Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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13 de abril de 2022

Páscoa sem Fé

 

 

Gustav Klint, Death and Life

 




Eu bem sei que a Pascoa é a compreensão da Ressurreição depois da morte. Que ela quer dizer que depois do desamparado caminho da cruz se segue a irupção da vida. Sei que os hoje mercantis ternos coelhinhos e os coloridos ovos de chocolate são, afinal, símbolos bem antigos da fertilidade e do ressurgimento da vida após um longo Inverno. Sei, mas  não estou convencida. Os tempos que vivemos só me deixam ver longo caminho do calvário estendido à nossa frente, não consigo crer, muito menos festejar a esperança da Redenção. Mas para os que ainda conseguem Boa Páscoa. (MFM)
 



A um Crucifixo

Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços
E clamaste da cruz: há Deus! e olhaste, ó crente,
O horizonte futuro e viste, em tua mente,
Um alvor ideal banhar esses espaços!

Por que morreu sem eco, o eco de teus passos,
E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente?
Morreste... ah! dorme em paz! não volvas, que descrente
Arrojaras de novo à campa os membros lassos...

Agora, como então, na mesma terra erma,
A mesma humanidade é sempre a mesma enferma,
Sob o mesmo ermo céu, frio como um sudário...

E agora, como então, viras o mundo exangue,
E ouviras perguntar — de que serviu o sangue
Com que regaste, ó Cristo, as urzes do Calvário?

 Antero do Quental 1842-1881, Sonetos Completos, Publicações europa-américa, 1984.