Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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17 de março de 2013

Maracujás na Estefânea

 
 
 
No Verão passado escrevi o post abaixo mas não o publiquei.  Ponho-o agora aqui como tentativa de anatematizar os infortúnios anunciados, neste fim de Inverno em que só a terra se apresenta cheia de promessas de fertilidade, húmida e a brotar de verde. Num tempo em que nada promete, só nos resta agarrar-nos ao que é perene e já não se fabrica mais. Ámen.



















 
















Tenho que dizer isto aqui: já tenho maracujás no meu quintal, cá nascidos e criados!
Há meia dúzia de anos experimentei pôr as mãos na terra e descobri, tarde e a más horas, a minha vocação agrícola! Que desperdício! O que eu poderia ter feito e o que o país teria ganho! (como estamos no mundo das suposições, vale dizer tudo, até que a agricultura portuguesa teria um passado glorioso!).
Mas é que é agricultura mesmo, como diz alguém  la-vou-ra! Nada da mariquice da jardinagem. Com um bocadinho de esforço chegava à silvicultura mas já me informei e as árvores de fruto não se englobam aí. Mas não está mal assim.
Comecei com nespereiras (no capítulo dos pomares, entendamo-nos, porque horta? não vos digo nada! ficará para outra ocasião), mas tenho que reconhecer que aí não tive grande mérito. É certo que ninguém produz tantas por metro quadrado, tão coloridas, doces e carnudas, como precisamente os meus três metros quadrados! Mas não posso negligenciar as condições do solo e do clima (vêm como eu falo?) que não há terra como a de Lisboa para fazer crescer nespereiras em tudo quanto é canto, dos contrafortes do castelo às linhas do comboio em Marvila e até em vasos de trapeiras altíssimas!
Tenho depois as ameixas, maravilhosas, amarelinhas. O pior é quando dá na árvore o piolho, mosquito ou lá que verme é aquele que me enquerquilha as folhas todas e chama as formigas, pensava eu que as culpadas eram as formigas mas afinal estava a ser injusta. As pobres trabalhadoras  estão inocentes, até conseguiriam acabar com os ditos, que para isso é que elas lá estão, não fossem as condições ecológicas o que são e não andasse tudo de pernas para o ar nestes tempos pós buraco de ozónio. Isto requer muito conhecimento! É uma Ciência, sem dúvida nenhuma!

Por fim, depois de muita insistência de terceiros, lá iniciei a cultura maracujazeira. Muito contrariadamente, diga-se,  plantei-os; achava eu, e ainda acho, que não tem nada que se andar atrás do que é diferente só porque sim,  a menos que acrescente alguma coisa à nossa vida. Para que raio preciso eu de uma exotice qualquer se já tenho o que gosto!? Francamente até achei a coisa parola, e só a pena de ver a planta a definhar no vaso me fez pô-la na terra.
E não é que ela me brinda agora com um "carregamento" formidável de frutos? E não é que eu estou toda orgulhosa disso (ok, também estou um bocadinho arrependida de, ao principio, não a ter levado a sério)? E não é, também, que estou a vislumbrar perspectivas económicas positivas (?!) nestes tempos difíceis? Estou mesmo a pensar contactar os outros "produtores" aqui do bairro, já me constou que há mais, para, rapidamente, exigirmos uma região demarcada, proponho entre o Saldanha e a Almirante Reis, para evitarmos as contrafacções e similares que se aproveitam  logo, mal surgem produtos genuínos.

Bom, felicitações dadas e aceites, muito obrigada, perguntarão: para que conto eu isto aqui? E o que é que os maracujás têm a ver com Porto da Lage?

Pois têm tudo! Quer dizer, têm a ver com Porto da Lage e muito mais.  Muito mais longe que Porto da Lage, muito mais para trás que Porto da Lage. O  espaço do tempo longínquo onde viveram aqueles que me transmitiram o gosto e a apetência por mexer na terra e ver crescer as plantas fluiu por quilómetros quadrados até se concentrar duas gerações antes da minha em Porto da Lage. Só pode ter sido essa fila de gente, que, durante séculos,  enfrentou a dureza da terra por obrigação para prover ao seu sustento e se reproduzir, que, entranhada em mim, me faz saber como cuidar de um maracujá. E fico contente por eu, pequeno-burguesa até ao tutano, ter ainda, lá pelo meio das moléculas cheias daqueles pequenos valores que nos infernizam a vida,  outras, perdidas, que transportam as qualidades antigas de gentes que não conheciam as conveniências mas sabiam sobreviver. Eles, que nunca se devem ter cruzado com esta Passiflora edulis  nem em sonhos, souberam cuidar do seu canteiro tão bem que, prometo, daqui para a frente, sempre que alguém se deliciar com estes frutos roxos daqui, do meu quintal, vai ter que lhes prestar homenagem. Ora se vai! (MFM)