Esta água foi nascer/Naquela encosta do monte/Para vir dar de beber/A quem passar pela fonte
Si hortum in biblioteca habes deerit nihil
12 de outubro de 2018
10 de outubro de 2018
A Diligência
Tojos e Rosmaninhos, Contos da Serra (cap.II). Alfredo Keil, A Editora, Lisboa, , 1907
NOTAS DO TEXTO:
1) Valles-região comprehendida entre Ferreira do Zêzere, Payo Mendes, Valle Serrão, Besteiros, etc.. No lugar designado Besteira de Cima, junto à estrada, é que se faz a muda do gado à diligência que vem de Tomar e segue para a Certã, existe também uma pousada onde os passageiros encontram agradável conforto.
2) Manganaz- Alcunha do engatador da Companhia de Viação Thomarense.Para verificar o estado actual dos locais referidos, consultar aqui e aqui
8 de outubro de 2018
O Guia Oficial e o Serviço de Diligências directamente de Paialvo
Retirado também da entrada da Wikipédia que já aqui referi, foi este Guia Oficial dos Caminhos de Ferro de Portugal, de Outubro de 1913. Na única publicação autorizada pelas direções, pela módica quantia de 60 réis, obtinham-se 162 páginas repletas de toda a informação nacional e internacional (ah pois! quer ir a Londres a negócios, a Nice "vivre la vie", directamente, com todo o conforto? dizemos-lhe como) sobre linhas de comboios, horários, preços, tudo o que podia interessar a um viajante da época e que agora faz vibrar um amante destas coisas. O que, sempre vou adiantando porque tenho muito medo de ser mal-entendida, não é o meu caso. A bem do rigor histórico que desejo que impere em Porto da Lage (nos dois, blog e localidade) lá vou pesquisando sobre estações e comboios, mas q.b. com o sofrível imprescindível interesse, pois, tenho que confessar que, quer umas quer outros (embora me encante toda a iconografia associada, e a infantil sobremaneira) não são propriamente "a praia" das minhas paixões e o meu conhecimento sobre eles é muito diminuto.
Parêntesis feitos, adianto que o "Guia Oficial", acho eu, só por si, é capaz de contemplar todos os gostos e de animar quem o folheia, por diversos motivos, entre eles aquele que aqui nos trás .
Pois imaginem que, em 1913, e sem recurso, por exemplo, ao mappy, um dos meus leitores, morador em Porto da Lage, queria sair de sua casa, apanhar o comboio e dirigir-se, quem sabe, vamos lá ver, à Rua. Perfeitamente natural, nada do outro mundo, querer-se ir a Rua, tem-se lá amigos, parentes, negócios. Mas como? Muito simples, consulta-se o "Guia Oficial", procura-se Rua no Serviço de Diligências, fácil, vai-se ao "r" , está por ordem alfabética. Lá está: Rua. Pronto, fica a saber que só tem que tirar um bilhete para Celorico, na sua estação e meter-se no comboio. Lá chegado (os entretantos também se consultam no "Guia" mas, por favor poupem-me, eu já contei das minhas fraquezas, os senhores farão o favor de ir ver de horários, linhas, transbordos e demais incómodos necessários), lá chegado, dizia eu, bastará tomar a diligência, que vos esperará no horário da chegada do comboio, quase garanto, apesar de se estar avisado da impossibilidade da precisão do mesmo, há-de ser assim, de outra forma para que servirá a diligência? será o lógico, ou então este é uma batata (andava ansiosa para pôr isto em qualquer lado- saudades da juventude sabem? dizia-se assim quando eu era jovem, que já foi depois de 1913, mas não tanto, por isso não sei se ainda se usa).
De igual modo, quem queria dirigir-se a Certã, Cercal, Maçãs de D.Maria, Cernache do Bonjardim, Valles (caso de Alfredo Keil, anteriormente, pois morreu em 1907), Águas de Todo o Ano, etc, proveniente de qualquer local do país, ou da Europa, só tinha que vir de comboio até Paialvo e aqui apanhar a sua diligência.
Voltando ao nosso Guia Oficial o que nele atrai, mal o folheamos, é todo o apelo ao prazer, à distracção, ao cosmopolitismo, a uma boa vida, enfim. O que não é de estranhar. Trata-se de um guião com finalidade turística e lembremos-nos que se vivia então a Belle Epoque, quem podia vivia um clima intelectual e artístico novo com toda a promessa de inovações culturais, cientificas, de desenvolvimento, em particular dos meios de comunicação e transporte que aproximavam o mundo todo. Os "Grande hotel" de cidades grandes, pequenas, das termas, sucedem-se, os "vapores" partem semanalmente para todos os continentes, com os seus telégrafos instalados, " Os específicos de Henrique E.N.Santos" garantiam, com o Lindacutis, o Dermor e o Blenol, o tratamento das mais variadas maleitas e a "Casa Chineza" os melhores chás e cafés, que já não vende, é certo, mas está perdoada, porque, no ano da graça de N.S.J.C. de 2018, ainda lá continua, com o mesmo símbolo, em frente do Monte Pio, e com as melhores Brisas de ovos de Lisboa!(MFM)
3 de outubro de 2018
1 de outubro de 2018
Charles Aznavour
A partir de certa idade a gente morre aos bocadinhos. Cada vez que desaparecem pedaços destes, lá vai mais um pouco. (MFM)
« Casas para Habitação de Pessoal »
Hoje.escreve-se "estação de Paialvo" no google, e aparece logo, na Wikipédia: "Esta interface faz parte do troço entre Entroncamento e Soure, da Linha do Norte, que abriu à exploração em 22 de Maio de 1864".
Mas nem sempre foi assim. Quando, há mais de seis anos, começou a aventura deste blog, não havia nada, mas nada mesmo, onde alguém, do grande público, pudesse fazer uma consulta sobre a história do caminho de ferro em Portugal, quanto mais sobre a "Estação de Paialvo". Sabia-se que aquele tinha tido início em 1856 (tinham-se comemorado os 150 anos em 2006) e que a estação de Campanhã se inaugurara em 1875. Destas datas, tinha-se conhecimento das dificuldades de percurso e das grandes celebrações ocorridas. Do que ocorrera entretanto, desconhecimento total, será que se levara 19 anos a construí-lo e só depois arrancara? Pelo menos, a mim, era o que me parecia. Sabia que a construção da linha férrea em Porto da Lage estava em curso, consultando os Anais do Município de Tomar, mas começara a funcionar quando? E procurar onde? Quando, por acaso, li que o corpo de José Estêvão tinha sido transportado de comboio de Lisboa para Aveiro, em 1864, para ali se realizar o seu funeral, pensei - Espera, então já havia linha a funcionar, e tinha que passar por Porto da Lage! E foi assim, e a partir deste dado, que uma cidadã ignorante, que consulta os motores de busca digitais, é verdade, mas também enciclopédias e publicações genéricas, ficou a saber do processo e datas do funcionamento da linha do Norte nos primeiros anos, o que não estava ao alcance de toda a gente, como disse. Mesmo assim, depois de ter sabido da existência da "Gazeta dos Caminhos de Ferro" e de a ter procurado consultar, ainda não fui capaz de dizer aqui, a data exacta, não sabia, apenas mencionei o ano, só mais tarde falei nisso.
Voltando à "estação de Paialvo" na Wikipédia. Daqui, nas referências, retirei das Efemérides da Gazeta dos Caminhos de Ferro de 1 de Abril de 1939, a notícia, abaixo, de 1915, sobre a "construção de casas para habitação de pessoal". Mais uma achega para a história de P.L. Seriam as casas que todos conhecemos e que foram derrubadas há perto de duas décadas? Sem fotos daquelas para aqui mostrar (alguém tem?) socorro-me de outras, de casas arruinadas ou reabilitadas, exemplo de edifícios construídos pela CP para habitação dos ferroviários (MFM).
1915
(fotografias retiradas daqui e daqui )
28 de setembro de 2018
Dulcinda Teixeira
Nestes dias, em que a saúde lhe tem pregado partidas e o veículo está parado, recordamo-lo aqui para a entusiasmar a pôr-se boa depressa. Faz muita falta a Porto da Lage ( em mais localidade nenhuma, do mundo e arredores, há uma senhora do triciclo como esta!) e a este blog então? Temos que ir dar umas voltas por aí. Combinado? Beijinhos. (MFM)
Dulcinda, a mais pequena de quatro dos sete irmãos. O segundo é o Ilídio. |
26 de setembro de 2018
Almofariz da Belida
O almofariz abaixo veio da quinta da Belida. Na posse actual de Dulcinda Teixeira, diz ela que, sempre que se matava o porco na casa de alguém da família, em Porto da Lage, lá circulava o almofariz para o obrigatório pisar dos alhos.
Da Quinta da Belida vieram todos os Sousa Rosa, alguns já lá nascidos, que deram origem a muita gente que, sei, acompanha este blog. Além dos abaixo retratados, houve mais quatro, dois Antónios, um das Sobreiras que tem muita descendência no Paço, o outro, casado com a tia Florência; Manuel, ascendente do dr. Manuel Rosa, da Luciana e Isaura Rosa e dos Tomás; e Ana, com descendentes Escudeiro em Porto da Lage. A todos apelo que me facultem fotos dos antepassados. Fiquem descansados! não quero originais, até prescindo de papel, uma digitalização basta! Deixem recado aqui nos comentários e a gente combina a forma de me fazerem chegar, até, como se dizia nos anúncios antigos, vou a casa, se for preciso!
Acharia interessantíssimo e de grande valor para a história familiar e local, reunir as fotografias dos sete filhos de um homem hoje anónimo, mas com valor no seu tempo, possuidor de um património que deu origem ao nascimento de uma localidade. E depois, seria curioso saber se são todos assim: de sobrolho carregado, olho claro, lábios finos e, bem sei que não é feição por isso não desfeia, nariz que sobeja! (MFM)
Soledade Sousa Rosa (Assentis1861- PL 1947) |
Maria José Sousa Rosa (Assentis 1864- PL1937) |
João de Sousa Rosa (Quinta da Belida,1867- Cem Soldos,1958). Recorte de uma fotografia de grupo da família Mendes Godinho, de 1947, em Cem Soldos, gentilmente cedida por Manuel Mourão. |
24 de setembro de 2018
Padre Nicolau outra vez
Dulcinda Teixeira já nos tinha deixado, aqui e nos posts seguintes, uma pequena biografia e algumas histórias sobre o famoso Padre Nicolau, pároco da freguesia da Madalena durante décadas. Manuel Maria Azevedo Mendes Mourão, cuja família paterna é sobejamente conhecida em Cem Soldos, enviou-nos, agora, não só uma fotografia daquele sacerdote como mais duas deliciosas histórias, que lhe contaram, sobre o mesmo.
Fotografia do padre Nicolau, de 1938 ou 1939 ,tirada pelo Eng. Nuno Mourão quando este era ainda estudante . |
A foto em referência fez parte de uma exposição fotográfica e documental organizada e apresentada por Manuel Mourão, filho mais velho do Eng. Nuno Mourão, em 2010. Esta exposição com o título "Nuno Mourão (1920-1965) Olhares e Vivências duma Vida que Conta" foi inaugurada em 19 de Junho de 2010 - data em que o seu pai faria 90 anos, em Cem Soldos.
Quanto às histórias, diz Manuel Mourão:
« No primeiro dia da abertura ao público da exposição “Nuno Maria Godinho Mourão (1920-1965) – Olhares e vivências duma Vida que Conta” apareceram várias dezenas de pessoas e o Senhor José Ferreira contou-me a seguinte história :
O Padre Nicolau, prior da freguesia da Madalena e residente em Cem Soldos, costumava deslocar-se num cavalo emprestado pelo Dr. Henrique Gonçalves para prestar assistência religiosa nas diversas aldeias da freguesia. Num fim de tarde, estava ele numa dessas aldeias, o tempo toldou-se e anunciava uma trovoada iminente. O nosso bom prior tinha terror das trovoadas e por isso um paroquiano solicito logo se ofereceu para o ir levar a casa de Lambreta antes que estalasse a borrasca. Quanto ao cavalo, encarregaram o rapazinho que o acompanhava como sacristão (era o próprio narrador da história) de reconduzir a montada a sua cavalariça em Cem Soldos. O rapazinho nunca tinha tido a oportunidade de montar um cavalo, mas lá se aventurou e meteu-se ao caminho. Às tantas rebentou mesmo a borrasca e um raio risca nos céus seguido de estrondoso trovão. O cavalo empina-se, atira o rapaz e a sela mal apertada ao chão e dispara a galope só parando nas cavalariças. As gentes de Cem Soldos ao verem o cavalo naquela correria e sem sela, depreenderam que o Padre Nicolau estivesse caído e eventualmente magoado algures no trajecto. Logo alguns se meteram ao caminho, não se apercebendo que o sacerdote já estava em descanso e em segurança na sua casa, trazido pelo condutor da Lambreta. Encontraram, isso sim, o pobre do José Ferreira que caminhava um pouco combalido e com a sela às costas.
Outra história, contada pelo mesmo José Ferreira:
Ao fim da tarde, era costume três respeitáveis anciãos da terra sentarem-se num banco no Largo de Cem Soldos gozando o fresco e em amena cavaqueira, muitas vezes acompanhada de sonoras gargalhadas. Eram eles o Padre Nicolau ainda exercendo o seu múnus sacerdotal, apesar de já velhote, o Dr. Henrique Gonçalves e o Professor Mário Mourão, ambos viúvos e já reformados das suas lides profissionais.
Numa dessas tardes um rapazinho mais afoito ousou aproximar-se e tentar escutar a conversa. Logo o Padre Nicolau o caçou e enfiando-o debaixo da sua sotaina disse com um ar agastado: “isto não são conversas para crianças”. Depois lá libertou o rapaz que fugiu espavorido e intrigado ficando sem saber o motivo daquela exclusão. Será que os três anciãos se divertiam a contar anedotas brejeiras uns aos outros?»
21 de setembro de 2018
O Morgado de Assentiz
O livro Portugal Pittoresco e Illustrado,etc de Alberto Pimentel, de que já aqui falámos, a propósito de Tomar, mais particularmente da estação de Paialvo, ao dedicar-se a Torres Novas, fala de Assentis, uma das avós de Porto da Lage, como já tive ocasião de aqui defender. Mais do que de Assentis, Alberto Pimentel fala do seu morgado, Francisco de Paula Cardoso de Almeida e Vasconcelos Amaral e Gaula (1769-1847), um aristocrata que viveu a época de alteração profunda de regime político e social no nosso país, foi um bont vivant, liberal e amigo das letras, conviveu com Bocage, Castilho e Alexandre Herculano, mas, sobretudo um amante do teatro. Vejamos esta pequena biografia.
Alberto Pimentel, "Portugal Pittoresco e Illustrado, A Extremadura Portuguesa, Primeira Parte, O Ribatejo", pag.387 e sgs. Empreza da História de Portugal, Lisboa, 1908 |
19 de setembro de 2018
Martin Hume em Tomar
Martin Hume veio a Tomar descendo do comboio em Chão-de-Maçãs. Fez mal. Tivesse ele desembarcado na Estação de Payalvo e outro galo lhe cantaria. Além das garantias que o post anterior anunciava (diligência de certeza!) aposto que teria direito a todas aquelas mordomias que já aqui vimos, recepção por damas e cavalheiros, discurso, acompanhamento com banda de música, ,etc.,etc., e até, quem sabe, à noite,a notável marche aux flambaux. Mas nós não somos de ressentimentos. Até porque se escolheu mal, pagou o seu erro. Vamos contar a sua visita na mesma, como se fosse um passageiro da nossa estação.
Ilustração de Though Portugal , da autoria de S.A.Forrest, supostamente sobre a estação de Chão-de-Maçãs |
A obra Though Portugal da autoria de Martin Hume (1847-1910) (1)dedica o capítulo V a "Coimbra,Thomar and Leiria", tendo o site Tomar Digital , de João Amendoeira Peixoto (2) ,publicado, integralmente, a parte referente a Tomar, .
No livro, o autor conta a sua
viagem a Portugal, que deverá ter ocorrido em finais de XIX/principio do
sec.XX, pois a obra é publicada em 1907, começando pela cidade do Porto,
passando depois por Braga, Guimarães, Buçaco e Coimbra. Após visitar esta
última, Hume pretende rumar a Tomar, apanhando para isso o comboio que o
levará a Chão-de-Maçãs, e reservando, pelo correio, um hotel que encarrega de
providenciar o seu transporte da pequena estação até Tomar. A viagem parece
correr bem, tendo o comboio parado em Pombal, provavelmente algumas horas, pois
o autor tem tempo de observar ser por ali, aquele, um dia de festa, na qual os
camponeses, boa gente que usa roupas alegres, são sóbrios e ordeiros, chegam à
estação a tempo e horas, ao contrário dos espanhóis, e fazem as suas compras e
vendas no mercado, tudo muito tranquilo e sossegadinho (não se percebe o
alcance da observação, estaria à espera de encontrar o quê? Selvagens?). Repara
ainda que as mulheres usam tufadas saias curtas e que, embora andem descalças,
não deixam de pôr antigas e pesadas filigranas de ouro que aparentam ser
valiosas, e impressiona-se com as capas de palha que os homens põem no tempo
molhado, admirando-se que, apesar do seu volume, are not heavy, and are an excellent protection against heavy rain.
E finalmente, lá chega o nosso
viajante à pequena estação, situada no meio de nenhures, apenas com uma fiada
de casinhas brancas, em frente. Mas cadê a carruagem para o transportar até Tomar? Ninguém lhe sabe dar
noticias dela. I found myself several
miles from anywhere, and with no means of convenyance. Mas os populares apoiam-no, levam-no para a taberna, um grupo que assistia ao trabalho do barbeiro ambulante, que cortava o cabelo debaixo de um alpendre próximo, junta-se a eles, discutem o assunto, culpam o correio pela provável falta de
entrega da carta destinada à reserva da carruagem, contam histórias passadas semelhantes. E, a insistências do autor, arranja-se uma solução, que lhe parece não convencer muito o pessoal à sua volta: um rapaz vai buscar um par de mulas, que até
parecem capazes, e, de dentro de um estábulo surge um velho carro de atrelagem
(shandrydan)! E é aqui que o nosso homem reconhece a razão dos olhares
de dúvida da assistência: as mulas não se deixavam prender às varas! Estrebucham e coiceiam com
toda a força! Diz ele que mesmo postas correntes, estas não impediam os animais
de coicear, a ponto de quase destruírem o velho veículo.
Apesar desta contrariedade, a viagem
fez-se, mal-grado o constante coiceio das infelizes alimárias, que as
obrigava a um contínuo exercício de ginástica, fazendo-as andar só com os
membros dianteiros, segundo o autor.
Mas o homem não podia estar mais feliz! “Os
coices das mulas não tinham forças para estragar o prazer da viagem. A estrada
era perfeita, sobre colinas cobertas de pinheiros e vales revestidos de urze
roxa. A brisa fresca da montanha, cheirando a tomilho selvagem, trazia consigo
uma sensação de deleite em que respirar, só por si, era um prazer, e este velho
cansado sentado na desengonçada traquitana sentia-se impelido a gritar, só pela
satisfação de ali estar” (minha tradução livre).
(desculpem, mas aqui imponho-me
um parêntesis! Um bom tuga deve ficar deliciado e grato quando um estrangeiro
nos elogia (é das regras que nunca se infringem) mas alto lá! Há limites que a
razão impõe! Ou os coices das mulas não foram coisa por demais e a viagem foi razoavelmente
calma, ou, a ser como o descrito, o homem, se berrou, não foi inebriado pelos
aromas do tomilho ou da urze ou lá do que lhe cheirava tão bem, gritou como
gritaria qualquer um ao ver-se enfiado num desconchavo qualquer prestes a
partir-se, puxado por dois animais tresmalhados e endoidecidos, imagino que
descontrolados a tentar soltar-se, cada um para seu lado, durante uma dúzia de
quilómetros! Naqueles trabalhos, a gente
agarra-se à vida, sim, acredito, mas porque a vê a fugir a cada momento, não
porque está empolgado em felicidade extrema, e a última coisa que nos passa pela cabeça, valha-nos Deus, é reparar na formosura e nas fragrâncias da natureza!!! Enfim, aqui, o autor, a bem da verosimilhança da coisa, bem que
nos podia ter poupado a estas pantominices (como diria a minha tia Alice que se
deve ter cruzado com ele em Tomar, como adiante se verá).
O nosso viajante avista finalmente Tomar, um vasto
e belo vale com o casario disposto entre a vegetação, na margem do rio, e sobre
o mesmo, uma abrupta colina sobre a qual se ergue o castelo. Era um domingo de
Outono, e, embora fosse dia (?) viu foguetes no ar e ouviu a banda a tocar - a
cidade estava em festa. Soube que se tratava de uma cerimonia de entrega de
prémios às crianças da escola por parte da Câmara, e aquelas, limpas, gorduchas
e bem vestidas, gritavam e aplaudiam (é aqui que entra a minha tia Alice, criança na época), como
os pequenos fazem em todo o mundo, segundo conclui.
Foi calorosamente acolhido no Hotel União, onde
ficou a saber que a falta de envio da carruagem a Chão-de-Maçãs não tinha sido
culpa do anfitrião, um cavalheiro de modos e costumes cultos, bem diferente do
tipo comum de estalajadeiro português (sic) que se
mostrava consternado por não ter recebido nenhuma carta a avisá-lo, como
deveria. Porém, uma ou duas horas depois entrou ele no quarto do viajante, excitado
e triunfante. Tinha obrigado o posto do correio a abrir, embora fosse domingo,
e resgatara a carta de uma pilha que os carteiros descuidados não tinham
entregado! Daí em diante, o Sr. José Mathias Araújo, foi
infatigável em o fazer sentir confortavelmente em casa, em Thomar. Lugar que,
enquanto viver, não esquecerá e que define como uma pequena cidade rectangular,
limpa, com ruas rectas, de aspecto singularmente moderno, nas margens de um riosinho
primorosamente belo, margeado por árvores e jardins, isto embora a vida aqui, em
geral, lhe parecesse sonolenta, pois, com excepção de uma pequena fábrica, pouco
mais havia no local.
Mas a sua visita tinha um objectivo
concreto, ver o “mosteiro-castelo”, antiga
sede da fortaleza dos cavaleiros da Ordem de Cristo, sucessores em Portugal dos
Templários. A maior parte do capítulo é, aliás, dedicado à descrição do arruinado
castelo, ao convento, a Filipe II de Espanha e às Cortes que procederam à
Unificação de Portugal a Espanha (não esqueçamos a formação espanhola do
autor).
Apesar de afirmar que ainda muito
ficou por dizer sobre este mosteiro
maravilhoso, but I have said more
than enough to prove that the visitor to Portugal who misses Thomar has failed
to see a relic, which, in its way, has hardly an equal in Europe, é
obrigado a partir, Leiria espera-o.
No último olhar que lança à
cidade, já na viagem, não deixa de enaltecer a beleza do riozinho serpenteando pela
planície, ponteado pela linha continua de choupos, as colina revestidas de
pinheiros- longínquos, mas parecendo ao alcance de uma mão - o aglomerado de
casas brancas e cor-de-rosa com telhados vermelhos, e, sobre estas, as duas
colinas, uma coroada pelo inolvidável castelo-mosteiro, de largas muralhas, alta
torre e a impressionante torre sineira guardada pelos altos
ciprestes; a outra colina, em cuja suave encosta verde, se encontra a scala sacra, branca como a neve, com
vinte e cinco lances de degraus que conduzem ao resplandecente great white sanctuary of the Misericordia
(está, com certeza, a referir-se ao
Santuário da Sr.ª da Piedade). Um céu de um azul profundo e luminoso cobria
tudo, e, impregnando todo o suave ar quente, o doce aroma de tomilho,
manjericão, esteva e pinheiros.*
Em Ourém
Durante um par de horas seguimos
por uma boa estrada, de calçada, serpenteando pelo sopé das colinas e seguindo
a sinuosidade dos vales férteis, ladeada de campos de terra vermelha, com urze,
pinheiros e oliveiras. Por fim, ao longe, ergue-se abruptamente uma colina mais
ousada do que as restantes, coroada por outra grande fortaleza, que parecia de
uma altura inescalável, com um aglomerado de velhas casas aninhadas logo
abaixo dela. Porém, subindo uma estrada escarpada, na encosta, alcança-se sem
dificuldade aparente a metade da colina até à moderna vila de Ourém, onde tinha
marcado um descanso para os cavalos e uma refeição para mim. O lugar parecia morto aquecendo-se sob o sol quente, toda a vila abrasava mostrando a cor uniforme branco-amarelada do solo da colina sobre a qual se erguia. O esquálido castelo amarelo era apenas suavizado pela verdura de uma coroa de pinheiros, tendo logo abaixo das muralhas a antiga localidade e o grande velho mosteiro.*
A hospedaria era bastante humilde,
mas uma velha espertalhona e tagarela serviu-me um excelente almoço, tornando-se encantadoramente amigável quando lhe elogiavam o vinho, de que se orgulhava
muito e, com razão, pois era bom e provinha da vinha que crescia atrás da casa.
Ficava igualmente satisfeita com a aprovação da sua marmelada, e insistia para
que o seu hóspede comesse os doces caseiros, enquanto repetia os “os senhores ingleses
que veem gabam muito o nosso vinho” pois a aprovação dos ingleses sobre
qualquer coisa é sempre tomada como a afixação do selo final de excelência,
neste país. *
(outro parêntesis se impõe, as coisas mudaram, já não são só os ingleses a gravar o selo de excelência neste país - e a pôr-nos todos contentinhos, com o rabinho a abanar, por causa destas festinhas - é todo o não-luso. Qualquer bicho careta seja de que nacionalidade for, e mais ainda, os supra nacionais como é o caso da sodona Madona, decidem, logo ali, num instantinho, a propósito do que for, que somos os melhores, o que, coitados, até nem lhes fica mal, são simpáticos, ou mesmo, verdadeiros!! A nossa actitude é que não nos fica nada bem, sobretudo quando os próprios estrangeiros nos topam a fraqueza, como é o caso.)
(outro parêntesis se impõe, as coisas mudaram, já não são só os ingleses a gravar o selo de excelência neste país - e a pôr-nos todos contentinhos, com o rabinho a abanar, por causa destas festinhas - é todo o não-luso. Qualquer bicho careta seja de que nacionalidade for, e mais ainda, os supra nacionais como é o caso da sodona Madona, decidem, logo ali, num instantinho, a propósito do que for, que somos os melhores, o que, coitados, até nem lhes fica mal, são simpáticos, ou mesmo, verdadeiros!! A nossa actitude é que não nos fica nada bem, sobretudo quando os próprios estrangeiros nos topam a fraqueza, como é o caso.)
Rua principal da Vila de Ourém |
Lá fora, na rua principal da vila,
a quietude reinava no sol forte do meio-dia. Contra o céu índigo, o imenso
castelo lá em cima mostrava-se claramente, como nada se vê na nossa atmosfera
carregada de névoa. Um homem passa carregando uma grande cesta em forma de
barco, cheia de grandes uvas negras, quatro comparsas de capas negras e longos
varapaus nas mãos cavaqueiam à sombra da torre da igreja; donzelas ágeis com
lenços de cabeça fluidos, amarelos e brilhantes, passam balançando alegremente;
passa depois, mancando dolorosamente debaixo de um pesado fardo de cabaças
amarelas, uma velha descalça; um homem passeia a cavalo, com arreios em relevo
de latão e grandes estribos de caixa. Então, faz-se silêncio novamente, por mais meia
hora, é assim a vida em Ourém.*
A Caminho de Leiria
Continuando a atravessar terra de
pinheiros e urze e belos e pequenos vales plenos de vinhas, figueiras e
oliveiras, viajámos por mais duas horas e, assim que começou a anoitecer, entrámos
na cidade de Leiria, a Calippo dos romanos, por muito tempo a fortaleza de onde
os mouros atacavam os cristãos que avançavam do norte. É um lugar
encantador nas margens do Liz, situado no meio de colinas cobertas de pinheiros
e no centro de um grande distrito agrícola. Também aqui, as duas abruptas eminências
que pairam sobre a cidade são coroadas, respectivamente, pela enorme fortaleza
medieval e pela casa religiosa que parece sempre acompanhá-la - a espada e a
cruz, instrumentos gémeos do soldado e do padre, destinados a submeter o povo,
ambos, agora e felizmente, ultrapassados, pelo menos em Portugal, por meios
mais esclarecidos.*
Castelo de Leiria |
(a viagem continuou por Batalha, Alcobaça, Sintra, Lisboa, Setúbal, Tróia e Évora, e, com muita pena, lá partiu o nosso viajante, the big steamer was lying in the harbour ready to sail for England, and though Lisbon tempted me, I could not choose but go... e ....Fifty-two hours afterwards , lá penetrou no nevoeiro I was shrinking from the chill embrace of a November fog in London. FIM)
* Estes Parágrafos foram traduzidos livremente por mim, a partir do original. (MFM)
(1)João Amendoeira Peixoto, que já contribuiu para o acervo deste blog, e que demonstra ser um amante de Tomar e dos Templários, a julgar pelos trabalhos que publica, promove no seu site, um serviço público admirável. Põe, à disposição de todos, livros e publicações sobre aqueles temas, que estão, há muito, fora dos circuitos habituais, quer de livrarias, quer até de bibliotecas, alguns mesmo desconhecidos.
(2)Martin Hume, começou por se chamar apenas Martin Andrew Sharp, nasceu em Londres, tendo acrescentado o nome Hume em 1877, como exigência para o recebimento de uma herança de uma propriedade em Espanha, da parte de uma velha parente materna. Foi jornalista, escritor e historiador, tendo feito parte da sua educação em Espanha, dominava a língua e grande parte da sua obra foi dedicada àquele país.
NOTA: As Ilustrações do livro em questão são da autoria de A.S. Forrest, Archibald Stevenson Forrest (1869-1963) nasceu em Greenwich, Londres, Retratista e pintor de paisagens, ficou, no entanto, mais conhecido como ilustrador de livros sobre países estrangeiros, ‘Morocco’ (1904), ‘The West Indies’ (1905), ‘Jamaica’ (1906), ‘South America’ (1912), ‘Normandy’, ‘A Tour through Old Provence’, and ‘Portugal"
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