Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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7 de outubro de 2015

O Último Conde de Tomar



Falámos, no outro dia, a propósito da passagem do marquês de Tomar pela Estação de Payalvo e, consequentemente por Porto da Lage, no seu neto, o último conde de Tomar. Era uma figura muito querida e respeitada na cidade, segundo ouvi dizer a quem com ele privou. Desses, já hoje poucos estão connosco. O Coronel Vasco da Costa Salema num dos seus livros (1) fala-nos dele nestes termos:






O 2.º Conde de Tomar, António Bernardo da Costa Cabral,
pai do 3.º conde, referido nestes artigos. Faleceu em
19.03.1905,  segundo notícia no Occidente






A  "Cerca do Conde" ficava por trás das casa à esquerda, derrubadas depois da aquisição pelo Estado,a fim de construir o largo actual. As duas casas da direita, ao cimo, ainda hoje lá estão

As velhas casas vistas de frente, segundo um desenho do arq. Costa Rosa.




O decurso das obras no Largo, já sem as velhas casas.



A construção do muro da Cerca




A cerca já vedada com o grande muro e enormes portões (provenientes de umarmazém da Alfândega de Lisboa reestruturado). Nasce um novo largo, ao cimo da Rua da Graça, ainda sem a estátua do Infante D. Henrique.


A Estátua do Infante D.Henrique inaugurada em 1960.




A imponente entrada da Cerca que hoje conhecemos.
Eu nasci aqui ao lado. Posso dizer que este portão me viu crescer, literalmente. As fotografias eram-nos tiradas aqui, ao longo dos anos, todos em fila, com o portão como fundo. Um dia destes vou lá tirar uma para colocar ao lado da dos quinze anos. Assim consiga convencer os meus irmãos!


(1) Coisas e Loisas de Tomar,Coronel Vasco da Costa Salema, Empresa Editora Cidade de Tomar, Lda, Tomar, 1993




5 de outubro de 2015

O 5 de Outubro, A República e o MEU 5 de Outubro




Declaração de interesses:
1- Eu gosto do regime em que vivo. Reconheço que passo os olhos, de vez em quando, pela Holla, que me deixo encantar, às vezes, pelas toilettes, que as critico inexoravelmente, outras tantas, que até vou sabendo quem se foi casando, baptizando e mesmo, não me orgulho disso, mas o que é que eu hei de fazer, é mais forte do que eu!?,tomo partido como quando vejo o safado do rei andar a divertir-se lá com os elefantes e não só, enquanto a pobre da Sofia aguentava galhardamente o lugar e aturava a pindérica e plebeia da nora (plebeia, apesar de não achar bem- que mania que deu agora na realeza de misturar-se com todo o gato sapato!- enfim, concedo, mas uma flausina!?) - bem feita que ficou coxo e sem reino, o da caçada aos elefantes, claro! Aguenta-te Sofia! E aproveita os anos que te restam sem o estronço do Bourbon!
Pois, apesar deste entretenimento inocente e decorativo, dispenso-o no meu país. Prefiro a D.Maria em Belém, que é mulher simples e bem casada, quanto mais não seja porque o seu excelso esposo se vai embora daqui a dias, à semelhança de todos os antecedentes que lá estiveram e se foram, e virá outro com outra Maria, ou então virá uma Maria e trará o seu Manel (e se for outro casal com outra composição, também já estou por tudo) mas também porque, além de não ficarmos à mercê desse mistério insondável que é o nascimento de criancinhas filhas de antecessores perpétuos, sempre dizemos, os portugueses, alguma coisa sobre o assunto. É que, para mim, poderá ser displicente nestes tempos de democracia entendida à vontade do freguês e de quem berra mais, antiga como sou, ainda acho importante os portugueses pronunciarem-se.
2- Sendo portanto a favor do regime político chamado República não acho graça nenhuma, para não dizer que repudio veementemente, a demagogia em que vamos sendo alimentados de sacralização da primeira República. A coisa correu mal, mesmo muito mal, veja-se abaixo a lúcida análise de Fernando Pessoa, a falta de democracia e de liberdade, as perseguições e a constante desordem (já não falo da crise económica que vinha de trás, continuou e parece que é endémica)levaram ao regime que se seguiu, plenamente consentido por quem o viveu (tu sabes lá o desassossego em que se vivia filha!? - passámos a viver no Céu, calava-me a minha avó perante qualquer contestação minha, perdoável devido à minha tenra idade) e que deu o resultado que sabemos!
3- Quero lá saber da contradição face ao atrás dito: Em defesa da minha saúde, do meu relógio biológico que, nesta idade, não está cá para acertos ao segundo quanto mais aos dias, quero de volta o meu FERIADO DO 5 DE OUTUBRO em que nasci e fui criada. Todo o meu corpo se rebelou hoje ao ser obrigado a vir apresentar-se ao trabalho.Estou aqui contrariadissima! quero ir para a Praça do Municipio festejar a República com ou sem Presidente da dita, ou então fazer outra coisa qualquer como sempre fiz!!! (MFM)

 


«...O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a República é que não estava. Grandes são as virtudes (de) coesão nacional e de brandura particular do povo português para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!

Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos, de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a Monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.
A Monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado — todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.
A Monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por quadrilhas de ladrões. E a República que veio multiplicou por qualquer coisa - concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) - os escândalos financeiros da Monarquia.
A Monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A República veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da Monarquia, estava ela, a Monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a República, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a República instituiu a desordem múltipla.
É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhorámos em administração financeira, não melhorámos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na Monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na República não era possível, porque era perigoso insultar até verbalmente o Sr. Afonso Costa.
O sociólogo pode reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reacção contra eles.
E o regime está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que por direito mental devem alimentar-se.
Este regime é uma conspurcação espiritual. A Monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a República veio (a) ser.»

Fernando Pessoa

Da República, Editora Ática, Lisboa, 1978

3 de outubro de 2015

Bailes e Kermesses



Não! Não estou a desrespeitar o período de reflexão (nunca este blog se atreveria dada a sua influência)! O Centro Socialista Thomarense não se candidata a estas eleições. Já teve o seu tempo. E, ao que parece, um tempo animado, de festejos com kermesses, número de prendas razoável e bailes campestres. Nada que um burguês acomodado desdenhasse! Afinal temos sido sempre tão iguais! Começa a ser secante aguentar tanto despique pela pretensa diferença!



12-06-1698
O Baile, imagem do filme O Leopardo de Luchino Visconti

3 de Outubro - Criação da Feira de Santa Iria


E já lá vão 389 feiras. É muita Feira,muito carrossel, muita fartura ...


Filipe III de Portugal, IV de Espanha
«Eu, El-Rei, faço saber ...que havendo respeito ao que se me
representou por parte dos Oficiais da Câmara da Vila de Tomar:
Hei por bem e me praz de conceder à dita Câmara que se possa fazer na dita Vila uma feira cada ano por dia de santa Iria, pagando-se nela os direitos de tudo o que se vender, pelo que mando ao Provedor da Comarca da dita Vila de Tomar, a faça apregoar pelos lugares dela, e às mais justiças e pessoas a quem o conhecimento disto pertencer não impidam fazer-se a dita feira, pelo dito dia, e cumpram e guardem este como nele se contém
   ..........Rei ...em Lisboa a 3 de Outubro de 1626»

(reproduzido dos Anais do Municipio de Tomar, vl. 1581-1700, pg.159)








2 de outubro de 2015

Os Srs. Marqueses de Thomar de passagem por Payalvo



28.05.1880



                                               Fotografia de José Leitão Bárcia, Arquivo Municipal de Lisboa.

Infelizmente não encontrei fotografias que ilustrem a recepção na gare, dos Exmos Marqueses e sua filha, pela Câmara Municipal e diversos cavalheiros, abrilhantada pela música da Banda dos Carrascos e o fulgor das girândolas de foguetes a subirem no ar. Mas tenho pena, apesar da riqueza da prosa não deixar nada a desejar, devia ser coisa linda de ser vista. Porém, tenho muito mais pena de não encontrar qualquer imagem da estação de Paialvo destas épocas. Quem me arranja uma?! Acredito que haverá, com tanta gente ilustre, até reis e rainhas, a embarcar e desembarcar por ali! Enquanto não aparecem as desejadas fotos, imaginemos-las com recurso a esta, da vizinha Chão de Maçãs, roubada do blog AUREN. (MFM)

Imagem publicada no Occidente em 21.09.1889

António Bernardo da Costa Cabral (1803-1889) governou Portugal entre 1842 e 1846 e depois por mais um curto período compreendido entre 1849 e 1851. Apesar de ter tido sempre contra si uma oposição tenaz, pelas medidas tomadas, o que fazia com que os seus inimigos o apelidassem de "segundo marquês de Pombal", a rainha manteve-se persistentemente a seu lado, o que originou boatos de romance entre os dois. Estes rumores atingiram foros de verdadeiro escândalo quando a soberana o tornou "Conde de Tomar", precisamente numa visita que fez com o marido aos novos domínios de Costa Cabral - O Convento de Cristo. Em 1837, após as nacionalizações dos bens conventuais, o agora Conde havia adquirido o Convento e a cerca, com construções e muralhas, por cinco contos de réis numa venda, dizia-se, favorecida politicamente.
Àquele filho de uma família modesta de Fornos de Algodres, licenciado em direito em Coimbra, não lhe bastava o título, desejava ser um conde à séria, como os antigos, queria um "condado", pelo que continuou comprando terras que anexava às primeiras, como o convento e a quinta da anunciada Velha.
Após deixar o governo, o  desterro nos seus domínios em Tomar, foi entremeado pela vida diplomática, tendo, no fim da vida , entre 1870 e 1885, sido responsável pela embaixada de Portugal na Santa Sé, na época do estertor dos Estados papais e da reunificação italiana tendo desempenhado papel de relevo na intermediação da chamada Questão Romana (1). Pelos seus serviços recebe a Torre e Espada e é elevado a Marquês de Tomar em 1878. Terá sido numas férias do seu desempenho diplomático em Roma que desceu  e foi recebido com toda a pompa, na estação de Paialvo, a caminho de Tomar, como refere pormenorizadamente a noticia.
Foi por seu intermédio que a vila de Tomar foi elevada a cidade em 1848, mas hoje , parece-me, só por lá será lembrado por ser nome de rua e, talvez, pela existência de inúmeros Costa Cabral, pessoas sérias e penso que orgulhosas do seu nome, descendentes do último conde, neto do primeiro, e de várias e bonitas camponesas, moradoras nas suas terras, às quais reconhecia os filhos e agraciava com uma casa e subsistência vitalícia. Dizia deste conde, a minha avó, sua vizinha, que,  para além de um belo homem, era um cavalheiro e uma boa alma. Das suas conversas destacava as preocupações com o estado do mundo e o futuro dos filhos. Teria razões para isso. Todos os seus bens estavam hipotecados e acabaram comprados em hasta pública, em 1934, pelo Estado. (MFM)

(1) Muito interessante o trabalho sobre este assunto de António Pinto de França "Costa Cabral nos dias da queda da Roma Papal em 1870", Separata de Cultura-revista de história e teoria das ideias. Vol.XI, 2ª série, Centro de História da Cultura,Universidade Nova de Lisboa.

30 de setembro de 2015

Minas de Prata


No final do sec.XIX já só existiam indícios da alegada exploração de minas de prata em Porto da Lage, de que nos fala J.M. de Sousa (1). Alguém tem mais notícias sobre este assunto?





                                         
"...na encosta que fica fronteira à estação ...., foi ali também que apareceram alguns pedaços de minério..."

(1) Em  Notícia Descritiva e Histórica da Cidade de Tomar pag. 213.

14 de setembro de 2015

E isto ajuda?

Este não era um blog de estados de alma. Até hoje. Há um dia em que o peso que a vida nos obriga a suportar sozinhos tem de ser partilhado com o resto do mundo, que não é possível calar-mo-nos mais e o grito entalado não só na garganta, mas em todos os átomos do nosso corpo,se expele e revolta e ecoa por tudo o que está à nossa volta, blog incluído. É hoje o dia! Resolvi partilhá-lo com os meus irmãos na desdita. Quem nunca andou doido atrás das chaves do carro? Quem nunca guardou aquele documento importantíssimo num lugar inalcançável por terceiros e não se lembra do bendito sitio? Quem nunca se esquece, depois de chegar, todo apressado, à cozinha, do que lá ia fazer? Esses, os felizardos que não sabem o que isto é, escusam de continuar a ler. Não entenderão a razão de ser  desta angústia crescente e irrevogável, em que consciencializamos que o que estava aqui se escondeu ou fugiu, que as coisas, matreiramente, mudam de lugar, que o lugar se desloca, inesperadamente, de sitio.E que, para esquecer este jogo de escondidas com as coisas, se vai ao cinema.
E o que é que lá está para nos animar? Uma criatura que, dado o estado cronológico da sua existência, tendo mais do que obrigação de se sentir como nós, não senhor,salta, dança, toca e canta, senhores, CAAAANNNTA metendo os Jagger e Springsteen desta vida num chinelo!!! Digam-me, isto ajuda??? Não, faz mal à saúde, deprime mais ainda, devia ser proibido! Como não é, só peço à Nossa Senhora dos Invejosos (acredito que neste mundo crente e cristão há-de haver, pecaminosamente, uma por aí, algures) que, pelo menos, faça a mulher, lá, na sua magnífica mansão do Connecticut, à semelhança dos outros miseráveis mortais, perder alguns minutos desesperados, várias vezes ao dia, à procura dos óculos!!!! ao menos isso, para a gente acreditar, senão que é humana, que nasceu em 1949!! (MFM)




A "Amante do Tenente Francês" e "África Minha" continuam a ser os meus 
preferidos por "no particular reason", só porque sim,pois a senhora é sempre
 uma actriz perfeita, este "Ricki and the Flash" é mais um exemplo de talento e 
vitalidade.



11 de setembro de 2015

A Feira de Santa Cita




Andor de Santa Cita que desfila na procissão do Senhor Jesus das Necessidades

Segundo nos conta J.M.Sousa (1) pelos anos 155, da era cristã, durante o domínio dos romanos, viviam perto do local onde hoje se situa a povoação de Santa Cita (2), Caio Atílio, cidadão bracarense e Cássia sua mulher. Tinham em sua companhia uma formosa donzela, de nome Cita que se convertera ao Cristianismo. Perseguida por causa das suas crenças religiosas, fugiu para um ermo, lugar onde os seus algozes a descobriram e lhe deram morte afrontosa.
O seu corpo foi insepulto, como era costume fazer-se por desprezo  para que as feras ou aves de rapina o viessem devorar. Teriam então vindo os cristãos da Nabância, às ocultas, dar sepultura àquele corpo santificado pelo martírio e abençoado por Deus. Sobre o seu sepulcro erigiram mais tarde uma capela, transformada depois em igreja.
Aqui teria sido erguido um  Convento de Frades Franciscanos, não se sabe exactamente em que data (3), embora se conheça a sua confirmação como Convento Franciscano em 1440 pelo Papa Eugénio IV (ver os postes sobre a história do convento neste excelente blog), convento esse que transitou em 1628 para um novo, da mesma Ordem, construído de raiz, nos terrenos da Várzea Grande, em Tomar.
No entanto, em Santa Cita deverá  ter continuado um pequeno convento pois o Padre Carvalho da Costa na sua Corografia Portuguesa e Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal (1706-1712) refere, no Tratado IV Da Comarca de Tomar, Capítulo I,  Tomo Terceiro daquela obra,  que o  Convento de Santa Cita de Religiosos da Ordem de São Francisco está junto ao Rio Nabão, são seus Padroeiros os Senhores do Morgado e Quinta da Beselga, que tomou o nome da dita ribeira, que passa junto dela nesta Freguesia de Santa Maria Madalena. Diz a memória popular que, após a mudança, no velho convento ficaram apenas três frades "para a guarda das relíquias da Santa". 
E, em 1834 o convento ainda lá existia pois, na sequência da extinção das ordens Religiosas em Portugal, aquele foi mais um dos encerrados, sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional, à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (4), conforme o registo que se pode ler no ANTTA 19 de Julho de 1834, João António da Fonseca, juiz ordinário, o ex-guardião frei José da Conceição Pinto, António Pereira Mendes, escrivão dos Órfãos da Repartição da vila de Tomar, entre outros, procederam à posse e inventariação dos bens do dito Convento do Senhor das Necessidades no Lugar de Santa Cita na Vila da Asseiceira. 
À época em que J.M.Sousa escreveu sobre o martírio de Santa Cita já o convento estava em mãos de particulares.
Mas a  povoação que nasceu à volta da velha igreja cresceu, manteve até aos nossos dias o nome da Santa e Mártir e continuou com a devoção ao Senhor Jesus das Necessidades, dedicando-lhe uma festa anual. Em 15.06.1926 foi criada uma Confraria com este nome que, ainda hoje, se encarrega da procissão que todos os anos tem lugar em 11 de Setembro.
Nos finais do século XIX era famosa a Feira de Santa Cita (feira do ano, para se distinguir da mensal feira do gado que também aí se realizava), a ponto de suscitar negócios próprios para a ocasião como podemos ver abaixo, com todas as comodidades, incluindo para cavalgaduras, e a preços sem competência. Isto apesar dos eventuais contratempos, das inevitáveis desordens, de anos menos bons e até de grandes epidemias de cólera, em Espanha. 
Os transportes, os trens, os chars-à-bancs, eram providenciados, os normais e os extraordinários para que o público em geral ali chegasse prontamente. Porém, com a chegada do comboio passaram a ser mais fáceis as deslocações e por isso também a ida dos tomarenses à "procissão de Santa Cita " se tornou uma obrigatória e agradável rotina de fim de Verão, de que me fizeram (e muito bem, reconheço hoje) tomar parte, a qual, segundo as notícias, continua cheia de vida e para durar. (MFM)

(1) Autor da obra Notícia Descritiva e Histórica da Cidade de Tomar
(2) Localidade próxima de Tomar, situada na freguesia de Asseiceira, é também nome de uma estação de Caminho de Ferro do Ramal de Tomar.
(3)No sec.XIII  é doado aos Franciscanos pela Ordem do Templo, o Casal do Vale Bom para aí fundarem um convento ao lado da igreja.
(4) Artigos 2.º e 3.º da Lei da Extinção das Ordens Religiosas, da autoria de Joaquim António de Aguiar, promulgada por D.Pedro IV e publicada em 30.05.1834.




7.09.1879
                                                      31.08.1879


14.09.1879


                                    
                                                           
14.09.1880


14.09.1891




11.08.1895
6.09.1896






A Capela de Santa Cita ontem e hoje.

O cruzeiro ainda existente é a últma
 reminiscência do antigo Convento.

10 de setembro de 2015

Fruta da Época


Jan Roos, 1591-1638

Considerando que há eleições em Portugal, embora não universais, desde há quase duzentos anos, podemos dizer que evoluímos muito.
Os portugueses já não desfilam como ovelhas atrás do cacique regional pelas Corredouras do seu país, não votam movidos a vinho e a carneiro com batatas, sabem o que é um comício e já nem lhes ocorre que campanha pode ser militar. Quanto a brigas, brigam à mesma, mas agora é o futebol que os divide, como em qualquer Inglaterra cultíssima e democratiquissima
 deste mundo.


Podemos portanto concluir que Salazar, a Democracia e a Europa, cada qual à sua maneira, nos tornaram bem-comportados, civilizados e prontos a usar a própria cabeça.
Sem ironia, estou convencida que cada português é livre quando, em frente do boletim de voto, coloca a cruz naquilo que lhe parece ser o melhor para si e para a sua vida, consciente do que está a fazer, informado e sem se sentir pressionado, sem medo.

Esta é uma situação perfeitamente pacífica, hoje em dia, na sociedade portuguesa – o voto resulta da livre escolha individual de cada um e, como tal, é respeitável e respeitado por todos.
Há que aplaudir e ter orgulho no comportamento do povo português enquanto eleitor.
Resta agora esperar que os eleitos, aqueles que pretendem ter um lugar à frente deste povo exemplar,  se coloquem ao nível cultural de quem os elege, deixem de ser broncos e caudilhos trauliteiros (agora com palavras de mais ou menos verniz,: não fui eu, foi o senhor, não fui eu, se não foi o senhor foi o seu pai, etc), sob pena de continuarmos, cada vez em maior número, a ficar em casa por não termos em quem votar .(MFM)





9 de setembro de 2015

Fruta da Época (de outras épocas) II




Luís Egídio Melandez (1716-1780)
                                                                                ....
12.12.1886



No extremo da Rua dos Oleiros, oposto à Azenha da Ordem, de que já falámos, no topo junto ao Pé da Costa, ficava o célebre Pateo da Sra. Henriqueta -como então se dizia- o maior dos dois que existiam no nosso Bairro, sendo o outro o da Sra. Rosa, sito na Calçada do Convento.
Eram estas as duas grandes «garages azininas» do começo do século, quando os solípedes eram ainda o meio usual de transporte e os burros, mulas, cavalos, carroças, galeras, charretes, breaks, milords e Iandaus, não tinham ainda sido substituídos respectivamente pelos ciclomotores, lambretas, mótos, forgonetas, camionetes, ovos, carros utilitários e espadas.
Era um meio de transporte mais vagaroso, é certo, mas que não enchia os jornais de acidentes de viação e que em vez de gastar combustíveis líquidos estrangeiros, dava adubos sólidos e líquidos para as nossas hortas.
Este assunto é talvez um tanto baixo para ser aqui invocado -mas, a propósito lembra-me a história, já com barbas brancas, dum menino bem, filho de um parisiense que fizera a sua fortuna com a arrematação dos canos de esgoto. Quando o teddy boy censurava o pai, por ter um negócio tão ordinário e malcheiroso, este puxando pela carteira, bem recheada, tirou uma nota das grandes, e passando-a pelo nariz do filho perguntou:
-Cheira-te mal?
                                                                           ...

Mas, paremos com esta digressão a que nos levaram os resíduos da gasolina burrical que o tempo já vai longo - e voltemos à Garage - perdão! - ao Pateo, da Sra. Henriqueta, para recordar uma cena ali passada, ainda no tempo da "Outra Senhora".
Nesses dias, o carneiro com batatas das eleições, não era uma mera figura de retórica, mas um suculento e apetitoso prato, com que os caciques pagavam os votos da sua clientela.
Ora sucedeu que, numa das mais renhidas eleições dos últimos anos da monarquia, o chefe de um dos partidos - já não me lembra se o Progressista se o Regenerador - resolveu oferecer o carneiro com batatas no Páteo da Sra. Henriqueta que, como boa Estação de Serviço, tinha anexo, além de um ferrador, uma casa de pasto. Para que não houvesse roubos nem enganos, mandou imprimir bilhetes de admissão que, escrupulosamente, eram distribuídos pelos eleitores à porta da assembleia de voto.
O Chefe contrário, querendo pregar uma bela partida ao opositor, mandou imprimir cartões exactamente iguais, e disse às suas hostes para estarem na Sra. Henriqueta meia hora antes da marcada. Está-se a ver o que sucedeu à chegada dos legítimos portadores dos bilhetes autênticos: Os contrários tinham acabado com todo o carneiro com batatas!!!
Isto não quer dizer que não tivesse havido comida para todos. Houve, e da boa: Castanha em barda, regada a xarope de marmeleiro.
                                                                              ...
  (Amorim Rosa, Uma volta pelo Bairro das Flores, palestra realizada na Sociedade Nabantina, 
    18-11-1961, Edição do Semanário "O Templário")

8 de setembro de 2015

Fruta da Época (de outras épocas) I


Juan de Espinoza (1629-1688)


                                                               ELEIÇÕES EM TOMAR

Por fins da década de 1860, segundo tradição oral, ao serem marcadas novas eleições, o Capitão-Mor do Pintado, cargo já extinto mas pelo qual ainda era designado J. Delgado da Silva (?), morador na dita povoação, dirigiu-se a casa de Plácido Esteves de Brito de Meio e Castro Gameiro - meu avô materno, senhor da quinta dos Ganados, onde habitava, e da Pesqueira e de casa e avultados bens em Alpedrinha (Fundão), mais tarde vendidos para comprar em Tomar as quintas da Granja e das Avessadas - ambos influentes políticos e caciques eleitorais na freguesia dos Casais a fim de com ele estudar o assunto.
Este termo cacique tem ultimamente sido bastante desprestigiado, sem motivo aparente, pois a sua necessidade é evidente e se os seus processos nem sempre são os mais ortodoxos, tem de se considerar a época, os usos e costumes, a cultura local, as pessoas.
Pretendia o Capitão-Mor fazer um pacto eleitoral com o seu antagonista político a fim de não levantar problemas a qualquer deles nem criar na freguesia dissídios ou reacender paixões.
A sua proposta era dividirem território e politicamente a freguesia em duas zonas, ficando os eleitores residentes na zona situada a nascente da estrada Tomar-Cabaças para Plácido de Brito, como era geralmente designado, e a zona poente para o Capitão-Mor.
Plácido de Brito, plácido de nome e de feitio, achando a proposta equitativa com ela concordou e o resultado daquelas eleições na freguesia logo aí ficou resolvido e arrumado.
O tempo passa, a data das eleições aproxima-se e Plácido de Brito, sossegado e confiante, não procura os eleitores, não lhes fala, não se mexe. Quando o faz logo numa das povoações, a Venda Nova que á época ficava toda na sua zona, mas junto à estrada divisória, os eleitores lhe dizem que têm muita pena mas já estão comprometidos com o Capitão-Mor.
Furioso com a traição regressa a casa e sua Mulher lembra-lhe que tem uma forma de resolver o assunto sem prejuízo de maior. Tirar ao Capitão-Mor, mesmo que já estejam comprometidos, os eleitores de uma das suas aldeias e que o Casal Novo, completamente cercado pela sua quinta da Pesqueira, era fácil. Bastava ameaçá-los com não os deixar levar água da sua fonte da Romeira, esplendida nascente da referida propriedade que nunca secara e que eles, praticamente, utilizavam durante todo o verão, e que passaria a acoimar-lhes os gados que entrassem na quinta, o que era quotidiano, pois os caminhos de que tinham de se servir atravessam a propriedade e não têm vedações laterais.
Munido com tão fortes argumentos vai falar com os homens do Casal Novo que têm de concordar em lhe dar os seus votos.
O Capitão-Mor não se deu, porém, por achado e nas vésperas das eleições manda-lhe um recado convidando-o para irem todos juntos para Tomar e que os esperava à Venda Nova. Plácido de Brito, convicto que semelhante convite era para fazer crer aos tomarenses que toda a freguesia votava com ele, responde-lhe que não esperasse, pois iria sozinho com os seus partidários.
E assim fez. Mas, já se sabe, Plácido de Brito tarde e a más horas partiu, com o seu bando, para Tomar. Nesta, já então linda cidade, termina a primeira chamada, decorre o intervalo prescrito pela lei e inicia-se a segunda chamada (Casais é das primeiras freguesias) e Plácido de Brito sem chegar. Os seus correligionários, que lhe conhecem o feitio, estão aflitos, receiam que não chegue a tempo e espreitam Corredoura abaixo para Além da Ponte; vai começar a chamada de Carregueiros quando um suspiro de alívio lhes sacode o peito, ei-Io que chega.
Subindo a Corredoura a cavalo, com o seu criado de confiança também a cavalo (ostentando na lapela da jaqueta o escudete da Casa, como ainda hoje se vê nos coletes dos campinos das grandes Casas agrícolas do Ribatejo) e seguido do "rebanho" dos eleitores, Plácido de Brito vai radiante, recebendo os cumprimentos e vendo a alegria estampada no rosto dos correligionários, com aquele íntimo prazer de se ver admirado e popular, como tanto apreciava.

(Vasco da Costa Salema, Coisas e Loisas de Tomar, Empresa Editora Cidade de Tomar, 1993)

7 de setembro de 2015

28 de agosto de 2015

Casamento em tempo de guerra.






Livro de Assentos de Casamentos da Paróquia da Madalena, Tomar 1650-1713.


Quando o António Lopes, do Bregil e a Maria Dias, da Beselga, se recebem a 24 de Janeiro de 1655 na Ermida de Sta Margarida, não sei se tinham conhecimento que, um ano antes, a 26 de Janeiro de 1654, tinha sido assinada a capitulação holandesa no Brasil.


[O país estava em guerra desde 1640, procurando recuperar a independência perdida em 1580, a qual acabara por acontecer mercê dos alegados interesses que adviriam para Portugal da aproximação de portugueses e espanhóis. Mas, a partir de 1620, operara-se uma viragem na conjuntura económica e social. As classes populares, as únicas que tinham feito frente à união com Espanha desde sempre, açoitadas pela pobreza e pela fome nos campos, agravadas por constantes aumentos de impostos sobre os bens de primeira necessidade provocam agitação social no reino, sobretudo em Évora e no Algarve (1637-38). Esta agitação popular era acompanhada por uma insatisfação crescente por parte das elites. A crise comercial e militar no império português do oriente, com sucessivas perdas para os ingleses e holandeses, e a recessão e instabilidade no comércio do Atlântico (África e Brasil), afectava os seus rendimentos e esfumara-se o desejo, alimentado durante décadas, de transferir para Lisboa a capital da corte ibérica. A partir de 1621, o governo do conde-duque de Olivares, o ministro todo-poderoso de Filipe III, introduziu reformas de pendor centralista por toda a península, crescendo a vontade separatista em alguns círculos da aristocracia portuguesa, que acabaram por se unir em torno do duque de Bragança e promover o golpe palaciano de 1 de Dezembro de 1640 que restaurou formalmente a independência de Portugal e iniciou uma guerra que durou 28 anos.

Até 1659, a Espanha não deu grandes cuidados nas fronteiras terrestres, ocupada que estava na Europa Central com a chamada Guerra dos Trinta Anos e só a partir desta data a intensidade da luta armada aumentou consideravelmente, dando-se as grandes batalhas decisivas ainda hoje famosas e da qual se celebra este ano uma efeméride, a da Célebre Batalha de Montes Claros(1665).



Cerco holandês à cidade de Olinda- Atlas da América de John Olgiby, 1671

O mesmo não se passou com os territórios ultramarinos, os Holandeses que entretanto se tinham estabelecido em áreas que já tínhamos dominado permaneceram irredutíveis e hostis. Com a Holanda a guerra estender-se-á da América à Ásia. Em Africa conquistam Luanda, S. Tomé, territórios que recuperaremos em 1648.O mesmo acontecerá no Brasil de onde serão definitivamente expulsos em 1654. Para este facto muito contribuiu o apoio das populações locais. Sobretudo as brasileiras, que desde o inicio guardavam más recordações dos Holandeses seus competidores no comercio do tabaco e açúcar desde sempre vistos como os responsáveis pela quebra nos rendimentos. Mas, como compensação pelo reconhecimento da soberania portuguesa do Nordeste brasileiro, ex-Nova Holanda, Portugal aceitou as perdas na Ásia, comprometendo-se ainda a pagar oito milhões de Florins, equivalente a sessenta e três toneladas de ouro, valor pago em prestações, ao longo de quarenta anos (Segundo Tratado de Paz de Haia)].


Esperemos, no entanto, que António Lopes e Maria Dias, se não se mantiveram ignorantes das divergências dos grandes do seu mundo, pelo menos não tenham sido demasiado vitimas deles e tenham conseguido um pouco de sossego naqueles tempos conturbados. (MFM)

21 de agosto de 2015

As tardes são mortas.


O milho já parou de crescer nas grandes superfícies plantadas na várzea da ribeira. Não tarda será apanhado. O restolho deixado para trás será, talvez, limpo e o campo lavrado na próxima Primavera, para início do novo ciclo. Nunca se sabe. Desde que começou esta “industrialização” da cultura do milho, com recurso à junção das pequenas parcelas de terreno de diversos proprietários e ao sistema de rega por tubos, que é uma surpresa o que os promotores daquela faina decidirão no ano seguinte. Mistérios do negócio. É certo que os campos abandonados passaram a ser usados, nalguns casos com o sacrifício das velhas árvores, principalmente as seculares e veneráveis oliveiras que, parece, eram obstáculo às dimensões da maquinaria utilizada, a mesma das lezírias ribatejanas pois, parece também, o tal negócio não se compadece com adaptações às características da cada região. Resta saber se a imolação de culturas tradicionais, como a olivicultura ou a figueira, ao lucro fácil da cultura intensiva de regadio valerá a pena, numa terra com pouca água.Ouço dizer que, por aqui, os poços estão exauridos, mesmo os que não estão directamente a regar os milheirais, precisamente porque estes sorvem toda a água existente no solo. 
Mas ela lá vai chegando para as poucas e pequenas hortas domésticas, enquanto as terras se movimentam a partir de Março, o que sempre dá um certo ar de vida agrícola que aquece a alma e acalma consciências de quem só pensa no curto prazo. 

E os povos estão felizes, passeando-se a pé ou de bicicleta nestes fins de tarde de Agosto encalmado,com paragem no café da bomba de gasolina para o gelado e a cerveja, enquanto inspiram o aroma que a brisa quente arranca das espigas, vão mirando as gordas maçarocas verdes e não regressam às suas vidas nas cidades de cá ou de lá da fronteira.

Pela mesma hora, a esposa do senhor motorista do autocarro das escolas, como a própria se apresenta, percorre na sua motoreta as casas dos arredores oferecendo os bolinhos secos de mel ou limão. São deliciosos. Foi convidada a vendê-los nos Bons Sons, há de ter sido um êxito.

Também um rapaz saído do nada, de cabelo de lã de ovelha suja e óculos, dá uns passos estremunhados no largo da estação. Se houvesse alguém para o ver, ali, a cozer-se com a parede, à procura da réstia de sombra, teria com certeza muita pena dele e procuraria ajudá-lo. Mas ninguém sai de casa a esta hora, se é que há alguém naquelas casas. E depois, vai-se a ver, a compaixão era escusada, o rapaz de cabelo de lã e calções, esfalfado debaixo da mochila, não passa, afinal, de um personagem a actuar no espectáculo a decorrer, este fim-de-semana, na região. O autocarro virá buscá-lo, e aos seus clones que descerão do comboio, e transportá-los a Cem Soldos onde entrarão em cena juntamente com mais uns milhares.

Muito antes de chegar à ponte já há carros estacionados. A fila engrossa no largo da ponte, e torna a estreitar na estrada da Beselga. Só automóveis à espera para serem atendidos na oficina. Não se vê vivalma. Lá de dentro ouve-se, por vezes, o ruído de uma peça a embater no chão, o som conhecido de uma ferramenta a cair ou um acelerar de motor. Não há vozes, tosses, assobios, ais ou uis, nada que soe a humano. Fico com a impressão que, se lá entrasse, depararia com carros com olhos pestanejantes, furgões barrigudos e com bigodes, guindastes sorridentes, todos em alegre convívio maquinal, a tratarem uns dos outros como se um hospital de automóveis se ocupasse, aqui, em Porto da Lage, do Faísca McQueen e dos seus amigos.

Nos Olivais, pouco antes (ou depois, de onde vimos nós?) da bomba, o lugar está solitário a esta hora. Cá fora apenas uma carrinha que, tudo indica, pertence ao dono. No interior, no canto entre as batatas e a prateleira dos enlatados um rapaz está sentado espapaçado atrás da ventoinha. Com a entrada de alguém mostra-se, todavia, prazenteiro e levanta-se muito afável. Parece contente por ter, finalmente, companhia. Difícil de passar, a tarde. Durante a manhã é um corrupio de carros a pararem, além dos avios de mercearia e frescos, há sempre quem queira sementes, plantas e flores. Só ao fim da tarde o movimento recomeça. - As tardes são mortas - diz, enquanto corta segunda melancia. Não, não foi o cliente que não gostou da primeira, foi  ele, que faz questão de vender só coisa doce.(MFM)