Si hortum in biblioteca habes deerit nihil

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1 de dezembro de 2014

Defenestrados

Gravura do livro Restauração de Portugal, Fernando Mendes, ed.Romano Torres, 



Eu sou do tempo dos heróis. Viriato, Egas Moniz, o Condestável, Bartolomeu Dias, Afonso de Albuquerque e um rol de muitos outros onde mesmo as mulheres cabiam, como a valente Padeira passando pela enfarinhada Deuladeu Martins até à fidalga Filipa de Vilhena, todos empunhavam lança, espada, corda no pescoço, leme, a pá do forno, o que fosse, em prol dos seus ideais, da sua palavra, da sua terra, do seu povo. Todos eram apresentados como exemplo de sacrifício e bravura a favor da grande causa – Portugal. Mas a coragem maior era personificada no herói supremo – o valoroso povo português que o talentoso Camões, também ele um herói, cantou nos Lusíadas.
Era assim a história de Portugal no meu tempo de estudante da primária e do liceu. Contavam-nos como éramos um grande povo, de valentia extraordinária e feitos magníficos. Ao longo dos séculos tínhamos não propriamente arrastado mas confrontado a montanha vizinha e atravessado intempéries e monstros marinhos para nos mantermos independentes e, mais, para nos tornarmos cada vez maiores. E tudo num esforço sobre-humano, pois não esquecíamos como éramos geograficamente pequenos.
Mas atenção! Também tomávamos conhecimento do avesso destes casos.
Aprendíamos como, em épocas perigosas, nos momentos de ruptura, em que tudo parecia perdido, surgiam os aproveitadores, os oportunistas dispostos a fruir do estertor da pátria. Eram os aliados dos nossos inimigos, que, a soldo destes, traíam, vendiam, subjugavam os próprios compatriotas.
O galego Fernão Peres, valendo-se da paixão da mãe do nosso primeiro rei, iludira-a e fizera-a virar-se contra o próprio filho, em desfavor da nossa independência; o Conde Andeiro, também amante de uma rainha pérfida e traidora, com a qual perfilhava o partido castelhano; Miguel de Vasconcelos, representante do rei estrangeiro no tempo da ocupação espanhola. Todos eles, três exemplos dos que tinham sido desleais aos interesses portugueses, dos que se tinham vendido a si e à Pátria a troco dos infames 30 dinheiros e que, por isso, tinham fugido, morrido às mãos do mestre ou sido defenestrados. Todos três exemplarmente castigados pelos bons portugueses unidos na defesa da dignidade e da independência da sua terra.  
Depois, em nome de uma História séria, limpa de gente e de acontecimentos, acabou-se com os heróis. Não há nem antigos nem modernos, como diria a minha avó, pois já não se criaram mais. O Cristiano Reinaldo parece-me que não encaixa e o Xanana, última tentativa que este povo fez de criar um, mesmo à revelia, caiu do altar a baixo há três semanas, ai Timor …
 Foram portanto, por decreto, os heróis oficialmente extintos. Pena que se tivessem esquecido de legislar sobre a abolição dos outros.

No tempo de perigo em que vivemos, com a Pátria, mais uma vez, moribunda, joga-se uma luta desigual. Estamos, como nunca, subjugados por vendidos a soldo estrangeiro e não há quem, já não digo que defenestre esta gente, mas que a mande porta fora! (MFM)