não gente"), questões destas são irrelevantes. Ao contrário dos países novos da América e da Austrália, por exemplo. Basta procurar na net para encontrarmos inúmeros blogs com a história de cidadesinhas brasileiras, nascidas no sec.XIX, em que, para eles uma velha fotografia ou um ferrolho de porta é uma peça histórica de valor incalculável.
Este meu interesse "académico" por Porto da Lage, que se esgotaria em pouco tempo porque eu pouco mais teria a dizer, foi, felizmente, acompanhado pelas emoções e pela memória de quem lia o blog. Embora este blog não seja, não quero que seja, "um roteiro da saudade" (será "de memórias" senão puder ser outra coisa - o facto de não viver em Porto da Lage dificulta trazer para aqui coisas do presente) pois recuso-me a meter Porto da Lage algures, noutra dimensão, e pôr este blog a fazer de máquina do tempo para lá ir em visita. Porto da Lage existe no espaço e teve, tem e terá uma vida, como todos nós, que se desenvolve no tempo. Não existe no tempo de quem lá viveu esse tempo. Ou existirá, mas eu não partilho essa vivência. Por isso digo que este blog não é "um roteiro da saudade", não porque tenha qualquer hostilidade contra a saudade ou contra quem tem saudades. Exemplo vivo desta forma de ver as coisas é, já o disse aqui, Dulcinda Mota Teixeira, com uma memória prodigiosa sobre Porto da Lage e uma profunda preocupação com Porto da Lage e há mais como ela, afinal de contas Porto da Lage é habitada, não é propriamente Pompeia.
Expressa a origem do blog e a sua intenção, que ainda não tinha aqui referido, resta-me agradecer a todos os que contribuíram para que ele se mantenha. A todos os que enviaram comentários, sugestões e felicitações, quer directamente para o blog quer de outras formas, muito, muito obrigada, espero não os vir a desiludir. Aos que colaboraram, também agradeço, reconhecida, o esforço e a generosidade. Não posso, ainda, deixar de mencionar três pessoas especiais: os irmãos Dulcinda e Ilídio Mota Teixeira que, com as suas crónicas, não deixaram morrer este blog em determinado momento e H.C.M (como nunca sei como hei-de escrever, primo, desta vez vai com siglas) que, com a sua simpatia, várias vezes me incentivou a continuar. Bem hajam todos.(MFM)
12 de março de 2015
Oh que lindo rapazinho
José Malhoa, A vizinha |
Oh que lindo rapazinho
toda a noite aqui andou
eu queria falar com ele
Minha mãe não me deixou
ó que sisma de mulher
eu hei-de falar com ele
quantas vezes eu quiser
Quantas vezes eu quiser
quantas mais me apetecer
começo de madrugada
e acabo ao escurecer
Toda a noite aqui andou
toda a noite a passear
ó que lindo rapazinho
para comigo casar.
(continuação das poesias populares co(a)ntadas pela da tia Alice)
10 de março de 2015
Lisboa Luminosa
Eu gosto de Lisboa. Mais bem dito, porque é a verdade - eu adoro Lisboa. Há, debaixo do sol, luz tão linda como a dela (tive ocasião de ver quase igual nas antípodas) mas não tão terna, tão aconchegante. É uma luz que não resplandece nem exalta como o ouro, por isso fria e distante, antes ilumina, acariciando tudo em que toca, desde a planície macia do Tejo e a das pedras da calçada até às almas dos transeuntes que têm a felicidade de serem trespassados por ela. Um dia, se me der para aí, hei-de falar deste amor de quarenta anos, que, como em todos os amores, já se deixou de encantar só com a beleza. Por agora, vem este meu arrobo apaixonado a propósito desta imagem que encontrei, do final do sec.XIX, de O António Maria, e dos nervos que já começam a atacar alguns lisboetas por causa de excesso de turistas que "assaltam" todos os dias a cidade, e a transformação que, por via deles, a está a transformar numa diversão pegada.
Propunha em 1891 Rafael Bordalo Pinheiro que, em vez de "se vender Moçambique que talvez seja uma coisa triste", [para prover à eterna divida] se alugasse Lisboa à batota universal, que "será com certeza uma coisa alegre e nos permitirá prolongar indefinidamente este nosso dulce far niente" [os chamados países do norte não diriam melhor sobre nós, nos dias de hoje].
E descreve as alterações necessárias, vale a pena ler, que, comparadas com o que estamos hoje a ver em Lisboa, fazem pôr os cabelos em pé, pela premonição, àqueles que acham que a "identidade" se está a perder e que a bela capital se está a transformar num parque de diversões. Eu, por mim, gosto de Lisboa incondicionalmente . (MFM)
O António Maria, n.º 309. 18.06.1891 |
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