Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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13 de abril de 2020

Noticia Verdadeira




                                   
Jornal "O Século" 10.01.1947







A notícia acima esteve quase, quase, a não o ser. Aqui no blog, evidentemente. No tempo devido foi-o e bem, nada mais que na primeira página de O Século. Ao fundo, canto inferior da última coluna do lado esquerdo, naquelas folhas enormes que a gente de hoje nem imagina como a gente as lia, nem eu já me lembro bem como era. Pois andava eu nas minhas pesquisas sobre um assunto que, talvez, aguma vez interesse a mais alguém além de mim, veremos, quando deparei com o que acima consta. 
Estranhei, estranhei muito. Não propriamente o insólito do relatado, que, não sendo propriamente normal ainda está nas coisas possíveis desta vida, mas estranhei sim, calculem, nunca ter ouvido falar em tal. Imaginem a minha petulância, agora já me arrogo o direito de saber todo o passado de Porto da Lage e arredores! É que fui, e estou, mal habituada! Tive a sorte, acompanhada de alguma curiosidade infantil e memória, de ter ouvido muita história em criança, que já aqui reproduzi (as reproduzíveis), tive, depois, a imensa ventura de ter a contribuição, neste blog, de pessoas extraordinárias que me encantaram, a mim e a todos, com as suas recordações de vida que nos transportaram para um tempo que ficaria para sempre esquecido, sem elas. Mas esta história nunca eu a tinha ouvido, nem da minha avó, grande transmissora de tudo o que sabia de pequena, nem de outras fontes mais recentes. Daí a minha dúvida. E, como sempre que dúvidas destas me assaltam, recorri à minha assessora certificada para as mesmas. E a Dulcinda deu razão às minhas suspeitas, estávamos perante fake newes, coisa velha como o Homem! Na época, os grandes jornais nacionais tinham correspondentes em todo o lado, gente empenhada, amiga de escrever, mostrar trabalho e levar o nome humilde e desconhecido da sua terra ao conhecimento do país! Nem sempre pelas melhores, ou verdadeiras razões, pelos vistos. Pois a Dulcinda conhecia a dita família Graça, (e, também eu fiquei a saber que conhecia uma das filhas, dona, juntamente com o marido, da primeira casa vizinha da nossa nos Olivais, construída num bocado de fazenda que também era nossa) e a respectiva casinha  no Paço da Comenda, casinha essa que ela, Dulcinda, sempre conhecera como propriedade do José da Graça sem este ter pago nenhum tostão por ela. A tal senhora Brasoneira também tinha existência certificada, mas, tudo o resto era falso. Acabava-se, portanto, por aqui, a notícia, que este é um blog sério, no que ao presente e ao passados diz respeito, quanto ao resto não posso garantir, que o futuro a Deus pertence.
Mas eis que a reviravolta se deu!  Não é que a Dulcinda, ao jeito de graça (esta língua portuguesa....), contou a alegada não-notícia a uma das descendentes Graça, e não é que esta a confirmou? Que era verdade, que o pai comprara a casa por dois tostões nas circunstâncias descritas no jornal! Perplexa (não posso imaginar o quanto, ainda hoje se deve interrogar como tal lhe escapou!) a nossa memória viva local  telefonou-me! Contrita, apresentei, de imediato, as minhas desculpas mentais ao correspondente portodalegense de O Século, fosse ele quem fosse. Se for vivo, terei todo o gosto em lhas apresentar de viva vóz! Grande correspondente que deu a conhecer ao Portugal de então, que ia do Minho a Timor, o exemplo de generosidade que dispensava comentários que partira do local pequenino que seria a sua terra.
Mas uma dúvida continua a atormentar-me. Por que motivo um acto desta grandeza morreu na memória popular enquanto outros, carregados de tristeza, mesquinhez e desgraça, persistiram e chegaram vivos até nós, como dignos de serem contados? Será que, colectivamente, só recordamos o que nos fez doer, que só o que deixa cicatrizes perdura? (MFM)


Nota: Esta notícia é antiga na minha posse, estava à espera de novos tempos para a publicar com mais ênfase, por exemplo, ter oportunidade de conseguir depoimentos dos descendentes de José da Graça. Mas, não sei quando voltarei a Porto da Lage e decidi que de hoje não passava. Não quero que estes tempos esquisitos vos impeçam de ter conhecimento desta intemporal, bela e esperançosa noticia, comprovativa de que o ser humano é o melhor que Deus, ou o que quiserem, inventou.