Aos Domingos
Aos sábados à tarde, de manhã havia escola, levavam-me a apanhar a carreira, para ir a Tomar visitar o resto da família. Atravessávamos a aldeia silenciosa, não se via ninguém, o horário era pouco depois do almoço, passávamos pela passagem de nível e parávamos no cais da cal, onde ficava a paragem.

Depois, com o dinheiro contadíssimo na mão direita fechada, o da volta, igualmente contado, para não ser enganada nos trocos, ia na carteira depositada dentro da pequena maleta, subia para a camioneta enquanto era recomendado ao motorista que esta menina, qual encomenda, era para ficar em frente ao turismo.
Domingo ao fim do dia fazia o percurso inverso.
Quando ficava em Porto da Lage, ao domingo ia com o avô à missa de manhã, a menos que a tia Alice estivesse por lá ou se arranjasse alguém para ficar em casa, a avó não ia. Desde que, há muitos anos houvera um assalto, que nunca se deixava a casa sozinha. À missa, comigo, a pé, ia-se a Sta. Margarida ou a S. Silvestre, nunca mais longe. Fui, poucas vezes, a Cem Soldos, mas de carroça, com o avô ou com a tia Maria. Fosse pela idade ou pela condição física dispensavam-me de acompanhar o avô que, quando as suas obrigações o impediam de ir aos locais mais perto, ou estes, por qualquer motivo mudavam os horários previsíveis, ia a Porto Mendo, Casal da Fonte ou até Fungalvaz.

Á tarde o avô visitava os familiares ou amigos doentes. Quando se tratava de senhoras eu ia também. Visita habitual ao domingo à tarde era à tia Anita*. Não sei se estaria exactamente doente, mas não saía de casa. Uma casa bonita à beira da ribeira, por onde se entrava por
um portão de madeira e, atravessando um túnel que ficava por baixo do edifício,
se chegava a um pátio fechado, quadrangular onde, lá ao fundo, havia capoeira e coelheiras, e um curral com ovelhas que, vendo-nos, deitavam as cabeças para
fora e com os seus arrastados mééé….. nos davam as boas vindas. À entrada do pátio costumava
estar, à espera do avô, o tio António, marido da tia. Eu achava que os dois
podiam ser gémeos, não fosse o tio ser mais feio, tinha um dos olhos grande, azul e sem expressão, era de vidro. Mas de resto eram iguais, no tamanho e no tipo, ambos de fato de domingo, camisa branca e gravata, sapatos engraxados. Era bonito de ver aqueles dois velhos cumprimentarem-se com afecto – Como vai compadre?- apertando com força as grandes mãos calejadas. Penso que o avô, tirando os irmãos, tratava a parentela inteira por compadre. Era padrinho de toda a gente, de todos os sobrinhos mais velhos, sinal da consideração que lhe tinham, dizia a avó orgulhosa, atendendo a que havia um irmão mais velho, preterido em relação a ele.

Falava também naquele sitio mítico onde tinha nascido, a quinta da Belida, lugar que, quando olho para trás vejo agora que só na boca dela parecia real. Os outros velhos não falavam disso, quando ela perguntava: Lembras-te João?, ele torcia a boca e abanava a negativamente a cabeça, e os da geração seguinte viam-na quase como uma fantasia, sinal que pouco lhes tinha sido transmitido sobre isso.

Pelo crepúsculo voltávamos para casa, pela estrada ou pela nossa ponte, consoante o tempo ou a localização do visitado, silenciosos, tal como tinhamos ido.(MFM)