Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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15 de junho de 2012

Contratar um médico ....





                   De como a Vila de Thomar e seu Termo alcançou um Médico 
                                     (em cinco actos e três anos)                


1- Da deliberação



Nesta[sessão da Câmara de 28 de Maio de 1788] ,foi proposto pelo Procurador do Concelho, que sendo da obrigação da Câmara prover no bem público, e sendo a saúde o negócio mais interessante ao mesmo público, se achava esta Vila e seu Termo em grande precisão de ter um médico, e ser ele obrigado e pronto para acudir a todos, quando for chamado e, porquanto, de 2 que há na terra, além de nenhum deles ter partido do público, se acham ambos quase inválidos, pela sua idade, para satisfazerem e ocorrerem à dita necessidade, além de se achar deles, o mais hábil. ocupado com o partido do Convento de Cristo; e porque considerada a diferença dos tempos, o partido de 60$000 réis, para que há Provisão de Sua Magestade, não é hoje bastante para que esta Vila consiga um médico hábil; e que, portanto, devia ter aumento o tal partido antigo, e requerer-se para isso Provisão a Sua Magestade; o que agradou logo, e pareceu justo a todo o Corpo da Câmara, assentando todos que aos 60$000 réís antigos se acrescentassem mais 100$000 rêis, Fíntado, no lançamento das sisas, e que, para isso, se recorresse a Sua Magestade. E se mandou passar Certidão disto e da Provisão do Partido Antigo.



2- Da adjudicação e deveres do dito.
Na Sessão de 23 de Janeiro de 1789, sendo mandados entrar o Juiz do Povo e homens da Governança do Povo, para lhes propôr a deliberação tomada por este Senado acerca da eleição e aceitação do médico para o Partido desta Vila e seu Termo, lhes foi dito que pela necessidade e precisão em que estava todo este Termo de um Médico que fosse obrigado a acudir às necessidades e enfermidades do Povo, se tinha solicitado e conseguido de Sua Magestade faculdade para estabelecer 160$000 réís de partido para um Médico, e que, tratando-se da sua eleição, não achava a Câmara outro hábil em quem se provesse o dito Partido mais que o Bacharel João José Leite de Mesquita, que se oferecia aceitá-lo com as condições seguintes:
1.º - Que toda a despesa feita para se alçançar a dita Provisão para o estabelecimento do seu partido seria por conta dele, e se descontaria no seu ordenado do seu primeiro ano.
2.° - Que dentro deste primeiro Ano, contado do dia da sua posse, poderá ele ser despedido pela Câmara desta Vila, e privado do dito Partido, para os anos. seguintes, sem que para isso seja necessário cousa alguma mais do que não gostar dele, pelo livre arbítrio da mesma Câmara, e do Povo, nela igualmente representada.
3.° - Que passado o dito primeiro Ano, não será despedido senão faltando ele a alguma das seguintes condições:
I - Que ele será obrigado a assistir nesta Vila, e não sairá para fora do Termo por mais de um dia sem licença da Câmara, e que nem ainda fora da Vila se poderá demorar por mais tempo, sem a dita licença, e isto se for com justa causa de ir assistir a algum doente.
II - Que ele será obrigado a curar os pobres com prontidão e caridade, e de graça.
III - Que ele será obrigado a toda a hora a que for chamado ir ver qualquer doente desta Vila e seu Termo, e se não demorar com o pretexto a obrigação alguma acerca da paga, porque deve ir logo que for chamado, e feita a cura, e somente então poderá demandar o mesmo pagamento quando as partes voluntàriamente lho não satisfaçam, e que neste pagamento não excederá nunca os usos e costumes desta terra.
E que, nestes termos, parecia bem à Câmara que se aceitasse o referido Médico, o que lhes propunham, para ouvir a sua deliberação; o que sendo ouvido pelos ditos homens da Governança do Povo, uniformemente declararam que eram contentes desta Providência e eleição da Câmara, por cuja razão se mandou entrar também o referido Médico; o qual, sendo-lhe lido todo este Auto, respondeu que aceitava o Partido que se lhe oferecia, debaixo de todas as condições acima escritas, às quais se sujeitava. E pela referida forma assinaram todos com os referidos Camaristas e eu, Mateus Rodrigues de Castro, o escrevi. Sequem-se as assinaturas dos Oficiais da Câmara, do Médico Dr. João José Leite de Mesquita, e as seguintes dos homens da Governança do Povo : Francisco José, Juiz do Povo; Fragoso; José dos Santos; Sebastião Avelar; Manuel Álvares; José de Almeída; José Lourenço; Manuel Jacinto; Francisco da Silva; António Henríques; Manuel Nunes: e Carlos António.


3. Da renegociação



Na Câmara de 6 de Junho de 1789, foi vista a Representação do Médico do Partido desta Vila, o Bacharel João José Leite de Mesquita, em que expunha que para haver de rejeitar um Partido, que entretanto se lhe oferecia na Vila da Ericeíra, para poder com mais certeza estabelecer-se nesta Vila com casa e com as comodidades necessárias, precisava que se lhe tirasse a dura condição com que foi aceite, de poder ser despedido arbítràriamente, e sem causa, pela Câmara, durante o primeiro Ano do seu Partido.
E por se considerar nesta Vereação, por uma parte, a necessidade e interesse público que resulta a esta Vila e seu Termo do estabelecimento e existência do dito Médico e Partido; e por outra parte, porque o dito Bacharel João José Leite, no tempo que tem assistido nesta Vila, tem dado manifestas e grandes provas, não só da sua habilidade médica, e caridade e prontidão no cumprimento das obrigações do seu ofício, mas também do seu honesto e louvável comportamento, como cidadão: Acordaram e resolveram nesta Vereação que o referido Médico fique isento da dita condição da sua aceitação, que é a segunda do Auto em vigor, para que, daqui em diante, não possa o dito Médico ser expulso e despedido do dito Partido, sem justificação de causa legítima.


4- Da contratação



A 29 de  Janeiro de 1791, reuniu-se a Câmara sob a presidência do juiz-de-fora Dr. João TeodoricoGarcia Fragoso de Vasconcelos Cardoso, presidente do senado da Câmara, e os mais vereadores no fim deste assinados. E sendo aí presente a Nobreza e o Povo desta Vila, convocados pelo aviso do costume, para darem a sua resposta na conformidade da Provisãoque Sua Magestade é servida mandá. los ouvir, no requerimento do Dr. João José Leite de Mesquita, que pretende a confirmação do partido médico, para o qual esta mesma Câmara, com a Nobreza e Povo, o havia escolhido; e ouvidos os votos, individualmente, da Nobreza uniformemente concordaram e votaram que, pelas boas qualidades do recorrente e por ter, até agora, desempenhado as obrigações do seu ofício, se faz digno da graça que pretende e continuando a cumprir e satisfazer as obrigações e condições com que o mesmo partido lhe foi conferido pela mesma Câmara, Nobreza e Povo dos dois Autos da Câmara de 6 de Junho de 1789 e de 28 de Maio de 1788, que aqui se declaram ratificados. E isto mesmo, com a mesma formalidade, concordou a maior parte do Povo que estava presente. E desta forma houveram este Auto por findo que assinaram juntos com a Nobreza e Povo. E Eu, Mateus Rodrigues de Castro, o escrevi
: (seguem-se 68 assinaturas, 65 pró e 3 contra).


5- Da homologação.

Em 12 de Maio de 1791 a Rainha D. Maria I confirmou a eleição da Câmara para Médico do Partido da Vila e seu Termo do Dr João José Leite de MesquIta com o ordenado de 160$000 réis por Ano.




Fonte:  livro dos Acórdãos Camarários de 1785 a 1788 e livro dos registos camarários de 1784 a 1802, em AMT pags. 261 a 301, vol. 1770 a 1800.

Ilustrações (de cima para baixo):
Caricatura  de Thomas Rowlandson (1756, 1827)
Desenho de John Millar Watt (1895, 1975)
Quiring Gerritsz van Brekelenkam (1625,1668), médico visita velha.
Jan Steen, visita de médico, 1662
Jan Josef Horemans, o Velho (1682-1759)
Constant Desbordes Dr. Alibert inoculando a vacina contra a varíola, 1800
Louis Hersent Marie Francois Xavier Bichat 1771-1802 dying surrounded by the doctors Esparon and Philibert Joseph Roux 1780-1854
Geirnaert Theodore Josep Louis O médico hungaro 1836
Jan Steen, visita do médico, 1660
Caricatura de Thomas Rowlandson  (1756, 1827)