O termo correspondente remete-me para um tempo, que conheço através da literatura e do cinema, o correspondente de guerra, um misto de espião, detective, literato e aventureiro. Desde aqueles que estavam inquestionavelmente do lado do bem, como o heróico Miguel Strogoff que tudo enfrenta para cumprir a sua missão ao serviço do Czar e, noutro registo, os "eu diria mais" trapalhões Dupond e Dupont das Aventuras de Tintim, até aos protagonistas dos meus queridos filmes noires, almas de morais ambíguas, que circulam no clima perturbador das noites obscuras de cidades violentas, mulheres duvidosas e manipuladoras, herós ainda mais, frios, cínicos, até cruéis. Jóias e vestidos decotados cobertos com sofisticados casacos de peles; fatos completos e gravatas, chapéus e cigarros em bocas com batom ou com barba, eis o figurino das situações desesperadas, fruto das fraquezas humanas, cheias de intriga, assassinatos e máquinas de escrever, a que estes filmes nos transportam, e que nunca cessam de me encantar, encarnados pelas fíguras míticas de Bogart, Joseph Cotton, Rita Haywoord, Orson Welles, Bacall e muitos mais.
Numa versão doméstica e mais terra a terra (num país onde não existe gente equívoca, é tudo a preto ou a branco), os grandes jornais nacionais, os regionais, os semanários, tinham correspondentes espalhados por todo o território, os quais conseguiam, assim, que o acontecimento da mais pequena aldeia, desde que merecesse evidente interesse, chegasse a todo o país. Esses correspondentes, eram, geralmente, pessoas interessadas na sua terra ou região, que procuravam pugnar por ela e que, cada qual no seu estilo, mais gongórico, clássico ou coloquial, acarinhava e prezava a sua língua mãe o melhor que sabia e podia. Depois, com o declinio da imprensa e, dizem, por razões orçamentais, os correspondentes foram desaparecendo, não tendo a televisão, depois, suprido essa falta, mais preocupada que estava com os "grandes desígnios" do que com a falta de estrada ou de médico na remota província.
Hoje assiste-se ao fulgurante regresso do correspondente. Rapazes e raparigas perfilados "em reportagem" de microfone em punho, de madrugada ou na noite escura, ao frio, vento ou sol tórrido, lá se apresentam eles, as mais das vezes em frente a coisa nenhuma. E falam, falam, falam ...e voltam a falar, repetindo até à nausea as mesmas palavras entremeadas por lúgubres soluços (sobre o crime que..., o julgamento que não..., a cabeça decepada de ...o corpo que ...), utilizando uma língua que já não se ouvia desde que o homo sapiens ganhou este estatuto. Eu, como a maioria das pessoas sensatas e que tentam manter-se saudáveis, bem tentamos fugir deles, mas, a menos que nunca liguemos a televisão, é impossível que eles, nem que seja só por breves segundos, não nos apanhem! Mas, cada vez havendo mais e em mais canais, tirem-me desta inquietação, sou só eu que acho que a gente passava bem sem estes correspondentes actuais, ou há mais alguém? * (MFM)
* Não senhores, não os quero mandar para o desemprego. Acho apenas que estariam mais bem empregues numa ocupação em que não fosse preciso nem pensar nem verbalizar.