Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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11 de novembro de 2019

Capela de S.Sebastião



Eu, o meu pai e a minha avó nascemos na mesma casa, consta que no mesmo quarto, da rua de S. Sebastião, em Tomar. É uma rua insignificante, estreita e curta, que passa quase despercebida logo à direita de quem entra na cidade pela estrada de Paialvo. Tem, por isso, inicio na rua da Graça, a nossa casa era a primeira deste lado fazendo esquina, e vem, ou vinha, morrer na Várzea Grande. E digo, vem ou vinha, porque a Várzea Grande tendo diminuído com o tempo, parece estar, no momento em que escrevo, novamente maior depois de terem demolido a antiga "messe dos oficiais" que por ali esteve pouco mais de cinquenta anos ao lado da igreja de S.Francisco, e que, durante esse tempo "tapou" as últimas casas, casas pobres e baixinhas, desta minha rua, que, agora, como dantes, se encontram desafogadas, com vistas, outra vez, para a Várzea.

                                                             


O nome da rua dever-se-ia a esta ir dar à capela de S.Sebastião? Não sei, sei é que era o lugar de culto da minha gente, que, pelo menos desde o fim do sec.XVII vivia por esta zona, o Alto da Pissarra,  pela Rua dos Arcos e Várzea Grande, e aqui vinham à missa e participavam nas festas religiosas, um dos meus antepassados celebrou mesmo nesta "ermida" o seu casamento, em 1780, com licença especial, "precedendo alvará de fazamento e especial licença do ilustre reverendo Ouvidor Geral e administrador da Prelazia Frey João Alves do Couto". A minha avó e a irmã contavam-me das imagens dos "santos" que lá existiam, uma das quais, de que me não me lembro o nome, estava entregue à minha tia que tinha a seu cargo lavar-lhe e passar a ferro as vestimentas de seda, veludos e rendas, coisa trabalhosa mas de que muito se envaidecia, uma vez por ano,  de forma a ficar toda catita para não sei que solenidades do calendário católico (quem dera ter estado mais atenta ou ter tomado notas!).
Esta capela ficava aproximadamente onde hoje se encontra a estação de caminho de ferro, numa alameda ao fundo da Várzea Grande (na fotografia abaixo contornei a vermelho o local provável), onde também se situavam um coreto e um jardinzinho dentro do qual "se levantava uma agulha de pedra", cujo significado tanto Alberto Pimentel como João Maria de Sousa ignoravam (ver abaixo extractos dos seus livros). 
Esta "agulha de pedra" já em 1712  era mencionada pelo Padre António Carvalho da Costa na sua Corografia Portuguesa, como o magnifico padrão da Várzea Grande  que é uma agulha sobre dez degraus com as quinas reais e no remate uma cruz sobre uma esfera.
A origem deste padrão, diz-nos Amorim Rosa (ver abaixo texto), estará no reconhecimento da Câmara de Tomar a Filipe III  por este rei ter decidido a favor daquela numa pendência mantida com a Ordem de Cristo. Actualmente, designado de padrão filipino, encontra-se no centro da Várzea Grande.(MFM)



Fotografia de Silva Magalhães c.1870


A vermelho o local onde se situaria a capela e o padrão filipino, em 1870


O mesmo local no inicio do século XX.




O padrão Filipino ainda no local anterior mas, aparentemente, já sem a capela de S.Sebastião.




Alberto Pimentel, "Portugal Pittoresco e Illustrado, A Extremadura Portuguesa, Primeira Parte, O Ribatejo", pag. 437. Empreza da História de Portugal, Lisboa, 1908




Extracto da pag. 12 de Noticia descriptiva e histórica da cidade de Thomar, 1903, de J.M.Sousa





Padre António Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa, etc., 1712, Tomo III, pag.155 (extracto)

«Em 1562 a Ordem Franciscana do Convento de Santa Cita, que já tinha uma casa em Tomar, onde convalesciam os seus enfermos, porque era seu desejo edificar um Convento na vila, veio a conseguir licença régia e a cedência do terreno necessário na Várzea Grande, por parte da Câmara.
Todavia, como o então Grão Mestre da Ordem de Cristo se opôs à cedência do terreno, declarando que a Várzea Grande era propriedade da Ordem de Cristo, a Câmara não se conformou e levou a questão aos tribunais.
O processo arrastou-se por mais de um ano, até que em 15 de Maio de 1624, Filipe III decidiu a favor da Câmara, o que levou a edilidade, como reconhecimento do que entendeu ter sido “uma justa sentença”, a mandar erigir, em 25 de Novembro de 1627, um padrão (padrão filipino) ao meio do velho Rossio da vila, actualmente na zona central da Várzea Grande, para onde foi transferido há anos.
Os Franciscanos foram então autorizados a edificar o Convento, com a condição de não abandonarem o velho Convento de Santa Cita.
Iniciadas as obras em 1625 (e não 1628 conforme consta na lápide), o Convento de S. Francisco veio a ficar concluído em 1660, com a construção da torre, mandada fazer pelo reverendo padre Manuel Esperança, então ministro providencial…»

O Padrão Filipino na localização actual
Fotografias de fundo Silva Magalhães, Gabinete de Curiosidades de Tomar, identificadas e deste Blog.